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Maria Assunção Gato

Antropóloga

 

Para citação: GATO, Maria Assunção – Naked City: the death and life of authentic urban places. Estudo Prévio 1. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2012, p. 110-111. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net].

Creative Commons, licence CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Naked City: the death and life of authentic urban places

Sharon Zukin é socióloga e professora no Brooklyn College. Nas suas obras mais conhecidas tem explorado as mais recentes transformações urbanas que se têm operado através de fatores como a desindustrialização, a gentrificação ou imigração, bem como o papel de relevo que novos agentes urbanos vêm desempenhando ao nível da produção cultural, da economia simbólica e do consumo cultural nas cidades.

 

No seu mais recente livro – Naked City – Sharon Zukin constrói uma provocadora crítica em torno dos processos de revitalização urbana que as grandes cidades do mundo capitalista ocidental vêm empreendendo desde os anos de 1980. Segundo a autora, o espaço urbano enquanto terreno promotor de cultura e de diversidade social tem vindo a ser destruído com o contributo de diferentes poderes: o poder económico dos investidores privados, que afastam as classes mais populares dos centros urbanos para construírem habitação dirigida a estratos sociais superiores; o poder político que, através dos processos de regeneração/revitalização se torna conivente com os efeitos gentrificadores e segregadores desencadeados pelos investidores privados; o poder dos media que convertem as identidades de bairro em “marcas” e em “experiências” destinadas ao gosto e ao consumo de determinados estratos sociais.

 

Centrando-se no exemplo da cidade de Nova Iorque e nalguns dos seus bairros, Zukin procura chamar a atenção para o lado perverso das mais recentes transformações operadas nestes lugares, conhecidos pela sua diversidade e autenticidade. Por um lado, a conjugação dos diferentes poderes resultou na promoção de ações de regeneração relativamente rápidas em determinados lugares da cidade, tornando-a mais moderna e interessante. Mas, por outro lado, muitos destes lugares acabaram por perder as suas características originais, quer pela substituição dos habitantes e do comércio, quer pela “comercialização” de tipicidades e performances culturais. Desta forma, a atual procura da “alma” e autenticidade de certos bairros urbanos por parte de novos residentes e consumidores tornou-se não só numa ferramenta usada pelas elites económicas para subir os preços da habitação e comércio, como também num fator de tensão entre novos e velhos residentes, coagindo os últimos a sair e a levar com eles aquilo que verdadeiramente conferia autenticidade ao lugar.

 

A autenticidade espacial em torno da qual Zukin desenvolve a sua reflexão é partilhada de uma forma cúmplice entre pessoas, edifícios, ruas, pequeno comércio e toda a diversidade social que confere uma identidade própria aos lugares, num tempo que é de longa duração. Em certa medida, esta autenticidade pressupõe lugares intemporais, com traços reconhecidamente típicos e distintivos. Contudo, as novas dinâmicas urbanas apostadas em tirar proveito desta diversidade original acabam por convertê-la em cenários cada vez mais homogéneos e moldados aos gostos de novos consumidores. Segundo a autora, o conceito de autenticidade migrou da qualidade das pessoas para a qualidade das coisas e, mais recentemente, para a qualidade das experiências. Perante isto corre-se o risco de confundir aquilo que as cidades têm de verdadeiramente original e próprio com o que é “fabricado”, manipulado e consumido enquanto tal.

 

Em suma, defende Zukin (2010) que a autenticidade se tornou numa forma cultural de poder sobre o espaço, que tanto pode servir a propósitos gentrificadores, como ao combate desses mesmos propósitos. Significa isto que o grupo original de residentes de um bairro poderá, através de uma autenticidade reclamada, resistir a ações de mudança mais estremadas e manter a sua identidade cultural distintiva. Contudo, a conjugação do poder económico com o cultural tem mostrado que a tendência mais comum vai no sentido da substituição do velho pelo novo: residentes, comércio, gostos, estilos de vida. Mas será que as dinâmicas transformadoras destes novos espaços não acabam por lhes conferir também uma autenticidade própria? Não obstante as novas reconfigurações que a cultura de consumo foi impondo nas cidades, elas continuam sendo um espaço de vivências e experiências contínuas, bem como de múltiplas e controversas autenticidades.

 

Bibliografia

Sharon Zukin (2010), Naked City: the death and life of authentic urban places, Oxford University Press, New York