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André Fernandes

City and Port – Han Meyer

Recensão recebida a 15 de Abril de 2018 e aceite para publicação a 17 de Junho de 2018.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

O livro “City and Port: Transformation of Port Cities – London, Barcelona, New York and Rotterdam”, da autoria de Han Meyer, foi publicado em 1999, constituindo uma referência incontornável no estudo das cidades portuárias e, particularmente, da problemática da relação porto-cidade na perspetiva do planeamento urbano. A compreensão do interesse despertado pela obra, assim como a perceção mais efetiva da sua relevância e oportunidade científicas, exigem que nos retenhamos – ainda que de forma necessariamente breve – na contextualização prévia do tema nela tratado.

Com efeito, recuando até ao exórdio da segunda metade do século XX, é possível constatar que as transformações económicas e tecnológicas em curso desde o final da II Guerra Mundial, tiveram implicações profundas nas cidades portuárias. Entre as evidências deste processo conta-se a progressiva libertação das frentes de água urbanas em relação às funções industriais e portuárias, um processo determinando por um complexo de fatores despoletados a diferentes escalas. Desde a especialização e aumento da dimensão dos navios e subsequente exigência de adaptação dos cais portuários (incluindo a sua relocalização por forma a garantir as condições de acessibilidade marítima requeridas pelos navios), até à necessidade de melhoria das acessibilidades terrestres (assegurando a ligação das infraestruturas portuárias a redes de transporte terrestre – rodoviário e ferroviário – de alta capacidade, reforçando a sua conetividade e potenciando o alargamento do seu hinterland), passando pelas profundas transformações nas formas de acomodação das mercadorias (com destaque para a unitização das cargas potenciada pela introdução do contentor).

As implicações territoriais – tanto à escala da cidade, como da região portuária – decorrentes das transformações na indústria do transporte marítimo e na “geografia portuária”, assim como os processos de regeneração e reapropriação pelas cidades das frentes de água até então ocupadas com estas funções, despertaram o interesse de várias disciplinas, multiplicando-se, desde a década de 1960, as publicações de cariz científico e técnico que abordam o tema a partir de diferentes perspetivas. Merecem particular destaque os trabalhos desenvolvidos por Bird (“The Major Seaports of the United Kingdom”, 1963), Hoyle (“Development dynamics at the port-city interface”) e Hayuth (“Changes on the waterfront: a model-based approach”) – estes últimos fazendo parte integrante do livro “Revitalising the Waterfront: International Dimensions of Dockland Redevelopment” (1994). Um destaque suportado no reconhecimento da importância detida pelos modelos interpretativos propostos nestes trabalhos para a compreensão da evolução e das transformações ocorridas no interface porto-cidade ao longo do tempo.

Neste contexto, a relevância e oportunidade da obra em apreço reside, em boa medida, na abordagem da problemática da relação porto-cidade proposta pelo autor e na profundidade imprimida à sua análise (complementada por uma seleção cuidada e abundante de ilustrações que muito a enriquecem). Uma abordagem inovadora que tem por base o reconhecimento da existência de especificidades nas cidades portuárias que determinam não apenas diferentes formas de relação espacial entre a cidade e o porto, como também formas distintas de apropriação cultural destas formas. Esta abordagem é então aplicada à análise de quatro tipos de cidades portuárias: as cidades portuárias inglesas (representadas por Londres); as cidades portuárias do mediterrâneo (representadas por Barcelona); as cidades portuárias norte-americanas (representadas por Nova Iorque); as cidades portuárias do noroeste europeu (representadas por Roterdão). A obra, que se desenvolve ao longo de 424 páginas, encontra-se estruturada em seis grandes capítulos.

No Capítulo I (“The Nineteenth-Century Port City on Its Way to the Twenty-First Century”), Han Meyer procede à introdução e contextualização da problemática, conferindo particular atenção: (i) à análise dos efeitos dos vários ciclos económicos – que tiveram lugar durante os séculos XIX-XX – tanto na cidade portuária, como na transformação da relação porto-cidade; (ii) à discussão da evolução do papel e função do espaço público no contexto destas transformações.

Os capítulos seguintes são dedicados à análise detalhada das transformações ocorridas em cada um dos tipos de cidades portuárias. A cidade de Londres (Capítulo II – “The English Port City: London and the Wonder of Docklands”), a partir da sua estrutura de docas fisicamente separadas da malha urbana desde o século XIX. O caso de Barcelona (Capítulo III – “The Mediterranean Port City: Barcelona and the other Modern Tradition”), uma cidade cujo desenho urbano é fundado, de acordo com o autor, em três princípios fundamentais: “historical continuity, in which territorial characteristics play a major role; spatial continuity, in which the port area takes its place within various spatial systems simultaneously; and functional complexity, in which public space fulfils various functions at the same time” (p. 179). A cidade de Nova Iorque (Capítulo IV – “The North American Port City: New York, a Boundless Urban Landscape”) que, à semelhança de outras cidades portuárias norte-americanas, apresenta uma forte ligação histórica com o porto, sendo disso evidência “the initial absence of striking contrasts in spatial form and use between the site of port activities and the rest of the city” (p. 183). A cidade de Roterdão (Capítulo V – “The Northwestern European Port City: Rotterdam and the Dynamic of the Delta”), representativa de um tipo de cidades em que a suscetibilidade a inundações traduziu-se em preocupações constantes com a construção dos diques, estrutras marcantes da paisagem e que formaram “not only a division between land inside and outsider the man-made barriers, but also between the city and the tidal port”, sendo que “the alternating relationship between ‘inner’ and ‘outer’ areas, and between city and port, is an essential characteristic of Rooterdam (…)” (p. 53).

Por fim, no Capítulo VI (“Urbanizing Infraestructure: An Urban Design Project”), Han Meyer confere particular atenção à discussão da dificuldade evidenciada pelo planeamento urbano na articulação e integração das grandes infraestruturas de transportes (em que se incluem as infraestruturas portuárias) no tecido urbano, explicitando as diferentes abordagens ao problema surgidas na década de 1980: (i) a separação clara entre cidade e infraestrutura por uma questão de harmonia e coerência entre espaço público e arquitetura; (ii) a relação entre cidade e infraestrutura como um fashionable design project; (iii) a relação entre cidade e infraestrutura como um projeto arquitetónico; (iv) a relação entre cidade e infraestrutura como projeto urbano.

Em síntese, e como escreveu Fernando Monge sobre esta mesma obra (num texto sobre Port Cities, publicado em 2004 no “International Journal of Urban and Regional Research”), estamos perante “a powerful and well elaborated analysis and proposal (…)” (p. 231). Uma obra cuja leitura recomendamos vivamente a todos quantos se interessam pelo estudo das cidades portuárias e pela problemática da relação porto-cidade.

 

Han Meyer – City and Port: Transformation of Port Cities – London, Barcelona, New York and Rotterdam. Utrecht: International Books, 1999.