Edward Soja (1940-2015), geógrafo americano, começou a sua carreira académica em estudos africanos, embora se dedicasse já há algumas décadas ao estudo crítico do planeamento urbano e regional, com destaque para a cidade de Los Angeles. Tendo dedicado especial atenção à necessidade de fornecer à Geografia novos conceitos e visões que integrassem contributos de outras disciplinas, Soja procurou compreender a realidade de forma a fornecer uma perspetiva que também incluísse os aspetos sociológicos e históricos de cada espaço. Muita da sua formação teórica foi inspirada por autores franceses de referência (como Foucault e Lefebvre), cujos conceitos relê à luz dos espaços e dos desafios contemporâneos, sem nunca perder de vista a perspetiva geográfica e territorial.
É neste contexto, e após ter publicado já alguns textos de reflexão sobre o tema, que Soja lança em 2010 a obra Seeking Spatial Justice. Neste livro, ele procura desenvolver o campo teórico da relação entre espaço, sociedade e exclusão, já abordado por autores clássicos como David Harvey, Henry Lefebvre e Michel Foucault. Contudo, abarca também o contributo de autores mais recentes, como Don Mitchell e Mustafa Dikeç, entre outos. Soja parte da premissa inicial segundo a qual a maior parte da análise teórica urbana privilegia abordagens assentes em análises históricas e/ou sociológicas, o que resulta em estudos que favorecem o tempo em detrimento do espaço. Segundo ele, tal como defendia Lefebvre, o espaço é um produto social, com textura social e cultural e parte fundamental da equação para a compreensão dos fenómenos com incidência espacial. Defende, assim, aquilo a que chama spatial turn – uma mudança que permita construir uma dialética sócio espacial capaz de assumir que a atividade humana é legível tanto no tempo e nas suas interações sociais como no espaço. Isto não implica rejeitar ou desprezar abordagens mais assentes na leitura diacrónica ou social do território, mas antes desenvolver raciocínios que conduzam a uma nova consciência espacial capaz de descobrir olhares diferentes, de produzir novas teorias e de suportar linhas de ação assentes em premissas das que o planeamento privilegiou nas últimas quatro décadas.
Nesta obra, Soja afirma que “my objective is clear: to stimulate new ways of thinking about and acting to change the unjust geographies in which we live” (p. 5). Assim, em Seeking Spatial Justice, ele defende a necessidade de desenvolver o conceito de justiça espacial – não em alternativa, mas em complemento aos de justiça ambiental e justiça social – praticamente ausente da literatura anterior ao século XXI. Para tal, parte de casos concretos de reivindicação territorial (como Los Angeles ou os subúrbios de Paris). Segundo ele, “that the spatiality of (in)justice (combining justice and injustice in one word) affects society and social life just as much as social processes shape the spatiality or specific geography on (in)justice.” (p. 5) O argumento de partida de Soja é o de que a atividade humana no território, em cada momento histórico e com a sua envolvente social, produz necessariamente situações de injustiça social, geografias de exclusão (decorrentes da hierarquia de lugares e de centralidades, das redes de acessibilidades a eles, do investimento ou desinvestimento público na qualidade dos espaços, etc.). Esta constatação – a par do fracasso de grande parte dos princípios do urbanismo e planeamento da segunda metade do século XX, que pretendiam assegurar igualdade de acesso às necessidades básicas de habitação, educação, emprego – transforma o termo justiça espacial não só num conceito teórico para a análise do território, mas também num objetivo político e estratégico, na medida em que persegue a correção da injustiça territorial. Neste contexto, o papel das organizações de cidadãos que reivindicam territórios mais justos – e a sua crescente capacidade para criar coligações e parcerias que excedem a escala local dos problemas – é considerado por Soja com um dos aspetos a estudar no futuro, de modo a trabalhar e clarificar o conceito.
O livro inicia-se com uma abordagem teórica, procurando contribuir para a construção de uma doutrina sobre a justiça espacial, revisitando bibliografia que permite compreender a construção e a espessura do conceito. Debruça-se depois sobre o caso específico de Los Angeles, terminando com uma reflexão sobre a relação entre o ensino e a prática do urbanismo. Conclui com uma série de considerações sobre a busca de justiça espacial no contexto do pós 11 de setembro e pós crise económica de 2008.
As críticas apontadas a esta obra por autores como Paul Chatterton, Kurt Iveson e Kate Derickson focam, sobretudo, o facto de Soja se centrar muito na análise do caso específico de Los Angeles e de privilegiar uma perspetiva de ativismo académico sem a sustentar com ferramentas que permitam operacionalizar o conceito noutros contextos. Acresce ainda o facto de que forjar um novo conceito de justiça espacial poderá não acrescentar vantagens ao já consolidado conceito de justiça social. A estas críticas Soja responde que a dimensão política do conceito o transforma mais num objetivo do que numa ferramenta, com indicadores de medição precisos. Nas suas palavras “However one sees the relation between spatial and social justice, seeking specifically spatial justice can add new and interesting strengths and strategies to justice struggles of all kinds, and especially to the building of cohesive, lasting and innovative coalitions across divisive lines of class, race and gender.” (Soja, 2011, p. 262).
Apesar das críticas apontadas, a repercussão da obra de Soja tem sido significativa e o conceito de justiça espacial tem vindo a ser trabalhado, ora de forma mais teórica ora mais operativa, em diversas áreas académicas. Em pleno século XXI, quando se assiste ao acentuar da dimensão territorial da globalização, assim como às injustiças espaciais dela decorrentes, multiplicam-se também as abordagens locais que procuram combater os fenómenos de exclusão – de origem local ou mundial – socorrendo-se de instrumentos, alianças e referências igualmente de cariz local e global. Nesta conjuntura, a relação entre espaço e justiça, embora careça ainda de muita reflexão e análise, parece, de facto, cada vez mais omnipresente e o legado de Soja algo a ter em conta para os próximos anos.
Edward W. Soja (2011): Response to Kurt Iveson: ‘Social or Spatial Justice? Marcuse and Soja on the Right to the City’. In City: analysis of urban trends, culture, theory, policy, action. 15:2, 2011, p. 260-262.
Edward Soja – Seeking Spatial Justice. Minnesota: University of Minnesota Press, 2010.