Lia T Vasconcelos
ltv@fct.unl.pt
Lia T. Vasconcelos – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Para citação: VASCONCELOS, Lia – Inovação precisa-se! O desafio na encruzilhada da crise. Estudo Prévio ZERO. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2012, p. 18-29. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net].
Inovação precisa-se!
O desafio na encruzilhada da crise
INTRODUÇÃO
As mega cidades de mais de 10 milhões de habitantes emergiram no final do sec XX, início do sec XXI, refletindo a crescente afluência da economia global, com a construção de produtos espaciais espetaculares (torres, centros comerciais, campus tecnológicos e projetos luxuosos de habitação) (Rao, 2010). A euforia deu largas à “arquitetura espetáculo” e a um urbanismo assente em “chamarizes publicitários” 1 (Wisnik, 2009) e no “arquiteto/profissional autor”. A aposta era que estas grandes obras de arquitetura iriam ser panaceia para melhorar as cidades. O objetivo era conseguir resolver os problemas urbanos, exclusivamente através do design.Simultaneamente, assistíamos também a uma explosão dos espaços informais de habitação e trabalho, incluindo a venda de rua e a habitação informal (Rao, 2010), geradores de coprodução de espaços, assentes em redes sociais complexas. Estas redes contribuem para a criação de sentimentos de pertença, numa permanente luta contra um mundo exterior hostil, criando vivências humanas de grande riqueza.Em suma, a cidade gerou dois pólos, dois mundos, procurando dar resposta em contextos de afluência económica de acordo com o extrato social em que se enquadram as comunidades desafiadas. Por um lado, a panaceia para os problemas é o design, por outro a componente humana. Será possível fundir estas duas visões – design e coprodução dos espaços – tirando partido do melhor que cada uma delas tem para oferecer?
A CRISE: DESIGN VS COMPONENTE HUMANA
Após esta euforia e explosão, entrámos num período de crise e contenção, que nos força a rever os padrões maioritariamente consumistas em que temos vivido. A crise, embora impondo restrições, traz também vantagens ao exigir um maior esforço de criatividade na procura de soluções. De facto, obriga-nos a refletir sobre o que foi feito e desafia-nos a encontrar novos caminhos e novos formatos. Para isto, é imprescindível que nos despojemos das “lunetas” com que víamos o mundo – numa permanente FESTA – e substituí-las por novas formas de olhar a realidade, que explorem potenciais frequentemente esquecidos ou preteridos.
Estamos, pois, na viragem do paradigma do “arquiteto/profissional autor” para algo diferente, que ainda está para vir 2 , como definido por Sandercock (2003). Esta, referindo-se às “cidades de diferença”, resultantes da migração global, argumenta que este novo fenómeno transforma o planeamento urbano, a arquitetura e a cidadania, que se veem na necessidade de responder à complexidade dos espaços urbanos interculturais, mas que, por sua vez, oferecem matéria para explorar novas oportunidades no sentido de uma mudança positiva. Não serão as “cidades da diferença” que emergirão dos dois mundos legados da afluência e do consumismo, otimizando o melhor de cada um?
Para o concretizar, é evidente que o cerne estará em trabalhar com a componente humana. Portanto, neste contexto uma das saídas para tempos mais contidos, será a partir de um trabalho com as comunidades urbanas, estas assumirem um novo papel, mais ativo e mais interventivo, contribuindo fortemente para o projeto de cidade. O envolvimento de todos, incluindo o cidadão, permitirá alargar o espectro de acessibilidade a diversos tipos de capital disponível que têm sido preteridos e mesmo esquecidos, mas que podem fazer a diferença ao trazer um enriquecimento acrescido para a tomada de decisão.
Daqui parece claro que teremos algures de fomentar a ponte (ou pontes) entre o físico (design) e o social (redes sociais) de forma a potenciar ambas. Uma vez que o design tem sido amplamente explorado debruço-me mais de amiúde sobre a componente social, cujo potencial é enorme mas que não tem merecido tanta atenção dos decisores da transformação dos espaços.
CAPITAL HUMANO: UMA MAIS-VALIA DA CIDADE
Hoje, mais de metade da população do mundo vive em cidades e a tendência aponta para que muitos mais se juntem a este batalhão de “urbanitas“ ao longo das próximas décadas. Prevê-se que continuaremos a viver em cidades, sobreviventes já de várias crises, uma vez que estas constituem espaços privilegiados para a promoção e articulação de conhecimentos, inovação e criatividade, apoiados em contextos adequados para a formação de parcerias e estabelecimentos de redes (Glazer, 2011). Falta que aprendamos a viver saudavelmente nas cidades, cuja crescente complexidade nos coloca inúmeros desafios. Destes, um dos mais relevantes será potenciar os contributos que a componente humana pode dar ao reajuste das formas de habitar e utilizar as cidades.
Em contextos urbanos, mesmo nos chamados críticos, existe frequentemente capital social considerável. Um estudo de 1999 analisou as qualidades físicas e sociais de áreas urbanas críticas – Teesside, London, Liverpool e Nottingham -, e concluiu que, apesar dos residentes reconhecerem o estado de degradação de muitas delas havia um sentido partilhado de pertença e de que as necessidades dos bairros iam muito para além da idade, género ou grupo étnico. Mais, os habitantes, ao serem questionados quanto ao que a comunidade significava, referiam-se invariavelmente à qualidade das pessoas que viviam à sua volta, evidenciando uma importante dimensão de “capital social” com o qual trabalhar. “São as pessoas que constituem a base para a força da comunidade” 3 .
Se as pessoas forem trazidas para o processo de construção de cidade será que não são uma mais valia para o design destes espaços? Sabemos que mesmo em áreas urbanas consideradas como críticas, existe um manancial humano que pode constituir uma das bases da resposta para os novos tempos que se avizinham, numa procura de ultrapassar a crise.
As novas janelas de oportunidade deste ciclo desafiam a nossa criatividade e capacidade de inovar, potenciando espaço para acolher novos paradigmas, ainda por criar. Nesta ordem de ideias, um novo urbanismo focado na componente humana, mais propriamente no que as pessoas têm para oferecer, pode constituir o desafio essencial para ultrapassar a crise. Assegurar o fortalecimento do capital social pode contribuir para a coesão social e para a interação comunitária; desta forma, o desenvolvimento do capital intelectual pode gerar novo conhecimento construído a partir de espaços fomentadores da articulação equiparada de conhecimento técnico-cientifico e conhecimento leigo.
A convicção de que o conhecimento leigo pode acrescentar uma mais-valia ao processo tem merecido o ceticismo de muitos profissionais. A título de exemplo e para ilustrar como isto pode, por vezes, trazer a mudança, deixo aqui um caso que se passou num dos nossos municípios do sul do país. Nos anos 90, aquando da massiva construção de aterros sanitários substituindo as lixeiras existentes, um dos municípios do sul debatia-se com a localização para o aterro sanitário a construir. Numa reunião com a população local para apresentação e discussão do local proposto pelos técnicos da câmara, um agricultor já de uma certa idade interveio e questionou o local, argumentando que essa localização ocupava as zonas de recarga do ribeiro que passava junto às suas terras agrícolas. Os técnicos mostraram os estudos cartográficos onde isso não aparecia. Após algum debate foram ao terreno confirmar e de facto o agricultor tinha razão, pelo que o aterro foi desviado para uma área adjacente.
Assegurar o potenciar dos diversos tipos de capital constante nas comunidades implica, nomeadamente, que se reconsidere o uso de diversos conhecimentos, muitos dos quais se têm excluído dos processos decisórios, como seja o conhecimento leigo. Sem privilegiar nenhum dos conhecimentos em particular, é imprescindível que se criem espaços onde o conhecimento técnico-cientifico possa, em conjunto com outros tipos de conhecimentos, a ser equiparadamente submetido ao escrutínio público como forma de equilibrar o poder entre o cidadão comum e as elites profissionais. Ao fazermos isto, estaremos a favorecer a democratização do conhecimento e, simultaneamente, a promover a justiça social, criando agentes de mudança interventivos e corresponsáveis. O que estamos a propor é o “direito à cidade” a todos os que a habitam, com a contrapartida dos seus contributos e envolvimento responsável, algo que tem sido esquecido: “The freedom to make and remake our cities and ourselves is (…) one of the most precious yet most neglected of our human rights.” (Harvey, 2008)
As preocupações aqui expressas não são exclusivamente nossas. No Brasil, conhecido pela sua vasta experiência na informalidade, ainda recentemente foi proposta mais uma iniciativa inovadora que ilustra o potencial dos vários tipos de capital dos espaços urbanos e a articulação do conhecimento técnico-cientifico com o leigo, visando contribuir para espaços urbanos de maior qualidade – neste caso privilegiando áreas de segurança pública e justiça, sugerindo nós que possa ser ilustrativo para outras áreas de especialidade, tais como ciências sociais, arquitetura e urbanismo.
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Olhares-oportunidade para a democratização da cidade
Mas o que está realmente em jogo nos espaços urbanos dos dias que correm? Obviamente, operamos em contextos maioritariamente caracterizados por grande complexidade e incerteza, em que as ferramentas de planeamento correntemente utilizadas se vão revelando incapazes de providenciar respostas satisfatórias. Estes contextos privilegiam uma crescente disponibilidade e circulação de informação, exigindo que uma série de fatores e áreas de especialização sejam considerados e integrados num mundo de forte dinamismo e rápida transformação, onde o poder se encontra partilhado e fragmentado e “ninguém detém o controlo”; “as instituições e organizações têm de partilhar objetivos, atividades, recursos e poder, ou autoridade para conseguir ganhos coletivos e minimizar perdas” (Bryson et al, 1992). Há, pois, uma exigência de novas ferramentas incluindo formas mais ativas de participação, com o efetivo envolvimento do cidadão: a possibilidade da deliberação e a oportunidade de construir parcerias para conseguir soluções conjuntas e assegurar a sua implementação (Innes, 2001; Forester, 1999).
Esta corrente de pensamento defende que decisores e especialistas devem envolver-se na estruturação e uso de fóruns para a criação de significado (Bryson et al, 1992).O objetivo é flexibilizar e ajustar a atividade usual de planeamento, fundindo o modelo hierárquico, de cima para baixo, de base científico-racional, com o de baixo para cima, mais propício a reconhecer o conhecimento de senso comum (Lindblom et al., 1979) que pode constituir contributo imprescindível para enriquecer os processos de construção de cidade, e, mais que isso, de sociedade (Bourdin, 2010).
Os processos de participação ativa são, nesta linha, considerados “positivos” e desejáveis, podenso contribuir para facilitar e informar a decisão, assumindo um papel chave no planeamento. Desta forma, as comunidades devem colaborar na procura de soluções conjuntas para os problemas locais, “ligando as relações sociais e os discursos, entre redes relacionais na arena urbana” (Healey et al., 1997).
Esta corrente da literatura defende que metodologias de participação interativa podem constituir uma mais-valia para a estruturação de processos inclusivos essenciais à democratização do projeto de cidade. Mas como é que as metodologias de participação ativa podem dirimir desigualdades e acesso ao poder quando as diferenças são de foro estrutural (sócio-económico)? Bastará dar voz a alguém quando esse alguém vive em condições de pobreza ou de exclusão social/económica/política?
Se bem conduzido – i.e., respeitando a fundamentação conceptual que o suporta – um processo participativo pode constituir um gerador de “empowerment”, fortalecendo redes sociais e criando sentimentos de pertença.
Potenciar o capital-oportunidade
Ao promover o entendimento e o trabalho conjunto reforça-se e consolida-se o potencial da cidade, através do desenvolvimento de vários tipos de capital. De facto, se forem criados espaços de encontro onde as pessoas podem realmente interagir, partilhar e debater ideias de forma genuína, aberta e transparente, estarão lançados os alicerces para a construção de três tipo de capital: o intelectual – informação aceite e partilhada, que estabelece a estrutura de discussões entre participantes na procura do acordo;o social – que cria formas de confiança, normas de comportamento e redes de comunicação, base para uma discussão séria; e o capital político – que assegura a possibilidade de transformar os acordos em ação relevante (Innes et al., 1994; Gruber, 1994:3).
Estes três tipos de capital acabam por contribuir decisivamente, na sua continuidade, para a criação do capital institucional, ou seja privilegiam a “institucionalização sistemática” (Healey, 1997), i.e., a introdução de novas regras e papéis.
O desafio que se coloca a todos os que trabalham em planeamento será então, como estruturar adequadamente processos participativos, promovendo responsabilidades partilhadas entre os diferentes participantes. Se tal conseguido estar-se-á a lançar as bases de uma aprendizagem coletiva, identificada na literatura como comunidades de prática (CoP): “pessoas que se envolvem num processo de aprendizagem coletiva, em suma conjunto de indivíduos que aprendem, constroem e gerem o conhecimento” (Wenger, 1998).
Sendo bem construídas, estas comunidades de prática constituirão uma rede fortalecida de cidadãos autónomos, responsáveis e interventivos que farão toda a diferença no contexto urbano. A coesão social terá de refletir “um trabalho permanente de construção, manutenção e compatibilização de redes relacionais frágeis, mas muito diversas, através de um processo de reconhecimento e mobilização em torno de projetos comuns” (Bourdin, 2011:86). No entanto, uma certa flexibilidade deve ser assegurada ao longo da continuidade das CoP de forma a evitar que estas se tornem estruturas institucionais idênticas às já existentes, que se revelam muitas vezes inadequadas para provir respostas satisfatórias, pois “estas formas assumem uma vida própria fora do seu contexto original onde a sua existência pode evoluir e mesmo desaparecer” 4 (Amin et Roberts, 2006).
Sugere-se, pois, o uso de ferramentas que permitam conseguir operacionalizar formas de envolvimento expandido de participantes informados, permitindo a integração dos seus valores e interesses, na procura de soluções colaborativas mais fundamentadas e consensualizadas.
Construir sociedade para fazer cidade
De facto, mais do que fazer cidade, colocando o ênfase no “design”, o que nós precisamos é de construir sociedade – uma sociedade justa, acessível a todos e em que todos tenham o direito de participar.
Para construir as “cidades da diferença” – aquelas que privilegiam espaços urbanos de inclusão precisamos recorrer a metodologias apropriadas e apoiadas em conhecimentos de especialidade adequados. Para isso, uma possível alternativa que se nos oferece será recorrer a metodologias participativas que envolvam efetivamente os atores locais dos espaços urbanos.
Os mais céticos questionarão se, de facto, isso nos levará a algo novo, considerando que essas tentativas falharam noutros países que até se distinguiram no que se refere à participação.
Aqui, penso urge uma reflexão em torno três questões fundamentais:
1. Será que as metodologias participativas estão ultrapassadas e condenadas ao fracasso?
2. Será que o desafio está na forma de envolver a comunidade, e como tal, na forma como são estabelecidos os processos de participação?
3. Será que a questão fundamental assenta na forma como a comunidade se vê a si própria, às suas responsabilidades e ao seu papel, no contexto de uma sociedade capitalista/neoliberal/consumista?
No que se refere à primeira questão, é óbvio que, como em qualquer outra área de especialidade, é necessário recorrer a indivíduos com o know how apropriado. Construir comunidades de prática, potenciando uma articulação promotora do conhecimento e assegurando espaços para a inovação e criatividade, exige um conjunto de pré-requisitos que, se não forem acautelados, podem gerar efeitos perversos e, inclusivamente, comprometer futuras tentativas. Daí, antevê-se a necessidade de cautela e inteligência na forma como se escolhem as metodologias e se tomam as opções. O sucesso ou fracasso do processo participativo depende diretamente da qualidade do trabalho e da forma como é conduzido, i.e., “da aplicação da metodologia adequada ao problema identificado” (Vasconcelos, 2011).
A maneira de envolver a comunidade e a forma como se estruturam os processos de participação tem tudo a ver com os resultados que se conseguem alcançar. A participação ativa apoia-se, como nas demais áreas de especialidade, em conhecimentos próprios, muitas vezes decorrentes de experiências anteriores. Infelizmente, os profissionais que conduzem estes processos, embora cheios de boa vontade, são muitas vezes especialistas de outras áreas – como arquitetura, urbanismo, engenharia – e não se prepararam específica e previamente nos campos cruciais a um processo participativo de sucesso, como, por exemplo, no estudo das relações interpessoais e dinâmicas de grupo, ignorando os conceitos chave e os princípios que os suportam. Esta situação pode comprometer todo o processo e, consequentemente, conduzi-lo a situações menos desejáveis. Esta é uma das razões que tem colocado iniciativas de participação “debaixo de fogo”, sendo intensamente criticada por muitos profissionais e decisores, frustrados com os insucessos de algumas experiências realizadas ao nível do urbanismo.
A forma como a comunidade assume o seu papel e se vê a si própria, pode influenciar bastante a sua intervenção no espaço urbano, embora a construção coletiva do significado da própria comunidade possa ser socialmente construído através de processos colaborativos, apoiados em participação genuína, transparente e efetiva. O desafio está em conseguir assegurar que atores-chave com interesses distintos, mesmo que em conflito, sejam capazes de desenvolver formas colaborativas de trabalhar, tendo em vista soluções de interesse mútuo que vão para além do próprio projeto (Vasconcelos, 2011).
ENVOLVIMENTO, MOBILIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO
Envolvimento, mobilização e participação exigem uma reflexão efetiva, mas também metodologias apropriadas. Metodologias de Ganho Mútuo 5 , orientadas por facilitadores profissionais capazes de assegurar o faseamento, a estruturação e a facilitação das atividades de trabalho conjunto (Vasconcelos, 2011) que podem constituir a resposta adequada a esta questão. Um leque de requisitos metodológicos dão suporte ao processo:
§ todos os participantes estão igualmente informados; § todos os conhecimentos/argumentos são válidos e tratados em pé de igualdade;
§ os participantes podem desafiar pressupostos/questões;
§ a validação é feita na base de um bom argumento, promovendo a articulação
da multiplicidade de conhecimentos presentes na sessão; § o facilitador deve ser independente (em relação ao conteúdo e resultados
e não se pronuncia sobre os mesmos), e deve garantir um espaço seguro e que todos tenham a mesma oportunidade de intervenção e sejam ouvidos; § o facilitador tem de assegurar que o processo progride a bom ritmo,
mas que dá tempo suficiente aos participantes para criarem dinâmicas próprias e consolidarem conhecimentos; § os participantes devem ser encorajados a procurar consensos, focando-se nos
interesses e não nas posições, devendo as soluções de ganho mútuo ser valorizadas; § o facilitador deve contribuir para separar as pessoas do problema, encorajando
que todas as questões sejam colocadas na mesa, apropriadas pelo grupo e, posteriormente, debatidas. (Fonte: adapatado de Lia Vasconcelos, Participação pública aspetos
metodológicos, pp. 4-5, Infortejo nº12, Mar/Abr 2011) |
A ideia central destas metodologias é encorajar os participantes a envolverem-se genuinamente no debate, identificando questões e preocupações de interesse, de forma a contribuírem conjuntamente para o projectoe desenvolverem propostas para uma intervenção urbana mais fundamentada e focada nos interesses de quem vai viver o espaço.
Se estas condições forem asseguradas por profissionais devidamente treinados, criam-se “comunidades de prática”, contextos criativos privilegiados, articuladores efetivos de conhecimentos múltiplos e propícios a gerar inovação.
Assegurar espaços de interação para a construção de empowerment 6 , em particular com a participação dos excluídos, é imprescindível para ultrapassar situações de exclusão, “amplificando a voz” dos menos ouvidos, contribuindo assim para a coconstrução de espaços inclusivos. Este espaço-oportunidade coletivo é essencial para gerar estratégias, propostas e decisões, para além da promessa de inovação. Este trabalho é realizado com os participantes até se atingir um discurso coletivo em que todos se reveem e culmina no chamado empowerment, elemento crucial para o estabelecimento de coesão social e de uma identidade comunitária. Em suma, consolida-se um capital social imprescindível para soluções adequadas a tempos de crise e às situações particulares, permitindo o envolvimento de todos em situações articuladas, bem como as parcerias essenciais para atingir os resultados pretendidos.
Mas não chega construir um bom processo, que contribua para o empowerment. É igualmente necessário que as instituições responsáveis estejam efetivamente envolvidas e prontas a assumir o seu papel na implementação do acordado; caso contrário, vão criar-se muitas expectativas não respondidas, aumentadoo descrédito pelo processo de participação. Existem situações que, embora tenham tido sucesso na construção do empowerment e no acordo sobre ações para as desenvolver, não conseguiram concretizar os objetivos previstos.
Uma articulação de saberes
Em suma, o que aqui propomos é a construção de espaços profissionalmente facilitados, que promovam a articulação de saberes, com vista à coconstrução de capital coletivo, de forma a contribuir para soluções mais fundamentadas, ajustadas e adequadas aos interesses e preocupações dos que vivem o espaço urbano. O urbanismo liberal integra a convicção de que tudo se pode simplificar. No entanto, o êxito tem pertencido apenas às minorias de exceção, a trabalhar neste tipo de urbanismo, que, não obstante a complexidade do processo, conseguemreconhecer a complexidade, imbuir-se no seu espírito e desenhar a ação num mundo de incerteza (Bourdin, 2011:61). Por isso, se o urbanismo liberal foi inventivo e produziu inovações conjunturais, “não renovou os saberes de referência” que se tornam hoje “largamente obsoletos” (Bourdin, 2011:68).
A pouca importância atribuída às ilações entre os atores urbanos, à constituição de redes de colaboração, às interfaces entre a ação sectorial e a ação territoralizada, oferece um vasto leque de possibilidades e espaços de exploração (Bourdin, 2011:81). Neste novo contexto, é imprescindível apoiarmo-nos em “sólidas referências comuns a todos os atores envolvidos”. Quando estas são inexistentes ou fracas, deverão ser criadas (Bourdin, 2011:81).
Potenciar a emergência de um conhecimento mais abrangente, coletivo e com significado permite a construção de comunidades urbanas capacitadas (empowered urban comunities), imprescindíveis para gerar contributos mais ajustados, equilibrados e partilhados. Em suma, contributos essenciais a uma sociedade criativa e inovadora.
Desta forma, acreditamos que o futuro urbano, apesar da crise, pode oferecer-se promissor e ávido de experimentação de novas ferramentas e estratégias de solução.
Agradecimentos
À Fundação para a Ciência e Tecnologia por ter financiado parcialmente esta investigação através do apoio ao Instituto do Mar (IMAR).
Referências
AMIN, Ash; ROBERTS, Joanne – Communities of Practice? Varieties of Situated Learning, Paper prepared for the EU Network of Excellence Dynamics of Institutions and Markets in Europe (DIME). -UK: Durham Universty, 2011 (http://www.dime-eu.org/files/ative/0/Amin_Roberts.pdf)
BORDIN, Alain – O urbanismo depois da crise.Lisboa: Livros Horizonte Lda., 2011
BRYSON, John M; CROSBY, Barbara C. – Leadership for the Common Good. Tackling problems in a sharedpower world. San Francisco: Jossey-Bass, 1992.
FORESTER, John – The Deliberative Prafctitioner. Encouraging Participatory Planning Processes. Albany, New York, USA: State University of New York Press, 1999.
FORREST, Ray; KEARNS Ade – Social cohesion and urban inclusion for disadvantaged neighbourhoods. Joseph Rowntree Foundation (http://www.jrf.org.uk/sites/files/jrf/FO4109.pdf, Ago, 2011).
GLAESER, – Thriumph of the city.UK: Pan Macmillan, 2011.
GRUBER, Judith – Coordinating Growth Management through Consensus Building: Incentives and Generation of Social, Intellectual and Political Capital. Working paper 617. April 1994. USA: Institute of Urban and regional Development, University of California at Berkeley, 1994
HEALEY, Patsy – Collaborative Planning. Shaping Places in Fragmented Societies. MacMillan Press, 1997.
INNES, Judith – Collaborative Dialogue as a Policy Making Strategy. In Theory, Policy and Society, eds, 2001
INNES, Judith; GRUBER, Judith; NEUMAN, Michael; THOMSON, Robert – Coordinating Growth and Environmental Management through Consensus Building. Policy Research Program Report, Califórnia, Policy Seminar.USA: University of California, 1994.
SANDERCOCK, Leonie- Cosmopolis II: Mongrel Cities of the 21st Century. London and New York: Continuum, 2003. Images by Peter Lyssiotis. 291 + xiv pp.
VASCONCELOS, Lia – Participação pública aspetos metodológicos. In Infortejo nº12, Mar/Abr 2011, pp. 4-5.
WENGER, E. – Communities of practice: learning, meaning, and identity. New York: Cambridge University Press, 1998.
1 Fórum aU (arquitetura e urbanismo) – http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/181/artigo131604-1.asp(29.07.2011)
2 “Utopia in the becoming” ou “living together in difference” (Sandercock citado em Pinder, 2002 , pp.229)
3 There appears to be a shared sense of belonging and a shared sense of what a ‘good’ neighbourhood needs which cut across age, gender and ethnic group. When residents are asked about what the ‘community’ means to them, they talk about the positive qualities of the people around them. To the extent that dense webs of relationships, trust and familiarity are an important dimension of ‘social capital’, the areas studied have rich resources on which to draw.Residents recognised the physical deprivation of their neighbourhoods but retained a strong sense of resilience, with family and friends providing support and help on a reciprocal basis. It was the people who provided the basis for the strength of the community. In (http://www.jrf.org.uk/sites/files/jrf/FO4109.pdf, 23.08.2011).
4 “Such forms take on a life of their own outside their original context where their meaning can evolve or even disappear.”
5 Também chamadas de Terceira Parte e/ou Winwin.
6 Empowerment(no Brasil usa-se o neologismo em português empoderamento) refere ao aumento da força politica, social, e/ou económica de indivíduos e comunidades. Muitas vezes envolve o desenvolvimento da confiança que os indivíduos/comunidades têm nas suas próprias capacidades. Isto é diferente de delegação de poder ou de competências, bem como diferente de capacitação (capacity building). Capacitação é o desenvolvimento de capacidades através da educação, formação e experiência.