“Ernst May 1886-1970”
Claudia Quiring (Editor), Wolfgang Voigt (Editor), Peter Cachola Schmal (Editor), Eckhard Herrel (Editor)
Prestel Publishing, 2011
ISBN-13: 978-3791351322
Frankfurt, Moscovo, Nairobi, Hamburgo: Um Périplo Moderno
“A nossa arquitetura amadurecerá e cairá em ruína no caso de não elegermos um sistema de validade universal das formas e dos estilos”afirmou John Ruskin no livro “As Sete Lâmpadas da Arquitetura”(1849). Passado meio século aRepública de Weimariria permitir à arquitetura moderna na Alemanha retomar esta aspiração. As cidades alemãs, saídas da Primeira Guerra Mundial, passaram a ambicionar um novo peso na geografia europeia e a arquitetura foi compreendida como veículo para concretizar essa aspiração. A arquitetura de Ernst May possuiu a capacidade de reinventar a cidade de Frankfurt, e procurou num périplo que passou pela União Soviética e o Quénia aquilo que a Alemanha nazi o impediu de fazer.
O livro“Ernst May” aborda o percurso biográfico e profissional deste arquiteto alemão, numa estrutura de vários ensaios que vão clarificando o seu trajeto desde o nascimento no seio de uma família da alta-burguesia em Frankfurt, passando pelo período em que colaborou com o arquiteto Raymond Unwin em Londres, pela estada em Breslau como arquiteto dedicado à construção de bairros inspirados nas cidades jardim, pelo regresso à cidade onde nasceu e a nova partida para a União Soviética em 1930. O livro aborda ainda o percurso menos conhecido do arquiteto nos vinte anos que passou no Quénia e o regresso à Alemanha no Segundo Pós-Guerra, onde construiu as suas últimas obras.
O binómio capital-trabalho, força renovadora que ativou várias cidades alemãs na década de 1920, permitia grandes operações de construção de habitação, associadas ao mundo industrial e à tecnologia da precisão e da repetibilidade. Berlim, Frankfurt e Weimar competiam entre si para centralizarem conhecimento e capacidade produtiva. Berlim chamaria a si as vanguardas radicais, com arquitetos como Mies van der Rohe ou Bruno Taut a desenvolver projetos urbanos, Weimar iria acolher a escola Bauhaus, e a Nova Frankfurt, (Das Neu Frankfurt) tornou-se um caso singular de qualidade e quantidade de arquitetura produzida. O arquiteto responsável pela operação foi Ernst May.
A construção de habitação de interesse social está inevitavelmente associada ao projeto moderno, que procurou também fixar um Homemstandardcomo destinatário destas propostas O caso alemão é particular na intensidade e profundidade da investigação no que diz respeito à forma urbana e à tipologia da célula habitacional, procurando cruzar o modelo da Garden City com as cidades de fundação construídas desde o século XVIII (os siedlungen). Nos anos da República de Weimar foram construídos milhares de fogos com uma arquitetura que procurou dignificar e reinventar a casa das massas proletárias.
Ernst May, o “arquiteto chefe” da cidade, teve os instrumentos do poder municipal para por em prática um conjunto de operações em torno da cidade histórica de Frankfurt que iria alterar a toponímia arquitetónica do Movimento Moderno. A estratégia de May passou pela pulverização de vários siedlungenem torno do centro fundacional da cidade; são vinte os construídos com várias escalas e capacidade de expressar as visões de May para a cidade. Os de maior dimensão, e mais célebres na história da arquitetura moderna são o Praunheim siedlunge o Romerstadt siedlung. O livro dedica a este momento vários capítulos onde podemos destacar “The New Frankfurt – Housing Construction and the City 1925-1930” de Christoph Mohr.
Na década de 1930 Ernst May é convidado a desenvolver vários projetos urbanísticos na União Soviética, em consequência dasua experiência em Frankfurt. A sua partida para Moscovo não é solitária. Leva consigo dezenas de arquitetos como colaboradores a quem tinha sido prometido a construção ex-novode várias cidades na vastidão do território soviético. Mas o regime soviético rapidamente se desinteressa das visões modernas sobre a habitação e o território, inviabilizando os vários projetos de May e dos seus colaboradores.
O maior falhanço é o projeto para a cidade de Magnitogorsk, aquela em que May mais investiu como arquiteto e cujo projeto se distancia em absoluto das experiências de Frankfurt. A cidade está parcialmente construída, mas o seu sentido de conjunto perdeu-se nas tramas políticas do regime de Estaline. O livro mostra a reprodução da carta que May envia a Estaline procurando fazer valer a necessidade da sua visão para os problemas urbanos. Mas a realidade soviética colidia com a aspiração à standartização e a consequente expressão moderna da estética do Movimento Moderno. O capítulo sobre a aventura sovética, que descreve a vida em condições de escassez e as viagens de comboio no gélido inverno soviético, chama-se “Possibily the Greatest Task an Architect Ever Faced” escrito por Thomas Flierl.
A ambição para organizar o território continua em África. Na impossibilidade de se mudar para os Estados Unidos ou de regressar à Alemanha nazi May instala-se em Nairobi e realiza projetos para Kampala, Monbassa e Kisumu, entre outras cidades e regiões da África Oriental. O arquiteto acreditava poder mudar a sociedade e a cultura com um novo programa cultural que chamou de “Das Neue Afrika”.Deste período, depois de dois anos em que trabalhou como agricultor nas suas terras nos arredores de Nairobi, resultaram vários projetos de edifícios de equipamento e de habitação, que oscilam entre a ambição dos valores universais e um primeiro reconhecimento da especificidade da região. O capítulo sobre este período chama-se “The New Africa”e foi escrito por Kai Gutschow.
O livro fecha com uma fotografia a preto-e-barnco de um conjunto de torres de habitação com um homem e um bebé em primeiro plano. A atmosfera é pesada, sobretudo quando comparada com as fotografias das obras do período africano. É uma fotografia, da década de 1980, de um conjunto habitacional em Darmstadt que ilustra a última fase da obra de May. O seu regresso à Europa em 1951 está associado à reconstrução da Alemanha e à adoção de uma estratégia derivada da Carta de Atenas, uma visão que o próprio May tinha assumido não ser a sua na década de 1920, quando organizou o CIAM de Frankfurt.
Ricardo Carvalho . 2013