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Filipa Ramalhete

framalhete@autonoma.pt
Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa (CEACT/UAL), Portugal | Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (CICS.Nova)

 

João Caria Lopes

joaocarialopes@gmail.com
Atelier BASE | Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa (CEACT/UAL), Portugal

 

Para citação: RAMALHETE, Filipa; LOPES, João Caria – Entrevista à Marusa Zorec. Estudo Prévio 13. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2018. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI:

Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Queremos agradecer a presença dos arquitetos Manuel e Francisco Aires Mateus, é um prazer ter-vos connosco. Gostaríamos de começar esta conversa falando um pouco do vosso percurso enquanto alunos de arquitetura. Quais as disciplinas e os professores que vos inspiraram?

MM – Nós formámo-nos na Faculdade de Arquitetura num tempo difícil da faculdade, naquele momento da grande vaga dos pós-modernistas em Portugal. Eu, na altura, estava a trabalhar no atelier do arquiteto Gonçalo Byrne e o Francisco estava a trabalhar no atelier do arquiteto Eduardo Trigo de Sousa.

 

Os professores mais marcantes, para mim, foram os de Desenho, o (Fernando) Conduto e o Daciano e em Projeto, o Manuel Tainha, que tive no 2º e no 5º ano. Também havia um professor que começava a ser importante na Faculdade de Arquitetura, o Carrilho da Graça, mas nunca o escolhi, acabei sempre por optar pelo Manuel Tainha. Lembro-me bastante bem das aulas dele. Além de ser um grande arquiteto era uma pessoa que nos transmitia a ideia de que a arquitetura tem a ver com a vida, da vida como o centro de qualquer coisa. Depois, professores laterais importantes, lembro-me de um ou dois: a Maria João Rodrigues – que foi uma grande surpresa como professora porque era uma pessoa com uma enorme cultura – e a Maria Calado que foi uma ótima professora de História.

 

FM – Eu apanhei tudo isto mas “em pior”… só consegui apanhar o Manuel Tainha no 5ºano, e ele estava um bocado ausente porque na altura tinha muito trabalho, e também recordo, claro, o Daciano e o Fernando Conduto. O Conduto pelo rigor no trabalho, pela necessidade de a pessoa se focar no que está a fazer, essa foi uma aprendizagem muito interessante. Mas devo dizer que, a nível de Projeto, não me lembro de ter um ano que tenha sido realmente motivador.

 

MM – Não tinha só a ver com os professores. Também tinha a ver com a época. A Faculdade não era motivadora.

 

FM – Eram tempos de algum confronto na própria escola, pela Direção, pelo controle da escola. Não havia preocupações que hoje parecem banais numa escola. E nós vivíamos um bocadinho desligados, não havia o envolvimento universitário que se recomendaria… havia aulas, mas não havia propriamente um ambiente muito interessante. A turma do Manel era bastante mais forte, até porque foi praticamente a mesma do princípio ao fim, e teve mais sorte com os professores.

 

E como é que geriam as aulas com o trabalho no atelier?

MM – As aulas começavam às oito da manhã e acabavam às duas da tarde e havia muita gente a trabalhar em ateliers. Era um tempo diferente! Saíamos e íamos para o atelier e só depois se fazia o trabalho para a faculdade. Estudar, pouco….

 

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A escolha pela Arquitetura foi uma escolha evidente?

FM –Eu diria que foi mais ou menos natural. A nossa mãe é pintora e o nosso pai era arquiteto e, por isso, alguma coisa por ali seria. No meu caso, ainda andei a ver Design, Arquitetura… depois fiz, na (escola) António Arroio, aqueles cursos profissionalizantes, em que se estava o dia todo na escola, com oficinas, e percebi que seria mesmo Arquitetura.

 

MM – Tu tinhas uma capacidade grande de deitares a mão a muita coisa. Primeiro eras baterista e tinhas aquela coisa de pintar, de fazeres t-shirts, de fazer animação, que eram coisas com uma relativa abertura para outras possibilidades e, portanto, nesse sentido, parece-me que hesitaste mais. No meu caso, não hesitei. Era Arquitetura. Em miúdo ainda pensei em fazer Direito, por influência familiar do avô. Mas, na verdad, a Arquitetura foi sempre evidente. O meu padrinho, o José Grade, era o diretor, e grande professor de Desenho, da Faculdade do Porto (na verdade, eu gostava era de ter ido para o Porto mas naquela altura eram tempos difíceis…nos anos 80 tudo era complicado, havia pouco dinheiro e acabei por ficar em Lisboa, e o Francisco também). A nossa mãe era amiga daquela geração do Siza e do Soutinho e tive alguma pena de não ter ido para a Faculdade do Porto – porque era, obviamente, uma faculdade com outro nível. A Faculdade de Lisboa nos anos 80 era medíocre.

 

Quando começam a vossa experiência como professores é com o objetivo de não fazerem aquilo que vos tinham feito?

MM – Isso é seguro! Mas, na verdade, nós começámos a dar aulas em épocas totalmente diferentes. Eu comecei a dar aulas imediatamente a seguir ao curso, com 23 anos, fiquei a dar aulas de cursos técnicos e depois dei aulas de Projeto. Dei também aulas na Lusíada, mas continuei sempre na Faculdade de Arquitetura. Tive a sorte de ter duas experiências muito interessantes: uma foi ajudar o Tainha e outra foi ajudar o Manuel Graça Dias, que foi, para mim, do ponto de vista do ensino, talvez a experiência mais rica que tive. Fui uma espécie de aluno em segunda mão. Aprendi a dar aulas com o Graça Dias, que é um extraordinário professor, e que, além de nos motivar, nos abria imenso a cabeça – aos alunos e a mim – sempre assente na ideia de ter um grande rigor com o trabalho mas, ao mesmo tempo, uma enorme abertura para todas as coisas. No ensino mas também na vida profissional.

 

Depois houve uma fase na F.A. em que o Carrilho da Graça e o Graça Dias saem e eu fiquei com as turmas do 5ºano e foi o que mais tempo fiz, ser professor do 5ºano da FA, de onde,  depois fui, sumariamente, despedido. Mas nessa altura, na verdade, já estava a transitar. Tive nessa altura, na Lusíada, um tempo bastante interessante, especialmente por dar aulas com o nosso primo José Maria Assis e Santos. Depois, começámos a fazer pequenas experiências internacionais – primeiro só eu é que ensinava e depois o Francisco começa a ensinar quando vamos para Mendrísio, há 13 anos.

 

FM – Nessa altura já estávamos comprometidos com a Autónoma (UAL) mas como estávamos para dar aulas ao 3º ano, Mendrísio acabou por começar, efetivamente, antes.

 

MM – Mendrísío foi o encontro com uma escola que tinha o Peter Zumthor, grande referência para nós, como arquiteto e como professor. Lembro-me de que íamos à noite ver os projetos (dos alunos) do Zumthor, quando toda a gente se ia deitar! E aquela faculdade acabou por se transformar na nossa Faculdade. Ainda fizemos outras experiências, fomos a Harvard, mas foi uma escola que não acrescentou propriamente nada de especial, e fizemos algumas coisas pontuais, por exemplo um curso em 5 dias em Espanha e em Oslo, procurar turmas diferentes, na Eslovénia, onde fomos dar cursos. Nas nossas faculdades tendemos a fazer coisas que já dominamos, porque conhecemos os alunos e eles também nos conhecem e, às vezes, temos de ir para fora para, de alguma maneira, se conseguir aferir o que andamos a fazer.

 

De qualquer maneira, a partir do momento em que começámos a ensinar juntos, o ensino começou a ser uma atividade central. Nós não temos o atelier mais o ensino, temos atelier e ensinamos. Eu não sou arquiteto e além disso ensino, nem sequer distingo uma coisa da outra. Para mim, estar a ensinar ou estar a trabalhar é basicamente igual.

 

FM – Mesmo em termos de tempo, neste momento, tenho o tempo igualmente dividido.

 

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Veem o ensino como uma continuidade do atelier?

MM – Ou então é o atelier que faz parte da investigação das aulas… não há distinção. Sempre nos pareceu fundamental o atelier ter uma relação muito direta com o ensino. O ensino é uma das atividades mais diretas nos seus resultados: uma pessoa recebe aquilo que dá. Não se recebe sem dar e, quando se dá, recebe-se sempre.

 

E como foi a experiência de participarem na criação de um curso, como fizeram na UAL?

MM – A UAL tinha três pessoas que montaram o curso, o (João Luis) Carrilho da Graça, o (Manuel) Graça Dias e o José Manuel Fernandes. Depois, o Graça Dias trouxe para o 2ºano o Manuel Vicente, e o Carrilho da Graça trouxe-me para coordenar o 3ºano. Ficámos a ser estes os coordenadores dos primeiros quatro anos. Eu também era um despedido da Faculdade de Arquitetura, tal como o Manuel Graça Dias e o Carrilho da Graça, mas eu sou 11 anos mais novo do que eles e por isso havia ali um gap geracional, apesar de estarmos todos na mesma posição. Depois, cada pessoa se juntou com os seus colegas naturais, o Graça Dias com o Egas (José Vieira), o Carrilho da Graça com a Inês Lobo e nós juntámo-nos os dois (eu e o Francisco). Esta foi a estrutura inicial.

 

Curiosamente, quando começámos achávamos que sabíamos tudo sobre cursos de arquitetura e não acertámos, de todo. Achávamos que íamos ter um curso que, quando os alunos soubessem quem seriam os professores de arquitetura, a UAL iria ficar cheia de candidatos. Coisa que não aconteceu. A UAL tinha uma panóplia de professores mais interessante que qualquer outro curso, mas isso não serviu para crescer. Aliás, havia outros cursos, até privados, que se enchiam e que tinham muito maior capacidade de atração do que a própria UAL. E o curso da UAL, como é normal, levou alguns anos até descobrir qual era a sua vocação. Que eu penso que, hoje, que está muito mais certeira, assente na ideia de responder a alunos do 2º ciclo, porque é aí que ela na verdade tem capacidade de atração, quando os alunos já conhecem o panorama da arquitetura e já podem escolher de uma forma mais clara.

 

FM – Essa tem sido a aposta que tem sido ganha. No 2ºciclo estão a conseguir ter alguma captação de pessoas em Portugal mas muitas pessoas vêm de fora, porque vêm procurar determinados professores e isso é muito positivo. Uma escola demora muitos anos a implementar-se. Mendrísio também é uma escola que só tem 15 anos e confronta-se com outras escolas que têm 500 anos ou 300… não sei quantos anos tem a ETH de Zurique. Portanto há aqui coisas que demoram muito, até numa perspetiva de captação de um reconhecimento social, de um reconhecimento que os próprios pais fazem quando enviam os filhos.

 

MM – Mas hoje, em todo o caso, o reconhecimento da qualidade é relativamente mais célere.

 

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Mas os alunos que saem do curso de Arquitetura da UAL são muito reconhecidos…

MM – Essa informação, que dantes levava algum tempo a difundir, hoje é muito mais rápida. Mendrísio é a escola do Zumthor. Depois de estar 10 anos na faculdade, ele sai mas o rasto fica e esse impacto é muito forte. O Zumthor, quando entra para a faculdade, é mais ou menos um anónimo e sai como um dos mais reconhecidos, senão o mais reconhecido, arquiteto do mundo e isso arrasta de alguma maneira a imagem da escola, que depois perdura.

 

Já a UAL tem um fenómeno muito interessante; podia não resistir à saída de alguns dos professores, como o Carrilho da Graça e como eu, que já damos muito poucas aulas. Mas a UAL não perde nada com isso. Reequilibra-se perfeitamente e tem hoje um papel muito mais claro do que tinha. E, ao ter esse papel mais claro, faz um trabalho muito melhor do que fazia.

 

FM – Mais claro e mais visível. No fundo, os alunos da escola têm ganho prémios Secil uns atrás dos outros, numa quantidade que não tem nada a ver com a dimensão da escola. Porque, de facto, são muito poucos alunos e há esta vasta coleção de prémios.

 

MM – Mas há o lado dos prémios e há o lado de se conseguir fazer Escola, e isso até é mais importante.

 

FM – Eu acho que o mundo académico reconhece isso. Um aluno que esteja na Ajuda sabe que há um clima e um tipo de trabalho que é da Autónoma e que não é o deles. Acho que a escola tem essa capacidade.

 

MM – Temos de pensar que nós estamos a falar de uma faculdade num contexto que é de crise do ensino. Não falo de crise económica, falo da crise da própria ideia de ensino e de como se ensina em arquitetura. Que é uma coisa que não sei se alguma vez não esteve em crise mas, nestes últimos anos, tem-se agudizado uma sensação de crise no ensino da arquitetura. Assim com se tem agudizado uma sensação de crise no próprio sentido cultural da arquitetura. São momentos expectantes, são momentos de transformação e o ensino também vai atrás, e eu penso que a grande vantagem da UAL é ter sabido, rigorosamente, posicionar-se de uma forma cultural. Naturalmente, é uma universidade cheia de dificuldades comparando com as universidades internacionais (dificuldades financeiras, dificuldades técnicas, de tempo, essas dificuldades que são conhecidas) e tem tido sempre a capacidade de as superar. E, de alguma maneira, construir uma Identidade. Podemos dizer que há uma ideia do que é ser aluno da Autónoma, e esse é um valor que normalmente não se consegue tão depressa, partindo da escala tão pequena que a UAL sempre teve. A Autónoma nunca foi grande, foi sempre uma escola minúscula. E sendo minúscula conseguiu essa identidade. Não precisou daquele tempo, nem dos meios que seriam os mais normais para o fazer.

 

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Voltando um pouco atrás, à divisão entre atelier e o ensino, já ouvimos dizer aos alunos para aproveitarem melhor o tempo que estão ali porque nunca mais terão tanta liberdade. Vocês usufruem do ensino como o espaço de liberdade face à prática profissional?

MM – Nós nunca dissemos isso! Dizemos sempre o contrário. A nossa experiência é muito clara, eu tenho muito mais liberdade na vida profissional do que tive, em qualquer momento, na escola. O que nós dizemos aos alunos é que fazemos projetos exatamente da mesma maneira na vida profissional do que fazemos na escola. Não há um momento de grande liberdade na escola e depois há o momento do trabalho entediante na vida profissional.

 

É possível construir uma vida entediante? É! Mas também é possível fazer uma escola entediante. O que é necessário é manter o mesmo espírito com que nós fazemos um trabalho na escola e onde é fácil de ter uma certa liberdade, ao longo da vida. Uma pessoa ter 50 anos e ter a mesma frescura e vontade e graça que se tem aos 20, esse sim é que é um trabalho tramado. Nós não temos nada a ideia, nem o Francisco nem eu, de que há um mundo profissional entediante. Aliás, não temos nada uma vida entediante, do ponto de vista profissional. Podemos ter uma vida maçadora naquilo em que a vida profissional é maçadora para toda a gente, que é a dureza da vida. Mas não temos nada a ideia de que há uma liberdade maior na faculdade. A minha grande surpresa, e penso que o Francisco partilha isso, foi – quando começámos a trabalhar (logo quando começámos a trabalhar, não, porque aí não sabíamos nada) mas quando começámos a controlar o que estávamos a fazer – foi descobrir que se tem uma enorme liberdade a trabalhar. E ainda hoje é essa a sensação que eu tenho.

 

FM – É fundamental ter essa liberdade, porque se a pessoa não parte desse patamar está, necessariamente, tolhida. E é essa a ideia que temos de passar aos alunos. A ideia de que eles precisam de ganhar a sua liberdade, de mantê-la e de perceber o que é essa liberdade, que só é possível se for baseada numa atitude cultural e intelectualmente séria. Senão, transforma-se, muito rapidamente, em tontaria. Essa liberdade tem de ser enquadrada para que ela possa constituir um valor sério.

 

 

Gostávamos agora que nos explicassem um pouco o vosso percurso como arquitetos. Diziam-nos que, a certa altura, estavam os dois a trabalhar no atelier do arquiteto Gonçalo Byrne e depois tiveram a necessidade de criar o vosso próprio atelier….

FM – Foi um processo muito natural e essa naturalidade deve-se muito à generosidade que o Gonçalo teve connosco. Nós fomos começando a ter alguns trabalhos, que são os da cozinha da avó – começa sempre assim – que depois foram crescendo de escala e o Gonçalo, no fundo, foi-nos suportando ali dentro (nós tínhamos uma sala dentro do atelier do Gonçalo, que era uma espécie de satélite), e continuávamos com algumas colaborações. A certa altura, já tínhamos alguns colaboradores (do Gonçalo) lá dentro do nosso atelier. Até que a estrutura  cresceu para uma dimensão em que já não era comportável, nem decente, estar ali e mudámo-nos, mas mudámo-nos para o outro lado da rua! Ainda dava para esticar o cordão umbilical! Um atelier via o outro!

 

A naturalidade com que isto foi feito, faz com que nós não tenhamos a ideia de que “agora trabalhávamos no Gonçalo Byrne e depois já não.” Foi um processo mais ou menos contínuo. E, mesmo depois de sairmos, continuámos algumas colaborações em concursos, foi um processo muito linear e pacífico.

 

MM – Nós apanhámos um momento bastante particular. Tivemos a sorte de trabalhar para a Santa Casa da Misericórdia de Grândola e começámos aí uma relação com essa instituição, que mantivemos sempre. Depois, entrou a fase dos concursos. Em dois concursos ainda fomos convidados como os representantes dos jovens (eles faziam uma seleção de arquitetos e depois metiam o “jovem”) – o concurso para a Ordem dos Engenheiros e para a Reitoria da Universidade Nova. Mas foi essa mudança, desde os primeiros pequenos trabalhos, a Santa Casa de Grândola, uns pequenos concursos – na Cantina de Aveiro ainda estávamos dentro do atelier do Gonçalo – e, de repente, veio a Ordem dos Engenheiros – e foi aí que nós saímos, porque precisávamos de mais colaboradores – e depois, na Reitoria, já estávamos fora de lá porque entre o concurso e a atribuição do projeto demorou imenso tempo… nós, nesse concurso, tínhamos ficado em segundo…

 

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Quando saíram, vinham com vontades novas, com ideias diferentes, de rutura?

MM – Não. Saímos a matar o pai, de alguma maneira, mas no bom sentido.

 

FM – A saída é sempre um momento de energia muito positivo, não é? É como quando uma pessoa sai de casa dos pais.

 

MM – Basta mudar de casa, há sempre umas coisas para arrumar! Nós, na altura, saímos nesse inebriante momento de começarmos a ter muito trabalho, e trabalhos enormes. Enormes como hoje não existem! Públicos e grandes!

 

FM – Com milhares de metros quadrados! Mas era o normal. Todos os dias estavam no jornal quatro anúncios para novos concursos.

 

MM – E aproveitámos esse momento para aprender o metier: como é que se constrói, o que é a obra… depois, na verdade, aquilo que é – para nós – o princípio da nossa vida profissional é a ressaca disto tudo!

 

MM – E aproveitámos esse momento para aprender o metier: como é que se constrói,o que é a obra… depois, na verdade, aquilo que é – para nós – o princípio da nossa vida profissional é a ressaca disto tudo!

 

Quando, em seguida, há um momento de hiato, em que nós ficamos sem trabalho – já nem sei bem porquê – fizemos as contas e tínhamos dinheiro para sobreviver três ou quatro meses. E o que fizemos foi… esquecer tudo. Começar a redesenhar tudo. E, verdadeiramente, pensar no trabalho que tínhamos andado a fazer. E isto acaba com a Casa de Alenquer, que, para nós, é o nosso primeiro projeto! Foi o primeiro projeto em que nós sentimos que era verdadeiramente possível controlar um projeto a sério, em todos os sentidos, controlar o que estávamos a fazer. Ou seja, parámos para pensar e redesenhar tudo o que fizemos, como se a Casa de Alenquer fosse o nosso primeiro projeto.

 

E recomeçámos com outros projetos assim pequenos – a Casa de Azeitão, uma casinha ali em Melides – e só passado um tempo é que voltámos a outras escalas, mas já com uma outra sensação de controlo, que não tínhamos tido anteriormente. E o que é engraçado é que esse momento é que é a fase de fundação, que, na verdade, não era possível sem ter experimentado desenhar imenso, construir imenso, fazer imensos concursos.

 

FM – E mesmo a atenção com que passámos a olhar para o projeto coincidiu com essa fase em que tivemos de pensar verdadeiramente sobre o que estávamos a fazer.

 

MM – Não olhámos mais tempo, olhámos foi com outra consciência!

 

FM – Sim. Mas quando se está a fazer um edifício de 10 000m2 há uma espécie de velocidade que se tem de ter, que muitas vezes impede uma pessoa de pensar e perceber o que está a fazer. Tudo isto enebria e fascina! E é curioso terem sido os projetos mais pequenos que puseram isto em evidência.

 

MM – É engraçado porque nós, na altura, dizíamos “o simples facto de construir já parece arquitetura!”. Quer dizer que uma pessoa, a primeira vez que vai a uma obra, e vê um edifício seu a crescer, vê uns muros de contenção… uma pessoa até tem um ar de que conquistou o mundo! E, depois, percebe que não, e que era, na verdade, preciso introduzir isto numa cota de valores diferente, que tem outros sentidos.

 

E depois também há um fator que é interessante: quando passa um primeiro tempo sobre as primeiras coisas que nós fazemos, há uma espécie de crítica dada pelo tempo sobre o nosso próprio trabalho, que é uma aprendizagem dura, mas muito elucidativa.

 

FM – E uma pessoa já pode olhar de fora, já se criou uma certa distância…

 

MM – Quando se olha para coisas que já se fez, são coisas que já não se mudam. Para o bem e para o mal, estão ali! E nem sempre é fácil… uma pessoa aprende muito com essa espécie de crítica, e essa fase de crise foi para nós boa porque fizemos esse recuo e, depois, conseguimos na verdade tomar uma atitude diferente.

 

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Durante esse processo, e mesmo agora, sentem que a investigação que se faz em arquitetura vos apoia nalgum sentido?

FM – Eu acho que ajuda como ajuda um bom livro, como um bom filme, um quadro extraordinário ou como uma viagem cheia de possibilidades… ajuda porque faz parte da cultura.

 

MM – Estou de acordo até certo ponto… ajuda porque a arquitetura tem a ver com a vida. Portanto, tudo pode tocar a arquitetura. Não há atividade humana que não se cruze com a arquitetura! Aliás, a arquitetura é uma espécie de princípio da cultura, no sentido em que corrige a Mãe Natureza, que, naturalmente, estava inadaptada, senão nós não existíamos como profissão.

 

Depois, há um lado que tem a ver com a teoria da arquitetura, que eu acho que ajuda, no sentido em que nos permite olhar para as coisas através do olhar do outro. É como ir ver uma paisagem ou vê-la fotografada por um fotógrafo que se admira. Às vezes a paisagem é mais rica, outras vezes um olhar de alguém que tem um olhar crítico sobre aquela paisagem torna a paisagem mais rica do que ela, na verdade, se apresentaria a nós, diretamente. E às vezes, os críticos, têm essa capacidade. Porque os críticos são como os arquitetos, não é? Arquitetos há muitos e que nos interessem são muito poucos. Agora… eu gosto dessa visão da arquitetura, da crítica ou da reflexão sobre arquitetura, quando ela é verdadeiramente fundadora. Os textos mais importantes com que nos confrontámos foram escritos por arquitetos. Não por homens da teoria, mas da arquitetura: em português, textos do Taínha ou do Siza, internacionais do Zumthor ou do Herzog.

 

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E referências em termos de obra construída?

MM – Começando pelos mortos, que são os mais importantes, Palladio, Borromini; depois, os grandes modernos, o Mies, o Corbusier, que é sempre inquestionável, e depois podemos saltar para os contemporâneos, não é?

 

FM – Eu estou aqui a percorrer os livros! Há uma coisa que se vê muito nos ateliers, e que nos diz a verdade, são aqueles livros que estão estragados: são os que são mais usados!

 

MM – Uma vez ouvi um tipo alemão, da teoria, que dizia uma coisa com piada: “a história escreve-se no futuro.” Nos últimos meses temos estado a olhar para projetos do (Sigurd) Lewerentz porque precisamos de afinar uma junta do tijolo à vista, e ele tem umas experiências. Vai ser uma influência do passado para o futuro, vamos escrever a influência do passado no futuro.

 

Agora se me perguntarem: “Quem é que verdadeiramente me desviava do meu almoço para ir ver?” Estes seguramente, mas estes já não fazem nada de novo, não é (risos)?… Depois os vivos, o Zumthor e o Siza, obviamente. Dos mais novos, iria visitar a Sejima, o Kerez, o Olgiati….

 

FM – Depois, pelo meio, ficam uma série de outras matizes. Há coisas que se revisitam numa qualquer ocasião, arquiteturas ou arquitetos a quem não se prestava tanta atenção e que, por qualquer razão, se tornam muito mais evidentes e muito mais interessantes.

 

MM – Assim por países, há três países a verificar: o Japão, a Suiça e Portugal. São os três países a ver!

 

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E os novíssimos? O que acham destas experiências novas que têm surgido um pouco por todo lado, os arquitetos que trabalham com a comunidade ou que constroem eles próprios?

FM – Um aspeto muito interessante, embora não seja dessa categoria dos novíssimos, mas muito dignificante, foi a alegria que tivemos pelo José Adrião ter ganho o prémio AICA. É muito interessante o enfoque dado na ata do júri ao facto de ter sido uma recuperação ou uma remodelação feita de uma forma ativa e com um olhar crítico. Não é exatamente o padrão que estás a perguntar, mas é igualmente interessante perceber que esse mundo que está a emergir, designadamente, com os arquitetos mais novos, é também aquilo que é possível fazer neste momento. Que é um momento de crise. Não se constrói. E tem de se olhar para o que há e perceber que potencialidades tem.

 

Eu acho que há experiências interessantíssimas. Tenho pena de que essas experiências – por falta de dinheiro, por razões ideológicas ou de outro tipo – muitas vezes se transformem em qualquer coisa que está na fronteira entre ser ou não ser arquitetura. Porque ajudar uma comunidade que não tem esgotos a ter esgotos é uma atitude nobre mas se calhar não é arquitetura. Mas eu acho muito interessante esta possibilidade, e até acho que é um bocadinho o futuro, pelo menos o imediato, de perceber o que há e de que maneira se transforma, e é interessante que uma geração mais nova esteja muito atenta, porque eu acho que isto ainda só está a começar. Vai haver possibilidades enormes!

 

MM – As gerações mais novas estão muito mais bem preparadas do que as mais antigas! Não há qualquer comparação entre o conhecimento e as capacidades de um aluno de hoje com um aluno do nosso tempo. A diferença é abissal! As novas gerações estão muito mais prontas para avançar e para descobrir a arquitetura que não é do sistema clássico. Também não podem estar à espera do mercado de trabalho que outras gerações tiveram! Têm de construir o seu e têm de construir a sua forma de o fazer.

 

No outro dia estava a ler um livro, que vai sair agora nas edições 70, do Niemeyer. Ele fala do amor e da paixão pela arquitetura, mas diz: “Mas o que eu sou é engajado politicamente.” Porque no centro da nossa vida estão as pessoas, no centro das nossas preocupações estão as pessoas, esses é que devem ser os verdadeiros valores.

 

Muitas vezes, nós, em arquitetura, tendemos a confundir as coisas. Parece que trabalhar como apoio comunitário também é arquitetura e não é. Isto não tira valor a experiências novas que se têm feito, e que são interessantes, e que eu penso que revelam uma nova direção, que sempre foi um valor da arquitetura, mas que hoje é muito visível. Mas, de alguma maneira, é aquilo que a grande arquitetura sempre fez.

 

No fundo foi a paixão que todos nós tivemos com o aparecimento do Studio Mombai, esse sentimento de que há um tudo que é dado a um projeto. Uma pessoa percebe que o controlo é total, do craft que é feito em torno da própria ideia ao desenho e à produção. E isso dá um tempo ao projeto e à investigação muito rico e que é muito interessante para a arquitetura. Por outro lado, há o valor real, que é a pessoa ter um engajamento social ou politico, que é muito importante, mas eu não penso que a arquitetura tenha ou deva ficar só por aí. Penso que a arquitetura tem de experimentar muitos campos. E isso é uma coisa que as novas gerações já têm e que é boa, que é essa relação muito íntima entre o projeto e a realidade.

 

FM – No fundo, não é uma coisa única. Em Portugal houve as operações SAAL que eram mais evidentemente construção – agora as fronteiras estão um bocadinho mais esbatidas – mas houve um trabalho em prol da comunidade e até com uma forte componente ideológica e social, fortíssimo. Basta ver os filmes das reuniões e dos plenários… foram momentos absolutamente extraordinários.

 

Aliás, a seguir, na habitação privada, só havia boa arquitetura nas construções de arquitetura social. O Siza nunca fez um edifício de habitação durante anos… nem o Vitor Figueiredo, nem o Gonçalo Byrne… O que havia de habitação era habitação social. A habitação de promoção privada ou não existia ou era feita por outros arquitetos.

 

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Olhando para o vosso percurso, já longo, e com um olhar mediado, esse olhar compensa a falta de “juventude”?

MM – Nalgumas coisas sim, mas noutra não. Eu acho que a experiência é um valor! E quando nós dizemos que já somos capazes de refletir sobre o que fazemos é porque já passou tempo… e isso compensa – mas só se conseguirmos manter essa inquietude própria da juventude. Os arquitetos deixam de ser interessantes quando deixam de se inquietar e, a maior parte deles, num determinado momento da vida, deixa de se inquietar e – na verdade – deixa de ser interessante! Normalmente é a fase em que se tornam mais conhecidos e até passam a ter ateliers maiores! Mas, na realidade, para a arquitetura, não têm interesse nenhum. Vão é produzir muito! Eu acho que nós só nos manteremos interessantes enquanto nos conseguirmos inquietar e duvidar!

 

FM – Este é um problema da criação. Eu costumo pensar que qualquer gesto me indique quando for melhor estar sossegado e não me maçar mais. Há, de facto, um momento, e às vezes não tem a ver com a idade, tem a ver com a pessoa deixar de estar inquieta.

 

MM – Aí está o grande perigo: A experiência é boa mas o hábito não!