Filipa Ramalhete
Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território (CEACT), UAL, Portugal e Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional (e-GEO), FCSH-UNL, Portugal, framalhete@netcabo.pt
Bruno Neves
Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território (CEACT), UAL, Portugal, brunomaneves@gmail.com
Resumo
Os bairros projetam-se na sua componente espacial, temporal e urbanística. Neste estudo será enfatizada, sobretudo, a componente social, através da inquirição da população que neles reside e que os utiliza, vivencia e representa. Na abordagem a esta componente é fundamental procurar perceber o bairro como um espaço físico, na sua componente histórica e urbanística, mas também enquanto espaço que configura práticas sociais. Embora já existam alguns trabalhos de vulto sobre esta temática, sempre subsistem questões passíveis de outros desenvolvimentos. Neste texto apresenta-se a análise dos dados e algumas conclusões e reflexões sobre o bairro na Lisboa do século XXI.
Campo de Ourique. Nuno Pires Soares – All Rights Reserved
Os bairros vistos pelos seus residentes definição, vivência e avaliação em seis bairros de Lisboa
1. Introdução
A cidade de Lisboa é constituída por realidades urbanas diferenciadas e diferenciadoras, sendo o conceito de bairro uma das referências constantes, enquanto realidade histórica, arquitetónica e social, presente na literatura científica, mas também nas estratégias e políticas de ordenamento (1). Embora existam alguns trabalhos sobre esta temática (sobretudo nos domínios da sociologia, arquitetura e urbanismo), subsistem questões passíveis de outros desenvolvimentos. Para o seu estudo e compreensão, é fundamental abordar o bairro como um espaço físico, na sua componente histórica e urbanística, mas também como espaço que configura práticas sociais, na medida em que é utilizado, vivenciado e representado pelos residentes e utilizadores.
O projeto que contextualiza este estudo optou, desde o seu início, por discutir o conceito de bairro do ponto de vista etimológico, histórico, urbanístico e social, tendo como objetivo aprofundar o conceito de bairro, mas também procurar estudar as eventuais diferenças entre os vários tipos de bairro. Revelou-se fundamental caracterizar os seus residentes, recorrendo a dados censitários, mas também respondendo às seguintes questões: o que faz com que determinado espaço seja considerado um bairro para os seus residentes? Como é caraterizado? Quais os seus aspetos mais positivos e negativos? Que vivências tradicionalmente associadas ao bairro (vida de rua, interconhecimento, dinâmicas comerciais e de serviços de proximidade) existem? Viver num determinado bairro responde às expectativas e desejos dos seus habitantes? E, por fim, onde e como se localiza o bairro para os que nele residem, sabendo que os limites dos bairros não correspondem a limites administrativos mas à sobreposição de mapas culturais mentais (2).
2. Metodologia e recolha de dados
A seleção dos casos de estudo resultou da análise e criação de uma tipologia (cf. texto deste dossier de Soares, 2014) onde foram identificados dois grandes subtipos de bairro – “com” e “sem plano” – e, nestes, subdivisões por época de origem. A escolha dos bairros a estudar com mais detalhe resultou da conjugação de algumas opções tomadas pela equipa de investigação:
– selecionar bairros representativos dos vários tipos e épocas identificados;
– procurar uma distribuição geográfica equilibrada na cidade;
– selecionar bairros que não fossem de gestão municipal (“bairros sociais”, construídos sobretudo após 1974), por se ter considerado que correspondem a uma realidade diferenciada no conjunto dos bairros com plano;
– a escolha dos bairros sem plano deveria incidir em bairros menos estudados em investigações anteriores (cf. texto deste dossier de Ramalhete e Gato, 2014);
Todos os critérios de partida foram totalmente cumpridos, com exceção da distribuição geográfica, dado que não foi selecionado nenhum exemplo localizado na área mais oriental da cidade por motivos que se ficaram a dever à observação dos outros critérios, numa escala de prioridades.
Os primeiros bairros selecionados foram Graça e Campo de Ourique, o primeiro para a tipologia “sem plano” e o segundo para a “com plano”, mas ambos anteriores ao século XX. A seleção dos bairros do século XX foi um pouco mais complexa. No caso dos bairros sem plano, procurou-se um caso onde a autodefinição de bairro pudesse não ser evidente, em função do crescimento urbanístico e da diversidade morfológica, arquitetónica ou social, tendo-se optado pelo caso da Ajuda. Quanto aos bairros planeados, Alvalade foi o último bairro a ser selecionado por se ter considerado que, apesar de já existirem estudos realizados no contexto do urbanismo e arquitetura, seria importante complementar esta informação sobre o espaço do plano com a perceção espacial e social do mesmo enquanto bairro. Telheiras e Galinheiras foram os bairros do século XX selecionados, para as tipologias “com” e “sem plano”, respetivamente.
Antes de dar início ao trabalho de campo foram realizadas visitas de reconhecimento em todos os bairros e algumas entrevistas exploratórias, de forma a confirmar a pertinência da sua seleção no âmbito deste estudo. As entrevistas realizadas na Ajuda e em Telheiras (com representantes das juntas de freguesia de Ajuda e Lumiar e da Associação de Residentes de Telheiras) foram particularmente importantes para a confirmação do seu interesse face aos objetivos do estudo.
2.1. Inquéritos aos residentes dos bairros (3)
Após a seleção dos casos de estudo, foi elaborado um inquérito por questionário para ser aplicado a cem residentes em cada um dos seis bairros, o que resultou num total de seiscentos questionários, realizados entre outubro de 2010 e dezembro de 2012. Além dos questionários, também foram feitas várias visitas aos bairros, para observação. O primeiro bairro a ser alvo da aplicação do questionário foi Campo de Ourique, tendo-se procedido à realização prévia de um pré-teste ao questionário para aferição e retificação de algumas questões. Optou-se depois por uma aplicação simultânea de questionários em bairros “com plano” e “sem plano”, o que permitiu ir monitorizando e comparando os resultados.
O trabalho de campo foi elaborado pela equipa de projeto, com a colaboração de alunos e jovens arquitetos, formando equipas que reportavam à coordenação do projeto, oralmente ou por escrito, as observações de campo.
2.2 Estrutura do inquérito por questionário
De forma a obter dados comparáveis e suficientemente expressivos, foi desenhado um questionário conjugando respostas abertas e fechadas. As questões foram estruturadas de acordo com os objetivos do projeto e incidiram, sobretudo, na perceção dos inquiridos sobre o bairro, suas características e limites, ficando distribuídas por duas partes, “caracterização espacial” e “caracterização sociocultural” (4).
Os questionários foram realizados presencialmente, em espaços públicos diversificados, mais e menos centrais face ao bairro. A escolha dos inquiridos foi aleatória mas orientada de forma a contemplar a maior variedade possível em termos de grupos etários e uma distribuição equilibrada pelos dois sexos.
Os dados foram posteriormente inseridos e tratados em software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), o que permitiu elaborar diversas análises para discussão em secções de trabalho seguintes. Os dados relativos às respostas abertas foram analisados individualmente e posteriormente categorizados.
2.3 Inquéritos a não residentes
Em paralelo com os questionários aos residentes foi decidido elaborar também um inquérito por questionário dirigido a não-residentes nos bairros em análise. Este procedimento teve como objetivo perceber não só o tipo de relações socio espaciais existentes entre o bairro e a cidade envolvente, como também conseguir um confronto de perspetivas. O questionário seguiu um modelo mais sucinto e compreendeu uma amostra de vinte inquiridos por bairro, num total de cento e vinte não-residentes. Os dados extraídos destes questionários foram utilizados sobretudo para debate e análise qualitativa, surgindo com mais destaque na componente espacial (cf. Marques e Machado, 2014).
3. Análise de resultados
A análise que se segue resulta do tratamento dos dados recolhidos em trabalho de campo (questionários, observação e entrevistas) e dos recenseamentos da população realizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2001 e 2011. Os censos da população e habitação, realizados em cada decénio, são compostos por dados geográficos e alfanuméricos, com base em subsecções estatísticas delimitadas segundo critérios e necessidades próprias da recolha de dados demográficos e estatísticos. Assim, não é possível estabelecer uma correspondência direta entre estas e os limites geográficos dos bairros (que não resultam de limites administrativos reconhecidos), nem estabelecer uma análise dinâmica com uma correspondência total entre censos, uma vez que os limites das subsecções estatísticas sofreram alterações nas últimas décadas.
Desta forma, para efetuar a caracterização dos bairros estudados foi tomado como referência o limite de consenso dos bairros acima dos 60% de respostas (cf. texto de Marques e Machado neste dossier), tendo este sido cruzado com uma Base Comum (criada por Rodrigues et al (5)), criada através de mapeamento dasimétrico, onde, através de informação geográfica de controlo, é possível realocar a informação censitária para a geometria pretendida. Este exercício passa pela pulverização das unidades geométricas resultantes do cruzamento de duas bases e sua posterior reagregarão. Foram consideradas para contagem as subsecções da Base Comum com mais de 50% da sua área dentro dos limites do bairro.
Foi assim possível obter a caracterização da população da área identificada por 60% dos inquiridos residentes como sendo o seu bairro, bem como comparar dados de 2001 e 2011, para essa mesma área e com o município de Lisboa.
Telheiras. Nuno Pires Soares – All Rights Reserved
3.1 Caracterização dos bairros estudados
O cruzamento de dados descrito no ponto anterior permite realizar uma caracterização sociodemográfica sumária dos bairros em estudo no que concerne aos seguintes parâmetros: género, estrutura etária, densidade populacional, situação perante o trabalho e número de casas próprias/arrendadas. Os dados são apresentados por bairros e para o total da cidade de Lisboa, para 2001 e 2011.
A distribuição por género nos bairros estudados é semelhante à distribuição global da cidade, sendo o número de mulheres superior ao de homens. Os dois bairros onde a percentagem de homens é superior e a de mulheres inferior à da registada na cidade são Galinheiras e Telheiras, os bairros mais recentes em termos urbanísticos e mais jovens, em termos de população. Comparando os dados de 2001 e 2011 verifica-se que a distribuição é constante, mas que houve uma redução de população superior à do total de Lisboa em todos os bairros exceto em Telheiras (com um aumento de 20%, possivelmente devido ao crescimento urbanístico do bairro nas últimas duas décadas). Graça, Campo de Ourique e Alvalade foram os bairros que mais perderam população.
Quadro 1 – Distribuição da população por género e variação populacional segundo o bairro e o total da cidade (INE 2001, 2011)
Quanto à distribuição etária, Graça, Campo de Ourique, Ajuda e Alvalade são bairros mais envelhecidos do que o total da cidade da Lisboa. Galinheiras e Telheiras – historicamente mais recentes e correspondendo à expansão da cidade junto dos seus limites administrativos nas últimas décadas do século XX – possuem uma população jovem acima da registada na cidade. No entanto, Telheiras reflete uma realidade diferente ao registar 74,3% de população entre os 25 e os 64 anos, face aos 66,5%de Galinheiras, um resultado mais próximo da cidade e que revela uma ocupação distinta. Telheira iniciou a sua construção nas décadas de 1970 e 1980 e muitos dos jovens que adquiriram ali as suas casas estão hoje no escalão etário dos 65 e mais anos. É de assinalar que Galinheiras, relativamente a Telheiras, possui maior percentagem de população com mais de 65 anos e entre os 20 e os 24, o que se coaduna com a densificação urbana da década de 1990 ocorrida nesta área da cidade, através da promoção de habitação social.
Quadro 2 – Distribuição e variação da população por idades segundo o bairro e o total da cidade (INE 2001, 2011)
A variação da população é negativa em todos os bairros para todos os escalões etários, exceto em Telheiras, onde os escalões variam positivamente, com grande destaque para o de “65+” que aumentou 158,7%, em resultado das razões apresentadas, e nas Galinheiras, onde a população com mais de 65 anos aumentou, possivelmente fruto da chegada a este escalão dos primeiros ocupantes do bairro. Comparando com a dinâmica demográfica da cidade, todos os restantes bairros revelam uma diminuição populacional mais acentuada do que a do total de Lisboa, com destaque para a Graça, mais uma vez o bairro onde mais se acentuam as dinâmicas da cidade.
Quanto à densidade populacional é de referir que, apesar de representarem cerca de 3,6% (3,1km2) da área total da cidade (85km2), estes bairros albergam, no seu total, 7,4% da população de Lisboa, sendo Telheiras o mais populoso e Galinheiras o que tem menor número de habitantes. No entanto, face à área de estudo dos bairros, observa-se que Campo de Ourique e Graça (os bairros mais antigos) são os mais densamente povoados, seguidos de Galinheiras, Telheiras e Alvalade. Ajuda regista uma densidade populacional menor, talvez pelo facto de possuir no interior da área delimitada edifícios militares e o Palácio Nacional da Ajuda, com área considerável e poucos residentes. A média de Lisboa é inferior a todos eles, mas há que considerar que o total do concelho inclui vastas áreas não residenciais (como espaços verdes e equipamentos). Os bairros estudados são áreas maioritariamente residenciais, com densidades populacionais expressivas no contexto da cidade.
Quadro 3 – Densidade populacional dos bairros e da cidade de Lisboa (INE 2011)
Se em termos de distribuição etária e de género as diferenças entre bairros são já assinaláveis, no que diz respeito à escolaridade essas diferenças acentuam-se, entre si e face à realidade da cidade. Galinheiras surge como o bairro com população menos escolarizada (81,1% até ao 9º ano), seguido da Ajuda (61,7%) e Graça (59,2%), ao passo que os residentes em Alvalade e Telheiras estão claramente acima da percentagem de residentes de Lisboa com bacharelato ou estudos superiores (33%). Campo de Ourique, em contrapartida, aproxima-se muito da distribuição da cidade.
Quadro 4 – Distribuição dos indivíduos residentes por escolaridade segundo o bairro e o total da cidade (INE 2001, 2011)
Importa realçar o aumento generalizado da escolaridade dos residentes, nomeadamente com a variação positiva do número de bacharéis e licenciados (50% de aumento de licenciados no total da cidade), sendo Ajuda (102%), Campo de Ourique (60%) e Graça (58%) os bairros onde o número de licenciados mais cresceu, embora o seu peso relativo face ao total da população seja ainda baixo, o que pode indiciar, por um lado, a qualificação dos residentes, por outro, alguma gentrificação nestes bairros.
Apesar de não se poder fazer uma análise completa apenas com os indicadores dos censos, a articulação da escolaridade com a profissão permite aprofundar a caracterização socioeconómica dos bairros, sendo esta de particular importância, na medida em que a maior ou menor heterogeneidade social se reflete no capital social do bairro, bem como na imagem que este tem de si mesmo e que projeta para o exterior. Em termos de escolaridade, Alvalade é o bairro mais heterogéneo, Galinheiras e Ajuda os que apresentam menor diversidade e Campo de Ourique aquele que mais se aproxima da distribuição do total da cidade.
Embora não se possa estabelecer correspondência direta, há uma clara relação entre a estrutura etária e a situação perante o trabalho, a escolaridade e o setor de emprego dos residentes. Telheiras, Alvalade e Galinheiras são os bairros onde a percentagem de população empregada é maior e, simultaneamente, superior à média dos bairros em análise. Galinheiras é também o bairro onde há mais população desempregada, seguindo-se a Graça. Telheiras destaca-se dos restantes bairros pela elevada percentagem de população a trabalhar no setor terciário, um dado relacionado com o grau de escolaridade de nível superior que particulariza este bairro em relação aos demais. A percentagem elevada (30%) de população sem atividade reflete neste bairro o elevado número de estudantes no ensino superior. Os bairros da Graça, Campo de Ourique, Ajuda e Alvalade são os que apresentam uma maior população reformada, dado que, como se verificou anteriormente, são os bairros com população mais envelhecida.
A evolução entre 2001 e 2011 (semelhante nos bairros e no total de Lisboa, pautada pela diminuição, em termos absolutos de todas as atividades) é expressiva no aumento do número e percentagem de desempregados em todos os bairros e na diminuição de residentes sem atividade económica, o que poderá estar relacionado com a diminuição progressiva da população feminina que nunca trabalhou (“doméstica”). A percentagem de trabalhadores no setor terciário e de reformados aumentou em todos os bairros, embora, em termos absolutos apenas tenha aumentado em Telheiras, onde a percentagem duplicou, o que corresponde à entrada na idade de reforma dos primeiros habitantes.
Quadro 5 – Distribuição dos residentes segundo a situação perante o trabalho (INE 2001, 2011)
Um outro dado interessante remete para a relação entre a habitação em casa própria ou alugada. Sendo a realidade da cidade relativamente equilibrada (55% proprietários, 45% arrendatários, do total de casas que não estão noutras situações, como cedência), a realidade dos bairros é muito distinta, dado o predomínio das casas arrendadas, com exceção de Alvalade e Telheiras. No caso de Alvalade, as casas anteriormente pertencentes ao Estado e construídas no âmbito do plano executado nos anos 40, foram vendidas aos arrendatários no início da década de 90, o que justifica em parte a elevada percentagem de alojamentos próprios (62%). Em Telheiras, a primeira fase de construção, a cargo da EPUL, destinava-se para venda tendo sido adquirida sobretudo para primeira residência e a tendência da urbanização das décadas seguintes manteve essa premissa.
Em termos de variação entre 2001 e 2011 – não obstante as diferenças em termos de números absolutos que mostram um aumentado do número de casas desocupadas – verificou-se uma estabilidade na relação entre os residentes com casa própria e arrendada. Na cidade de Lisboa houve um aumento do número de proprietários residentes, que se espelha também na Graça, Campo de Ourique e Alvalade, enquanto Ajuda e Galinheiras mantêm a proporção e Telheiras sofre um ligeiro aumento do arrendamento.
Quadro 6 – Distribuição do número casas próprias e arrendadas, segundo o bairro e o total da cidade (INE 2001, 2011)
Galinheiras . Nuno Pires Soares – All Rights Reserved
3.2 Caracterização da população inquirida
Os dados referentes a esta secção correspondem à caracterização sociocultural da população inquirida. Importa descrevê-la sumariamente, assim como assinalar as diferenças face à caraterização efetuada com base nos censos, que resultam sobretudo do facto de a amostragem ser recolhida em espaço público, de forma aleatória, por vários inquiridores em simultâneo, embora tentando seguir a distribuição observada nos dados censitários.
Pode observar-se que a amostra recolhida é similar à distribuição identificada nos bairros em 2011(dado que foram realizados cem inquéritos por bairro, os dados brutos correspondem também à percentagem): número de mulheres superior aos dos homens, exceto nas Galinheiras; população mais jovem em Telheiras e Galinheiras e mais envelhecida nos restantes bairros, com destaque para a Graça; inquiridos com menor escolaridade nas Galinheiras e maior em Telheiras (onde, no entanto, foi inquirido um número de indivíduos com ensino superior – em particular jovens – semelhante ao dos outros bairros), apresentando os restantes bairros uma distribuição mais homogénea.
Também no que diz respeito à situação perante a residência, os inquéritos seguiram o padrão já identificado através dos censos (predominância de aluguer na Graça, Campo de Ourique, Ajuda e Galinheiras e de proprietários residentes em Telheiras e Alvalade).
Quadro 7 – Quadro síntese de caracterização da população inquirida, por bairro (género, idade, escolaridade, e situação face à residência)
Um outro aspeto relativo à caracterização dos inquiridos prende-se com a profissão. Relacionado com as habilitações, este dado (recolhido em questão aberta e posteriormente categorizado com base na CAE – Classificação Portuguesa de Atividades Económicas) permite conhecer melhor a população inquirida e as diferenças entre bairros. Observa-se que Telheiras e Galinheiras se destacam dos restantes, o primeiro pela predominância de profissões ligadas a atividades intelectuais e de nível intermédio, o segundo de atividades de serviços pessoais e indústria e construção (sendo que, dos dois, Telheiras é o que apresenta menor diversidade). Os restantes bairros apresentam uma distribuição mais equilibrada entre profissões, revelando diversidade e razoável equilíbrio no tipo de habitantes, no que diz respeito à atividade profissional.
Figura 1 – Classificação dos inquiridos por profissão, por bairro, segundo a CAE
Outro fator a assinalar é o peso do número de residentes que não trabalha. Em parte relacionado com o envelhecimento – que se reflete no elevado número de população reformada – em parte devido à presença de desempregados ou habitantes sem atividade económica. Este fenómeno permite observar que uma percentagem significativa da população passa muito do seu tempo no bairro onde reside, contribuindo para a sua dinâmica. Esse aspeto é confirmado pelos dados da ocupação dos inquiridos e verifica-se que apenas em Telheiras o número de inquiridos a trabalhar é superior a 50% e os estudantes 20%. A população reformada é predominante na Graça e Campo de Ourique. Salienta-se o número de inquiridos desempregados nas Galinheiras, um dos bairros mais jovens.
Quadro 8 – Situação perante o trabalho da população inquirida, por bairro
Embora a percentagem de inquiridos com atividade profissional e a trabalhar fora do bairro onde reside (55%) seja superior à que trabalha no bairro (45%), há a registar que 25,2% do total de inquiridos também permanece nos seus bairros durante o período de trabalho, contribuindo para a sua dinâmica.
Alvalade . Nuno Pires Soares – All Rights Reserved
3.3 A relação com o bairro
Tal como referido anteriormente, o inquérito aplicado aos residentes centra-se na relação com o seu bairro. Verificou-se que, em todos os bairros, a permanência dos residentes é elevada: 21% do total dos inquiridos vivem no bairro desde sempre e 39% há mais de vinte anos. Estes valores são mais expressivos nos inquiridos com mais de 60 anos, que são sobretudo residentes de longa duração, com exceção de Campo de Ourique onde alguns residentes são mais recentes (6 a 20 anos no bairro). Esta tendência, embora menos expressiva, repete-se na classe dos 31 aos 60 anos, com residência no bairro maioritariamente há mais de dez anos, com uma pequena diferença nas Galinheiras, onde há residentes mais recentes. Em relação aos jovens, as respostas são mais equilibradas e diferenciadas, ainda que Campo de Ourique e Alvalade revelem um peso significativo de inquiridos jovens residentes há pelo menos dez anos.
Figura 2 – População inquirida (do total de respostas válidas) por anos de residência no bairro e por idade
Um aspeto a destacar é a intensidade das relações de vizinhança registadas. Quando pedido aos inquiridos que caracterizassem a sua relação com os vizinhos, a resposta mais expressiva em todos os bairros foi “Tem relações de amizade com algum(s)” (58%) seguida de “Mantém conversação com alguns mas não estabelece relações de amizade com nenhum” (35%). Do total de respostas válidas (596), apenas 42 (7%) dos inquiridos declarou que “Não mantém conversação com nenhum” dos seus vizinhos.
Estes dados estão claramente relacionados com o tempo de residência, dado que o facto de muitos inquiridos residirem há mais de vinte anos no mesmo bairro potencia a criação de laços de vizinhança. Quando cruzadas as relações de vizinhança com o número de anos a residir no bairro, os resultados mostram que o número de inquiridos que refere não possuir qualquer relação com os vizinhos é inexpressivo em todas as categorias. Entre aqueles que residem há mais anos no bairro predominam as relações de amizade e entre aqueles que residem há entre dez e vinte anos no bairro (o número menor de inquiridos) a tendência é semelhante à dos residentes mais antigos. Entre os residentes mais recentes (menos de dez anos no bairro) a conversação pontual é igual ou ligeiramente mais expressiva do que as relações de amizade.
No que diz respeito às diferenças entre bairros, estas não são significativas. Em todos os bairros se registou uma proporção semelhante de respostas, apontando para que se esteja na presença de um conjunto de inquiridos que revela fortes relações de interconhecimento e de amizade face aos seus vizinhos, que remetem para a existência de redes de solidariedade e reciprocidade, capazes de ajudar a colmatar as dificuldades do dia-a-dia dos residentes.
Figura 3 – Relações de vizinhança da população inquirida por anos de residência
A questão relativa à propriedade da casa revelou um predomínio de proprietários residentes: 47% de proprietários e 40% de inquilinos no total de respostas (as restantes respostas correspondem a outras situações, por exemplo cedência, porteira, instalações militares ou a inquiridos que não responderam a esta questão). Face aos resultados por bairro, em Alvalade e Telheiras o número de proprietários é superior à média total (71 e 80%, respetivamente).
Sendo objetivo do projeto compreender o bairro através das suas dinâmicas de quotidiano, o questionário incluiu um conjunto de questões relativas às atividades tradicionalmente ligadas à vivência de bairro e que passam por uma série de atividades de consumo e de lazer. Dada a diferenciação na caracterização dos bairros, uma das questões que importava perceber era o tipo de diferenças entre eles e o seu reflexo na apreciação do bairro. As respostas indicam que a maioria dos inquiridos realiza dentro do seu bairro todas as atividades de consumo quotidiano. Apenas em Campo de Ourique e Alvalade a estas compras acrescem atividades de consumo mais esporádico, o que denota a importância, a qualidade e a variedade comercial nestes dois bairros.
Quadro 9 –Local de realização de atividades quotidianas, por maioria de escolha, por bairro
Relativamente à realização de algumas atividades de lazer, o bairro revelou-se o local maioritário onde os inquiridos passeiam a pé (81% em Alvalade, 77% em Telheiras, 76% na Graça, 73% em Campo de Ourique, 70% na Ajuda e 55% nas Galinheiras). Os inquiridos que possuem o hábito de passear a pé fora do bairro ou ambos (no bairro e fora) só são relevantes nas Galinheiras (24% fora do bairro) e na Ajuda (22% ambos). Assim, o bairro surge como espaço de consumo quotidiano, mas também de lazer de proximidade.
Especificando as atividades de lazer através da diversão noturna, a resposta maioritária (mais de 50%) nos bairros mais envelhecidos é “não aplicável” e em Telheiras e Galinheiras é fora do bairro que essa atividade é realizada (58 e 44% respetivamente). Já nas idas ao cinema ou ao teatro, só Alvalade possui presentemente um cinema em funcionamento, o que se revela nas respostas (35% declara ir ao cinema no bairro). Nos restantes bairros, as respostas maioritárias são “fora do bairro” (77% em Telheiras, 52% na Graça e 51% nas Galinheiras) ou predominantemente “não aplicável” (49% na Ajuda, 31% em Alvalade).
Se a oferta de cinema ou teatro é escassa ou inexistente, os dados relativos à prática de atividade física ou desportiva revelam a existência de uma distribuição semelhante entre aqueles que não praticam desporto e os que o praticam dentro e fora do bairro. Importa mencionar as seguintes exceções: Graça (53% “não aplicável”) e Campo de Ourique (41% “dentro do bairro”).
Mais do que caracterizar as vivências de bairro, estas questões remetem para os hábitos culturais dos inquiridos, ainda que condicionados por fatores como a idade, capacidade económica ou acessibilidades e transportes. No entanto, é significativo o peso que as atividades comerciais de proximidade assumem na vivência diária, não só nos pequenos consumos (tomar café, comprar jornal), mas também nas compras de alimentação (em todos os bairros exceto nas Galinheiras, onde se realiza ainda uma feira semanal, existe um ou mais supermercados locais, que constituem lugares de convergência social).
Graça . Nuno Pires Soares – All Rights Reserved
3.4 O que faz Bairro?
Partindo do pressuposto que nem todas as áreas maioritariamente residenciais existentes na cidade de Lisboa correspondem a bairros, procurou-se perceber quais são as componentes essenciais que um espaço necessita de ter para que, do ponto de vista dos seus residentes, seja considerado enquanto Bairro. Esta questão foi colocada de forma aberta no questionário, pelo que as respostas obtidas foram posteriormente categorizadas e tratadas. A resposta textual mais vezes repetida foi “as pessoas” (159 referências), seguida do “comércio” (143 menções). A terceira componente mais referida foi aquilo que se designou como “vida de bairro”, que inclui designações relacionadas com a vivência coletiva do espaço (“convívio”, “relação entre as pessoas”, “conhecimento dos vizinhos”, “camaradagem”). O interconhecimento (“toda a gente se conhece”) foi referido em 40 respostas.
A distribuição destas respostas por bairro apresenta, no entanto, algumas diferenças importantes. Na Ajuda, Alvalade, Galinheiras, e Graça (aqui em simultâneo com o comércio) a componente que lhes confere o estatuto de Bairro é “as pessoas”. Já em Campo de Ourique, a componente mais referida é “a vida de bairro” e em Telheiras “o comércio”.
A atividade comercial do bairro, assente sobretudo no comércio de rua tradicional, é o segundo aspeto mais referido na Ajuda e Alvalade. Na Graça, Ajuda e Galinheiras “a vida de bairro” é referida como terceira componente mais importante, posição que, em Alvalade, corresponde à “localização e acessibilidades”, nas Galinheiras às “características do edificado”, em Telheiras aos ”serviços e equipamentos” e em Campo de Ourique à afirmação de que um Bairro é o espaço onde se pode encontrar tudo o que é necessário no dia-a-dia.
Figura 4 – Categorização das três respostas mais escolhidas à questão aberta “O que faz Bairro?” (ocorrências por bairro)
As respostas obtidas revelam, por um lado, um consenso em torno de pertencer aos residentes e às dinâmicas por eles criadas e à presença do comércio (embora em menor escala) o protagonismo na criação de uma vivência de bairro, entendida como especial e identificadora do lugar. Por outro lado, estas componentes são também reveladoras de diferenças entre os vários bairros estudados, de que se salienta a menção à autossuficiência do bairro em Campo de Ourique (o que reforça a importância do comércio naquele bairro), à centralidade e aos equipamentos em Alvalade e Telheiras e ausência do comércio (foi referido apenas 3 vezes) nas Galinheiras, substituído pelas características arquitetónicas ou urbanísticas do bairro (manifestadas em designações como “as casas” ou “muitas ‘vilas’”).
Contudo, para além do primeiro nível de homogeneidade e consenso, é possível observar alguns aspetos que revelam diferenças. O quadro seguinte sistematiza todas as componentes que foram consideradas pelo menos por 10% dos inquiridos de cada bairro como parte daquilo que faz Bairro. Tendo em conta que esta era uma questão aberta e que permitia respostas muito variadas, verificou-se um maior consenso na Graça e Campo de Ourique, precisamente em torno dos aspetos sociais, como as pessoas, a vivência e o comércio. Nos restantes bairros é mencionada a importância do espaço construído para a construção do conceito. A localização, acessibilidade e acesso a transportes surge na Ajuda, em Alvalade e Telheiras. Apenas neste último bairro se refere espaços públicos, espaços verdes, serviços e equipamentos.
Quadro 10 – Aspetos que estão na génese do Bairro, referidos por pelo menos 10% dos inquiridos, por bairro
A ideia de bairro parece, assim, ser mais complexa e dependente de um maior leque de componentes em Telheiras do que nos restantes bairros, apesar de ser também ali que o comércio é referido por mais de 40% dos inquiridos. Telheiras também é o bairro onde os aspetos sociais aparecem com menor referência. O trabalho de campo, nomeadamente as entrevistas com a Associação de Residentes de Telheiras e com o Presidente da Junta de Freguesia permitiu observar que o conceito de bairro tem vindo a ser consolidado e verbalizado de forma cada vez mais consciente, considerando-se que Telheiras é uma área de expansão recente que se “fez bairro”. Para tal muito contribui a dinâmica urbana e comercial, bem como as múltiplas iniciativas culturais promovidas por um conjunto alargado de residentes. Muitas destas iniciativas surgem no lastro de outras reivindicações que os residentes foram desenvolvendo desde o início da construção desta urbanização, de maneira a que a Câmara Municipal de Lisboa cumprisse as premissas do plano de urbanização, nomeadamente no que diz respeito aos espaços verdes. Desta forma, há uma intenção clara, vinda de uma população qualificada em construir uma noção de bairro numa área mais recente da cidade.
Noutros bairros (Graça, Campo de Ourique, Alvalade), existem atividades de afirmação do bairro enquanto espaço de dinamismo e especificidade comercial, o que é confirmado pelo facto de o comércio ser claramente um dos aspetos que “faz Bairro”. Quanto à componente “as pessoas”, embora se trate de um epíteto muito genérico, parece apontar para que a especificidade de cada bairro esteja intrinsecamente relacionada com algo tão intangível como os habitantes do próprio bairro e as suas interações. Sabendo que, como observado, a população de cada bairro tem as suas especificidades, pode pensar-se que estas são conhecidas e vivenciadas pelos seus habitantes, que as consideram caracterizadoras e distintivas do seu bairro.
3.5 Avaliação do Bairro
Um último tema do questionário remete para uma avaliação onde se inclui a referência às necessidades do bairro e ao grau de satisfação dos inquiridos face às suas condições de habitação, espaços exteriores, equipamentos, comércio, estacionamento, segurança e transportes e qualidade de vida, moradores e prestígio do lugar. Tratando-se igualmente de uma questão aberta, os resultados obtidos foram agregados em componentes passíveis de comparação e sistematização.
No geral, o comércio surge como uma das componentes mais positivas (168 menções), reforçando o que se observara nas questões anteriores. Quanto às especificidades de cada bairro, há diferenças que merecem ser assinaladas. Os inquiridos da Graça, Galinheiras e Campo de Ourique são relativamente consensuais a identificar o melhor do seu bairro. Na Graça e em Campo de Ourique é destacado o comércio, seguido dos espaços públicos e de “ter tudo” (Campo de Ourique e Graça), da localização e acessibilidades e da vida de bairro (Graça). Nos restantes bairros há uma desagregação maior das opiniões, revelando os inquiridos um conjunto mais vasto de componentes positivas. No conjunto, verifica-se uma correspondência evidente entre as componentes que fazem Bairro e as componentes mais positivas. O caso das Galinheiras é a exceção, com o bairro a ser desvalorizado pelos seus habitantes como se ilustra na figura em baixo.
Figura 5 – Componentes positivas: “o melhor do bairro” (mínimo de 10 ocorrências por bairro)
Relativamente às componentes negativas, os inquiridos destacaram a mobilidade, transportes e qualidade de vida urbana, embora de forma diferenciada. Graça e Galinheiras apresentam as únicas exceções, dado que os inquiridos do primeiro se referiram também ao mau estado de conservação dos edifícios e os do segundo se focaram em dois problemas internos, a insegurança e a composição social dos moradores, revelando desagrado pelo elevado número de residentes provenientes de outras nacionalidades ou etnias em resultado dos realojamentos mais recentes.
Figura 6 – Componentes negativas: “o pior do bairro” (mínimo de 10 ocorrências por bairro)
As componentes negativas são confirmadas com o grau de satisfação dos inquiridos relativamente a um conjunto de caraterísticas que se quiseram testar através do questionário e que vão do bairro à habitação, incluindo condições objetivas e subjetivas em termos de qualidade de vida percecionada.
Verificou-se que os inquiridos se encontram, genericamente, mais satisfeitos com as suas casas do que com os edifícios onde estas se localizam e que, embora com algumas diferenças entre bairros (o grau de satisfação com a conservação dos edifícios é maior em Alvalade e Telheiras do que nos restantes bairros e Galinheiras é o bairro onde os inquiridos se mostraram mais insatisfeitos com o custo da habitação), em nenhum destes três aspetos a insatisfação é predominante.
Figura 7 – Grau de satisfação com a casa, custo associado e com o edifício, por bairro
Figura 8 – Grau de satisfação com o comércio, equipamentos, acessibilidades e transportes e espaços exteriores, por bairro
Figura 9 – Grau de satisfação com a segurança, prestígio, moradores e qualidade de vida, por bairro
Do conjunto de características submetidas à apreciação dos inquiridos, o comércio é claramente a que mais satisfaz, apresentando-se em sintonia com os dados referidos anteriormente. Um elevado grau de satisfação – “muito satisfeito” – foi maioritariamente registado em todos os bairros (83% em Alvalade, 80% na Graça, 78% em Campo de Ourique) e mesmo nas Galinheiras, onde 21% dos inquiridos revelou estar pouco satisfeito com o comércio do bairro, a maioria declarou estar muito ou medianamente satisfeita com o comércio.
O grau de satisfação para com os outros moradores do bairro é igualmente elevado, à exceção das Galinheiras, onde surgem referências negativas face aos moradores dos bairros sociais construídos nos últimos dez anos pela Câmara Municipal de Lisboa. Dos bairros estudados este foi o único onde as tensões sociais foram referidas pelos inquiridos de forma expressiva. Na Ajuda também surgiram algumas tensões, mas mais pontuais e não relacionadas com o grau de satisfação para com o bairro. Foi igualmente na Ajuda e Galinheiras onde os inquiridos se manifestam menos satisfeitos com o prestígio do bairro (ainda que apenas nas Galinheiras se considerem claramente insatisfeitos). Em contraponto, nos restantes quatro bairros o grau de satisfação para com o prestígio do bairro é muito elevado.
A insegurança é também um aspeto que denota alguma insatisfação – sobretudo na Graça, Ajuda e Alvalade – embora seja apenas nas Galinheiras que ela tem uma expressão maioritária (77%).
O estacionamento é o aspeto que suscita o maior consenso em termos de insatisfação. Telheiras é a exceção verificando-se mesmo que 34% dos residentes inquiridos se manifesta “muito satisfeito” com o estacionamento existente. Galinheiras também merece referência pelo facto da soma de inquiridos muito e medianamente satisfeitos com o estacionamento no bairro (48%) ser ligeiramente superior à de “pouco satisfeito” (47%). Estes dados podem complementar-se com o elevado grau de satisfação com os transportes coletivos. Os bairros com metropolitano ou acesso rápido a ele (Alvalade, Telheiras e Galinheiras) reúnem a maior satisfação com este aspeto, mas na Graça e Campo de Ourique a satisfação é igualmente elevada. Na Ajuda, a preocupação da manutenção da linha de elétrico foi um tema recorrente durante os inquéritos, o que originou resultados um pouco distintos, mas ainda assim os inquiridos tenderam a avaliar os transportes como muito ou medianamente satisfatórios.
Quanto aos espaços públicos do bairro, Campo de Ourique e Telheiras são os que reúnem mais inquiridos muito satisfeitos e Ajuda e Galinheiras os menos satisfeitos, tendência que se mantém na avaliação dos equipamentos de saúde e educação (menor satisfação nas Galinheiras, Graça e Ajuda).
A questão relativa ao grau de satisfação com a qualidade de vida geral do bairro sumariza, de alguma forma, uma avaliação global, que se pode resumir da seguinte forma: em nenhum bairro as respostas “pouco satisfeito” foram superiores a “muito” ou “medianamente” satisfeito. Telheiras reúne o maior grau de satisfação face à qualidade de vida do bairro (70% “muito satisfeito” e 30% “medianamente satisfeito”) e em Alvalade a categoria “muito satisfeito” é também superior às restantes (57%). Na Graça, Campo de Ourique e Ajuda, os inquiridos estão maioritariamente (mais de 50%) “medianamente satisfeitos” (48% nas Galinheiras, onde 29% escolheu a opção “pouco satisfeito”). Apesar destas diferenças, o grau de satisfação em todos os bairros é globalmente elevado.
Esta situação é reforçada através da análise da resposta à pergunta “Quais os três melhores bairros de Lisboa para se viver?”. Uma vez que a questão era aberta e comportava três respostas hierarquizadas, a soma destas permite observar uma predominância do fator de proximidade geográfica, como é o caso da opção pela Lapa junto dos inquiridos em Campo de Ourique ou do Restelo junto dos da Ajuda. Outro fator que sobressai nas escolhas são os bairros com representações sociais semelhantes ou superiores, como o Restelo junto dos inquiridos de Telheiras ou Alfama, junto dos da Graça. Contudo, Campo de Ourique parece reunir algum consenso enquanto um dos melhores bairros para viver, assim como Alvalade.
Quadro 11 – Melhor bairro para viver, por Bairro (número de referências)
Estas apreciações são complementadas através de outra questão aberta: “qual o local onde gostaria de morar se tivesse de sair do seu bairro?”. 21% dos inquiridos não apresentou qualquer alternativa de resposta devido à vontade manifesta de não sair do seu bairro. As restantes respostas revelaram sobretudo preferências pessoais relacionadas com laços familiares ou com a naturalidade dos inquiridos. Assim, não se registou um padrão expressivo de opções, nem uma relação clara entre o desejo de mudança e os bairros identificados como melhores.
Ainda que pouco expressivo percentualmente observa-se que Campo de Ourique surge como bairro preferencial em três casos: Graça, Ajuda e Telheiras. Na Graça, 86% dos inquiridos não apresenta melhores alternativas ao seu bairro. Em Alvalade, a única referência que surge é uma eventual mudança para o “campo”, expressão de um desejo vago de vida fora da cidade. Nas Galinheiras surgem referências ao Lumiar. De resto, regista-se a preferência de regressar à terra onde se nasceu mas não há preferências por outros bairros em Lisboa.
4 Discussão e análise
Neste ponto, serão aprofundados e discutidos alguns aspetos do questionário que permitem lançar alguma luz sobre as questões de partida do projeto, procurando identificar aspetos comuns e avançar algumas interpretações quanto às diferenças.
4.1 O gosto pelo bairro
Salvaguardando as dissemelhanças já identificadas, verificou-se um elevado grau de satisfação dos inquiridos para com os seus bairros de residência. Com base na classificação decorrente da lista de fatores apresentados anteriormente (doze já referidos e ainda a proximidade com o local de trabalho ou estudo) foi calculado um índice geral de satisfação, através da atribuição de um peso ponderado a cada um dos graus de satisfação: muito satisfeito (3 valores), medianamente satisfeito (2 valores) e pouco satisfeito (1 valor). Desta forma o índice de satisfação compreende valores, para um total de respostas por bairro, entre 1300 para um grau de satisfação menor e 3900 para um grau de satisfação mais elevado relativamente a todos os aspetos da lista. A figura seguinte apresenta esta classificação cruzando-a com a informação relativa à primeira escolha dos inquiridos quanto ao melhor bairro para se viver.
Figura 10 – Índice geral de satisfação, por Bairro
Verifica-se que o índice geral de satisfação é elevado e que existe uma coincidência entre este e a opinião dos inquiridos sobre o melhor bairro para viver. Alvalade apresenta a correlação mais elevada, seguindo-se Graça, Ajuda e Telheiras. Nas Galinheiras só uma percentagem baixa dos inquiridos considera este o melhor bairro para viver, apesar de existir uma satisfação global relativamente elevada. Campo de Ourique, não obstante registar um grau de satisfação elevado, é considerado apenas por metade dos inquiridos como o melhor bairro para viver. No geral, esta satisfação elevada para com o bairro decorre da situação de longa permanência de muitos dos inquiridos, dos laços de vizinhança fortes que foram estabelecendo e de uma adaptação às condições – positivas e menos positivas – que o bairro lhes apresenta. A insatisfação mais elevada verificada nas Galinheiras indicia tensões sociais que, em certa medida, são impostas de fora e têm repercussões nas vivências internas.
4.2 Autodefinição de bairro: algumas considerações finais.
O projeto Bairros em Lisboa pretendeu compreender melhor o que é o Bairro, partindo da opinião de quem nele reside. A escolha de tipologias diferentes para os casos de estudo procurou abarcar as eventuais diferenças entre os diversos tipos. Constatou-se que, não obstante algumas particularidades, há um consenso generalizado em relação a dois fatores: um bairro define-se – mais do que pelos traços arquitetónicos dos edifícios ou pelo plano urbanístico – pelo conjunto de atividades, sobretudo as comerciais, e pelas relações sociais que se desenrolam no seu espaço. Este consenso não é alterado pela constatação de que em cada bairro se podem encontrar tipos distintos de pessoas. Pelo contrário, essas distinções poderão mesmo estar na origem da própria diferenciação de bairros. Pode parecer algo simplista afirmar que as pessoas (diferentes) fazem os lugares (diferentes). No entanto, os dados recolhidos permitem refletir sobre este tema ao constatar, por exemplo, que a população de Telheiras, mais escolarizada, é mais crítica em relação ao bairro, mas também interventiva e organizada, procurando garantir que as suas expectativas residenciais são cumpridas, nomeadamente ao nível dos equipamentos e espaços exteriores. Esta insistência nas pessoas levanta, ainda assim, algumas questões, nomeadamente o perigo de cair em estereótipos e “tipicidades” associadas a determinado tipo de população, podendo levar ao acentuar da compartimentação social estratificada da cidade – em especial se associada a uma gestão urbana que não promova a coesão sócio territorial.
A importância dada à autossuficiência na definição de bairro é outro aspeto a salientar, assim como relevância transversal (face à idade e anos de residência) das relações de vizinhança. Ainda que os inquiridos se desloquem para fora do seu bairro para cumprir algumas das suas atividades de consumo e lazer quotidiano, é dentro dele que a maior parte as realiza. O peso do comércio e das atividades de lazer de proximidade para a definição do bairro parece também ser consensual. A atividade comercial de proximidade é um dos aspetos mais referidos e valorizados como catalisadores de uma dinâmica de bairro que potencia o interconhecimento e as relações de vizinhança. A mobilidade reduzida dos moradores, muitos deles idosos, desempregados ou sem atividade económica também contribui para esse confinamento ao bairro, voluntário ou forçado. O facto de o comércio representar um papel tão relevante nas práticas sociais – ao ponto de fazer parte integrante do conceito de bairro – leva à conclusão de que não é possível pensar o bairro ou intervir nele (através de ações de planeamento, reabilitação ou outras) sem refletir sobre o tipo de comércio que nele existiu, existe e pode vir a existir, face a população que nele reside ou o visita.
Em relação a esta, a diminuição da população e o seu envelhecimento são uma realidade dos bairros de Lisboa que, tudo indica, se acentuará nas próximas décadas, assumindo uma dimensão sem precedentes na sua história, acompanhada do aumento do número de casas vazias ou devolutas. Sendo a ligação entre população e bairro tão estreita, como a análise dos casos de estudo demonstra, surgem algumas dúvidas relativas à capacidade dos bairros manterem as suas dinâmicas sem a existência de políticas que assumam o bairro como unidade urbana (de análise, de gestão ou de planeamento), o que nunca aconteceu no passado.
Na realidade, o facto de se estar na presença de um conceito complexo, de difícil delimitação e dinâmico – em virtude das mudanças continuadas no tempo e no espaço – não invalida a inteligibilidade do bairro assente nos mesmos parâmetros, nem a operacionalização do conceito, quer do ponto de vista do estudo e análise dos territórios urbanos, quer da intervenção social, urbanística ou outra. Pelo contrário, aquilo que aqui se defende é justamente a importância de conhecer e estudar a componente social e cultural de cada bairro em articulação com a interação espacial, não apenas para efeitos de caracterização populacional mas almejando a sua compreensão como espaço autoidentificador, produtor de um sentido e de uma identidade para uma determinada comunidade, nomeadamente em situações de intervenção social ou urbanística. Os exemplos de Telheiras e Galinheiras mostram que a construção de uma ideia de bairro não tem forçosamente de assentar na sedimentação de um longo período de vivências, sendo possível “fazer bairro”, espontânea ou deliberadamente, algo que é, aparentemente, um desejo expresso de algumas comunidades que reconhecem na ideia de bairro a vantagem da participação num determinado tipo de vida urbana e que continua a ser valorizado positivamente.
A pertença ao bairro e a sua valorização positiva não está, no entanto (ou talvez por isso mesmo), isenta de conflito e de tensões de origem (e manifestação) socio territorial. Em particular, as tensões resultantes da proximidade para com edifícios (ou até mesmo bairros) camarários de promoção social são reveladoras da necessidade de abordagens distintas das que têm sido utilizadas até agora, caso se queira caminhar para a sua resolução.
Os resultados deste estudo apontam, assim, para um consenso generalizado em torno da ideia de bairro como um território onde se inscreve um conjunto de práticas sociais coletivamente reconhecidas e reconhecíveis, que assimilam a própria territorialidade ao ponto de não haver distinção entre espaço e comunidade. Está-se na presença de um conceito, simultaneamente homogeneizador – dado que o que faz Bairro é consensual em todos os casos de estudo – e diferenciador, uma vez que existe uma representação clara de cada um deles, face a outras realidades da cidade, quer espacialmente (como observamos em Marques e Machado, neste dossier), quer socialmente. O bairro revela-se capaz de reunir consensos. Porém, não deixa de exigir uma lógica diferenciadora que obriga à constante mudança de escala no contexto da análise da cidade, o que tem tanto de enriquecedor como de complexo. O intuito deste estudo também foi o de lançar alguma luz e deixar algumas pistas para a melhor compreensão e gestão desta complexidade.
(1) Ver, por exemplo, a Carta Estratégica de Lisboa, apresentada em 2009 pela Câmara Municipal de Lisboa.
(2) Este último tema é tratado detalhadamente em Marques e Machado, neste dossier.
(3) A equipa de colaboradores, a quem agradecemos, foi a seguinte: Carla Rocha Gomes, Fábio Fonseca, Irina Solovyova, Isa Esteves, João Ortigão Ramos, João Teixeira, Maria Castilho, Mariana Sepúlveda, Miguel Esteves, Pedro Pedro, Pedro Ribeiro, Sandra Lopes e Susana Ferreira. Da equipa do CEACT/UAL, o trabalho de campo foi também realizado por Maria Assunção Gato e Joana Afonso e, do e-GEO, por Nuno Soares.
(4) A primeira parte do questionário encontra-se dividida em quatro temas: caracterização da situação residencial e posicionamento do inquirido face ao bairro (tempo de residência no bairro, local anterior de residência, motivos para a mudança e tipologia da habitação, relações de vizinhança, local onde gostaria de viver e melhores bairros de Lisboa), opinião sobre o bairro (respostas abertas sobre o que faz o bairro, seus pontos fortes e fracos e necessidades), grau de satisfação face a um conjunto de aspetos do bairro (residência, espaço público, comércio e serviços, moradores, prestígio, estacionamento, segurança, proximidade com o local de trabalho ou estudo, transportes, qualidade de vida) e local de realização de atividades quotidianas, como compras diárias e atividades de lazer. Por último, era pedido ao inquirido que delimitasse o bairro, num mapa anexo ao inquérito. A segunda reuniu um conjunto de questões relativas à caracterização da população inquirida (género, idade, naturalidade, grau de escolaridade, condição perante o trabalho, profissão e situação na profissão).
(5) Cf. Rodrigues, A., Santos, T., Deus, R. F. De, & Pimentel, D. (2012). Land-Use Dynamics at the Micro Level: Constructing and Analyzing Historical Datasets for the Portuguese Census Tracts. In B. Murgante, G. Borruso, & A. Lapucci (Eds.), Computational Science and Its Applications — ICCSA 2012 (pp. 565–577). Salvador da Bahia: Springer-Verlag. doi:10.1007/978-3-642-31075-1_42
Notas biográficas
Filipa Ramalhete é antropóloga, mestre e doutora em Ordenamento do Território. É docente do DA/UAL desde 2000 (onde leciona antropologia do Espaço, Geografia e Território e Metodologia do Trabalho Científico) e diretora do Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da UAL e da revista estudoprevio.net. É também investigadora do e-GEO – Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa e docente de Ordenamento do Território e Ambiente no mestrado em e-Learning em Ordenamento do Território e Sistemas de Informação Geográfica. Os seus principais interesses de investigação são estudos do espaço aplicados ao ordenamento e planeamento, com destaque para a antropologia do espaço e a justiça espacial.
Bruno Neves é licenciado em Geografia e Planeamento Regional, mestre em Gestão do Território e doutorando em Geografia e Planeamento Territorial pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É investigador do e-GEO – Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa, já esteve ligado ao Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território e mais recentemente ao DINAMIA’CET Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território do ISCTE-IUL. Os atuais interesses de investigação estão ligados à subida do nível médio das águas do mar e alterações climáticas.