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Maria Assunção Gato

Dossier Etnografias da casa: valores e modos de habitar

Creative Commons, licence CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Nas últimas décadas tem-se assistido a um renovado incremento de estudos de cariz etnográfico que têm como foco de análise a casa e sua cultura material. Tais estudos revelam, por um lado, a complexidade das relações que se estabelecem entre casa – enquanto estrutura física e arquitetónica – residentes, objetos e valores, e, por outro, mostram que tanto os espaços domésticos como os modos de habitar incorporam várias mudanças observáveis nas sociedades contemporâneas. Considerando a utilidade em promover uma discussão interdisciplinar em torno da casa, cultura material e modos de habitar na contemporaneidade, foi lançado um convite aberto para apresentação de comunicações sobre este tema no âmbito da 12ª conferência Internacional SIEF1 que teve lugar em Zagreb em Junho de 2015. O dossiê temático que agora se apresenta resulta de uma seleção de artigos provenientes dessas comunicações.

O texto de Anita Aigner, “Living in a monument – a matter of taste and class. A case study” abre o dossiê. Focando-se numa perspetiva arquitetónica em diálogo com o domínio das produções simbólicas e representações sociais, este texto descreve diferentes perfis de apropriação e valorização de um conjunto habitacional representativo do movimento da arquitetura moderna em Viena. Em paralelo com as questões relacionadas com o património arquitectónico e respectiva preservação surgem outras relacionadas com a legitimidade da cultura e do gosto estético dos moradores que, neste estudo de caso, surgem intrinsecamente ligadas à sua seletividade social e modos de vida.

O segundo texto, “Casas-cueva en Galera (Granada): una nueva vida para una vivienda tradicional”, de autoria de José M. Mejías del Rio, apresenta o exemplo de uma arquitetura habitacional tradicional de uma dada região em Espanha e que resulta de uma síntese entre o engenho e as necessidades das populações locais. Entretanto, os novos tempos confrontam estas casas-cavernas com processos de revitalização, que implicam não só novos usos e utilizadores, como também novos significados e novas características estéticas e arquitetónicas.

Romina Magdalena Colombo, em “The wave of a modern magic wand: genealogies of domestic décor processes in Nevo Estilo Magazine (1977-1986)”, transporta-nos a uma Espanha dos anos 1970-1980, traçando a evolução das práticas e discursos no domínio da decoração de interiores com base na análise dos arquivos de uma revista da especialidade. Além do processo decorativo, a autora procura retratar a práxis de determinados imaginários nacionais da época e as transformações da casa enquanto objeto cultural.

No quarto texto, “Dialectics of the household: technological objects as a social mediator”, Constança Vieira de Andrade explora a importância que certos objetos domésticos assumem enquanto mediadores, quer das rotinas diárias implícitas na vivência da casa, quer nas relações sociais e familiares dos seus ocupantes. A par da discussão em torno da cultura material vão surgindo elementos referentes a processos de identidade social e diferenciação através de objetos.

Por último, o texto “Students living abroad: the art of home sharing”, da autoria de Filipa Ramalhete e Maria Assunção Gato, foca-se numa prática residencial cada vez mais comum entre os estudantes universitários que optam por estudar alguns períodos de tempo no exterior. Os prós e contras deste tipo de partilha de casa são contextualizados num processo mais amplo de individualização e capacitação destes estudantes, cujas implicações em termos de sociabilidade e de estilos de vida tanto produz efeitos no imediato, como acaba por se refletir nas formas de viver e nas escolhas habitacionais que se vão fazendo no futuro.

  1. Société Internationale d’Ethnologie et de Folklore

um especial agradecimento ao Emanuel Meroni pelo esquiço sobre a casa (intro)