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Filipa Ramalhete

framalhete@autonoma.pt

CIEBA – Centro de Investigação e de Estudos em Belas-Artes. CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa. CICS.Nova – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, Portugal

 

João Quintela

jquintela@autonoma.pt

Arquiteto e Docente no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (Da/UAL), Portugal. CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa.

 

Para citação: RAMALHETE, Filipa; QUINTELA, João – Entrevista ao arquiteto João Favila. Estudo Prévio 24. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, maio 2024, p. 2-18. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/24.8

Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

É com muito prazer que recebemos hoje o arquiteto e professor João Favila. Queremos começar por perguntar como foi a tua escolha de vida como arquiteto e o teu percurso como aluno. Como foi a tua experiência? Tiveste professores, exercícios, que te marcaram?

Tudo começou com o desenho. Tive sempre uma paixão pelo desenho. O desenho para mim é uma espécie de processo mágico, desde muito miúdo. Eu sou o primeiro filho, fui o único durante cinco anos, depois tive mais três irmãs, e entretinha-me muito sozinho. Ainda tenho memórias de desenhos de infância. A minha mãe estava em Belas-Artes, isso obviamente contaminou imenso, e o meu pai é arquiteto, mas, mais do que arquitetura, era o desenho que me fascinava. Em relação à escolha, só tive uma dúvida, se ia para Belas-Artes ou para Arquitetura. A Arquitetura aparece mais tarde, quando, já mais velho, surge o desenho rigoroso, porque durante toda a minha infância era o desenho livre. Havia o meu tio Nuno que adorava gatos e sobre os meus desenhos ele punha gatos a aparecer em tudo o que era sítio e eu achava aquilo quase mágico. Depois, fui para a Escola António Arroio, foi um processo importante para mim, porque estive em Equipamento de interiores, design de objetos – que é outra coisa de que sempre gostei, a descoberta dos objetos. Depois entra a Geometria Descritiva que, para mim, nem era bem uma cadeira, era uma coisa que se fazia sem qualquer problema. Na Geometria Descritiva descobri aquele desenho que leva a uma representação rigorosa dos espaços e decidi por Arquitetura.

É um dilema que ainda tenho. Hoje em dia só desenho, não uso AutoCad. O aparecimento do computador foi uma tristeza, na altura, para mim, porque eu adorava o desenho rigoroso, limpar as réguas, e o computador (que obviamente é um instrumento incontornável, fantástico, que permite imensas coisas) não era o meu mundo. O meu mundo era o desenho. E continua a ser. Trabalho sempre diretamente com o desenho sobre desenhos de computador. Hoje faço também assim uma espécie de desenho de contemplação, de olhar para uma paisagem, desenhar e esquecer-me de tudo. É uma coisa mais de paragem.

 

Ainda tens um estirador no atelier?

Tenho, ainda tenho tudo à antiga. Acho que sou o único que ainda põe o papel de cenário no estirador, ainda tenho a régua de rodízios, aquela que sobe e desce, ainda faço o processo todo. Ainda hoje de manhã estive a desenhar com ela. Mas é uma prática difícil de manter no ambiente das obras e dos trabalhos de hoje em dia, que obriga a uma relação com o tempo completamente diferente. Hoje não temos tempo. Lembro-me, por exemplo, de que o meu pai, para fazer um projeto de execução relativamente grande, precisava de um batalhão de pessoas. Nós, hoje, fazemos isso com dois ou três colaboradores, no máximo. Um grande projeto faz-se com três pessoas e isso obriga a uma dinâmica completamente diferente. Mas eu ainda tenho aquele que acho que é um dos prazeres máximos da profissão, que é chegar de manhã, bem cedo, ao atelier e ter um estirador limpo, com uma folha branca, e ter um problema para resolver. Para mim, não há melhor do que isso.

Foi por isso que fui para arquitetura. Depois, fui para o Porto – e o Porto, para mim, foi maravilhoso. Começava com uma aula de apresentação, que era feita pelo Fernando Távora, que era uma pessoa absolutamente marcante. Recebia-nos num anfiteatro, com muito protocolo, e uma pessoa ficava aturdida, porque ele falava como se estivesse a falar com arquitetos já com dez anos de prática, levava aquilo ao mais alto nível.

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

Esse período do Porto foi dos melhores que tive de ensino, embora em miúdo também tivesse estado numa escola que me marcou muito, o Beiral. Era um ensino através da arte, entrávamos num pavilhão cheio de tintas, com toda a gente a pintar, ainda me lembro de desenhos de amigos meus da altura, e da empatia que tinha com as pessoas através do desenho. Quando cheguei à escola do Porto, o desenho era o centro de tudo passávamos horas e horas a desenhar – acho que eram doze horas de desenho por semana, uma loucura.

No Porto, tive professores de desenho extraordinários. Com o Fernando Távora era assim uma espécie de viagem mental, ele chegava às aulas com três ou quatro objetos. Com uns óculos, fazia uma viagem a sítios impensáveis, através do desenho dos óculos, do remate, da forma. Nós nunca nos esquecemos daquilo. Houve figuras muito marcantes – os professores de Desenho, nomeadamente a Luísa Alves Costa e, talvez a pessoa que me marcou mais, o José Grade, que morreu há pouco tempo. Era um personagem absolutamente extraordinário. Era de uma exigência máxima, quase irascível. E, ao mesmo tempo, era muito afetuoso e muito próximo dos alunos. Era uma tensão. Ele dizia-me sempre “Eu não chumbo ninguém, mas 30% desiste”. Era a postura dele. Fazíamos desenho durante horas. E tinha uma coisa bastante fascinante, o desenho de modelo nu. Nós éramos uns miúdos, chegávamos a uma grande sala, estava um homem ou uma mulher nua. Até para quem gosta de desenho é um exercício absolutamente exigente.

O Alberto Carneiro também foi um dos professores que me marcou imenso, pela forma de olhar para as coisas, de utilizar o desenho. No segundo ano, com ele e com o António Quadros, era mais desenho de investigação do projeto, que é outra vertente do desenho que é uma ferramenta, para mim, do dia a dia. Tenho, para cada projeto, um caderno A4 onde estou sempre a desenhar. É uma coisa que vem da escola do Porto.

Depois, da escola de Lisboa, vêm outras coisas. No Porto, é muito aquela coisa de escola, o programa organizado, os professores todos num certo alinhamento. Em Lisboa, era mais disfuncional, no sentido em que cada um tinha a sua maneira de ver. E também tive professores que me marcaram muito, até sobre uma certa tensão. Um deles foi João Luís Carrilho da Graça. Era uma pessoa muito intempestiva, mas muito inteligente, muito acutilante, a propor coisas desconcertantes. Não me posso esquecer da “casa do capitão Scarlet”, que era uma casa sem gravidade. Para mim, que vinha do Porto – da leitura do território, da gravidade, da arquitetura chã – de repente, chego a Lisboa e não há desenho, não há maquetes, não há gravidade… Foi muito interessante. O João Luís também foi uma figura que me marcou bastante, não só como professor, mas também no processo da arquitetura, por propor efetivamente outro tipo de investigação, muito mais ligado, por exemplo, à maquete como o processo de investigação do projeto. Não como apresentação, representação de uma coisa fechada, mas mais como uma espécie de esquisso, em que se vai trabalhando e se vai transformando, e alterando, e investigando.

Há um exercício que o João Luís Carrilho da Graça fazia na FAUL que eu, ao início, achava desconcertante. Ele passava um filme da Pina Bausch, um bailado que ela monta com miúdos que estão na puberdade, em transformação, e a peça passa um pouco por eles se descobrirem. No fim, fazem um espetáculo impensável. O filme é este. No dia a seguir, o João Luís pede para eles trazerem uma folha de cartão branco e eles têm que fazer uma máscara. E é incrível. No dia seguinte vêm todos de máscara e de preto. É um exercício incrível, porque ficamos logo a conhecer os alunos no primeiro dia. A maneira como eles atuam e respondem àquilo é absolutamente incrível. Quando, mais tarde, dei aulas com ele e ele fazia esse exercício, ficava muito consciente da natureza das pessoas. Era muito bonito. E, esteticamente, também era surpreendente.

 

Quando escolheste o Porto, foi já uma escolha intencional?

Não, fui para o Porto porque não entrei em Lisboa por duas décimas! Fui para o Porto, onde houve também, em paralelo, um espaço de liberdade. No ensino é muito importante estar livre. Eu sou de uma família numerosa, com muitos primos. Sou da Madeira, a minha família é enorme e até bastante conservadora. De repente, estou no Porto, com o tempo todo do mundo para conhecer, para falar. A experiência do Porto também a esse nível foi incrível.

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

Começaste a trabalhar, logo que saíste da universidade, no atelier do teu pai. Como foi essa transição para o mundo profissional?

Fiz dois anos no Porto. A certa altura, pôs-se o dilema se voltaria para Lisboa ou não. Eu adoro o Porto, a certa altura estava muito envolvido com aquilo. Mas, depois, comecei a perceber que o Porto tem as suas limitações. Eu não conhecia Lisboa e comecei também a criar uma certa vontade de vir para Lisboa fazer um outro reconhecimento da cidade e optei por vir. O primeiro trabalho que fiz foi fazer perspetivas e ambientes de projetos à mão levantada. Depois, comecei a trabalhar com o meu pai. O meu pai apoiou-me sempre. Eu sempre tive, e tenho, uma relação muito estreita com o meu pai, ele deu-me sempre imenso espaço no atelier, que é uma coisa não muito vulgar nos pais. Acreditava muito em mim, deu-me um certo espaço e o atelier, a certa altura, era só praticamente amigos meus, era uma festa. A Teresa Gois Ferreira, Luis Rosário, Pedro Borges, João Santa Rita, Paulo Fonseca, João Matos, Paulo Palma, Pedro Mota, Miguel Figueira, Pedro Castro Neves, entre outros trabalharam connosco. As primeiras obras que fiz eram encomendas do meu pai, que eu desenvolvi. Depois, o meu pai teve um problema no atelier, quis sair e eu fiquei.

 

Eram projetos de habitação?

Era diversificado. O meu pai trabalhou muito tempo para empresas de construção, que faziam investimentos e que precisavam de arquitetos, tinham uma sala de desenho. Para nós, era completamente diferente, noitadas no atelier, depois íamos jantar às duas da manhã para o Galeto, ainda saíamos à noite, descansávamos, e vínhamos logo para o atelier tratar de coisas. Os ateliers, naquela altura, tinham outra dinâmica… Conheci muita gente nessa altura, quando comecei a trabalhar, o Pedro Domingos, a Inês Lobo. O Pedro era amigo de um amigo meu. Uma vez, estava na faculdade, estava também a fazer um projeto com meu pai e precisava de fazer uma maquete. O Pedro, com aquele ar dele, disse: “eu vou lá”. Quando chegou, eu pensava: “agora vai estar aqui quatro ou cinco dias a tratar disto”. E ele chegou às nove da noite e só saiu com a maquete pronta! O início dá-se assim, com pequenos projetos. Também decidi manter o nome, até pelo meu pai e pela nossa relação à Madeira, porque o Bugio é uma das ilhas desertas da Madeira.

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

E que quando é que começa a tua relação com o ensino?

Eu dei aulas muitos anos em Évora, depois vim para Lisboa para as dar na FAUL e, mais tarde, na UAL.

 

Sempre de Projeto?

Sim, com uma pequena aventura, que conto, porque é engraçadíssima, em Évora. Os arquitetos gostam sempre de dar os últimos anos de Projeto, fui para Évora e dei durante imensos anos o quinto ano. Depois fui dar o terceiro ano e, a certa altura, havia muita gente a querer dar Projeto e eu dizia: “mas há um problema aqui com o Desenho, não funciona, eles não têm instrumentos, vou eu dar desenho”. Comecei a pensar, andei a informar-me, o que ia dar, os exercícios. Claro que tinha sempre a referência do Porto e foi um pouco nisso que pensei, replicar a quela forma. Mas, apesar de tudo, já tinham passado não sei quantos anos eu queria ouvir alguém. É quando uma amiga me diz: “João, tu tens que falar com o Carlos Nogueira, tens mesmo.” E eu pego no telefone, ele mal me conhecia, mas disse para ir a casa dele. Vou a casa dele, ele começa a explicar-me as aulas de desenho, a tarde toda. No fim, disse-lhe: “Carlos, cometi um grande erro, eu devia era ter aulas contigo”. E foi o que aconteceu, deu-se a coincidência de o Carlos Nogueira estar na Gulbenkian com uma retrospetiva, em 2012. E eu disse: “A primeira aula tem que ser com o Carlos Nogueira”. Vim com os alunos de Évora e ele deu a aula na exposição dele. Depois, decidi abandonar o ensino lá. Quando vim para Lisboa, tive uma série de convites e o primeiro foi da FAUL, onde ainda me mantenho.

Um dos anos que mais gosto de dar é o primeiro ano. O ensino da arquitetura é uma coisa que leva imenso tempo a construir. Mas, no primeiro ano, a coisa principal é que eles descubram o fascínio da descoberta do projeto. É realmente isso que é mais interessante, sermos estimulados por uma coisa que nos contagia. O ensino do primeiro ano está muito ligado a isso. Ao ver as maquetes, ou os desenhos, vejo logo quem é que já entrou nesse mundo. Quem está nesse mundo, envolve-se, aplica-se e trabalha e dá respostas muito para além das questões e dos objetivos. Contagia-se com o próprio processo e eu acho que isso é o mais importante. No primeiro ano eles estão muito disponíveis para investigar, para ver, para ouvir, para tudo. É altamente transformador ver miúdos que não sabem fazer praticamente nada e, de repente, se revelam, se entusiasmam com a performance que eles próprios fazem. E esse é realmente o grande tema: como é que mantemos o fascínio passados vinte ou trinta anos? O primeiro ano é sempre um ano muito importante. Também foi para mim, uma pessoa, de repente está a fazer coisas de que nunca pensou ser capaz, é um processo de descoberta que continuo a sentir. E é o tema decisivo no primeiro ano.

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

Na UAL estás no segundo ano e esse, pela nossa experiência, é o ano em que os alunos decidem mesmo se querem ficar, não é?

É, porque no segundo eles já têm mais noção. E o segundo ano realmente é um ano de decisões.

 

Como é ensinar Projeto no segundo ano? Que estratégias trazes?

O segundo ano, para mim, é um ano que, associado a este fascínio do projeto, tem muito a ver com a nossa capacidade e a nossa disponibilidade de ler as coisas. Ler o território, ler a história. Eu também dou Tecnologias da Arquitetura, faço uma coisa um bocadinho arriscada: trago um arquiteto que explica o processo do desenho de três vãos de um espaço que ele desenhou. Este semestre vieram o Pedro Domingos, o Pedro Gameiro, o Pedro Oliveira e o Paulo David. Cada aula vem um arquiteto, que explica a importância dos vãos num espaço. Depois, explica o desenho desse vão. Os alunos ficam malucos, como se eu estivesse a dar uma aula em mandarim! E eu digo: “Agora vamos fazer uma axonometria deste vão!”. Aquilo põe-nos à prova e funciona muito bem. O arquiteto explica, do ponto de vista do espaço, o desenho, o espaço da luz, o arejamento. Depois, explica construtivamente, abre os desenhos, os alunos observam-nos e tiram dúvidas. No início, até tirar dúvidas é difícil, porque eles não estão preparados para aquilo. Nunca olharam para uma porta, nunca olharam para um vão. No segundo ano, em limite, poderia nem haver projeto, no sentido em que nós o entendemos, era mais redesenhar, reler, ir ver, tirar medidas, voltar a desenhar, questionar. Isso, para o segundo ano, seria quase perfeito.

Faço sempre uma analogia, é uma coisa até do Távora, com a culinária. Eles sabem quase todos cozinhar, eu digo sempre “Vocês agora estão na cozinha, têm que fazer uns pastéis de bacalhau. Não podem fazer do nada. Primeiro, têm que saber quem é que faz bem pastéis de bacalhau, depois têm que ir para lá e ver como é que os faz. Depois, têm de questionar os segredos dos pastéis de bacalhau e então fazer ensaios de pastéis de bacalhau. Agora, chegar à cozinha e inventar os pastéis de bacalhau, esqueçam, não são capazes! É preciso comer, gostar bastante, e depois perceber quem é que faz bem feito e aprender tudo.” E eles aí percebem. Estou sempre nestas comparações: “Reparem, um bocadinho mais de sal e o arroz fica salgado, um bocadinho menos fica insonso”. Estou sempre a tentar que eles entrem neste universo.

O Rui Mendes e eu temos uma certa cumplicidade, conhecemo-nos há muito tempo. Temos sempre feito exercícios na cadeira de Projeto que têm a ver mais com sistemas territoriais, que obrigam a ler a paisagem, a ter uma certa disponibilidade de tempo para ir ver o local, e depois, dentro desses sistemas, fazer pequeníssimos processos de transformação relacionados com um sistema. Por exemplo, este ano foi através do Transpraia da Costa da Caparica, aquele comboio que desapareceu. Achei sempre uma pena, porque eu podia quase sair do meu atelier e ir tomar um banho na Costa da Caparica sem ir de carro. Fazemos esse processo, de ler o território e, a partir daí, fazer pequenas operações ligadas a essa infraestrutura.

 

De alguma forma, formalmente, vocês estabelecem uma relação entre o desenho e a forma como eles projetam, o que é uma coisa muito intrínseca em ti?

Sempre. É uma ferramenta muito operativa, a vários níveis, ao nível do rigor, ao nível da disponibilidade de pensamento e de tempo. O desenho permite o controlo de escala, é muito diferente do Autocad e do computador. Hoje em dia, tenho uma relação saudável com isso. Custou-me ver as primeiras impressoras a dispararem desenhos, mas houve uma altura em que me rendi, quando vi que eram mais perfeitas do que do que o desenho à mão. Hoje em dia, vejo esse processo como complementar – o 3D e o desenho bidimensional -, até porque o computador dá um grau de rigor absolutamente imbatível. Mas é um processo que se complementa. Nestes primeiros anos, vejo muitos alunos que não sabem representar um corte, não sabem cortar um terreno. Portanto, estou sempre a obrigá-los a fazer à mão, para controlarem melhor a escala e perceberem o sistema construtivo do próprio desenho. Depois eles abandonam este desenho, mais do rigor, que eu ainda obrigo a fazer, e passam para aquele desenho de investigação, mas que é mais exigente, o desenho à mão livre. No Porto, obrigavam-nos a percorrer o edifício, tudo com perspetivas, como se estivéssemos a andar no edifício. Claro que isso é o Siza, ele faz 3D em segundos, é um instrumento imprescindível num determinado tipo de abordagem. Mas nem todos somos o Siza!

Acho que é possível ensinar Projeto de forma diferente. O João Luís, por exemplo, dá praticamente sem desenho. Ele foi coordenador dos anos em que eu também estive como professor e funciona bastante bem – mas é um processo completamente diferente. Hoje em dia, o que eu acho mais operativo é montar o processo das duas formas, o que é bastante exigente. Fazemos maquetes e desenhos. A única forma como sei ensinar é montar um atelier, uma sala de aula é montar um atelier. No atelier, o que eu tenho montado é um bocadinho como as minhas salas de aula. Tenho várias pessoas a investigar diferentes projetos, vou lá, introduzo questões, peço maquetes, peço desenhos, para verificações e para alterações, e estou a discutir com vários colaboradores o processo. É um bocadinho como faço com os alunos. Os projetos deles são muito participativos. Eles desenham, mas eu estou sempre a questionar. Há professores que não gostam de interferir absolutamente nada, mas eu gosto muito de pensar aquilo sempre como uma equipa de projeto. Na UAL, são dois alunos para um projeto. Para além desses dois, eu e o Rui Mendes damos inputs, em horas diferentes e contraditórias! Eles ficam com dúvidas e eu pergunto sempre: “Mas quem é o arquiteto? Tens que decidir. Decidir é o mais difícil.”

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

Como vês a relação que existe entre o ensino e a investigação?

Gostaria de pensar que são bastante próximos. No fundo, cada projeto é uma oportunidade para conhecermos e para investigarmos. O que tenho feito este ano, em Tecnologias da Arquitetura, que é um apêndice de Projeto, é insistir na questão dos vãos. Insisto nestes processos, um bocadinho fora de moda, porque cada vez mais é difícil para um arquiteto desenhar um vão. O vão, para mim, sempre foi uma questão decisiva na arquitetura. Faço assim uma espécie de resistência à banalização dos vãos, acho horripilante um tema tão delicado para a arquitetura estar a ser banalizado. Sei que eles não vão ter muitas oportunidades para se encontrarem com aquele tema e passarem a olhar para as coisas de uma maneira diferente. Da microescala do rigor construtivo à grande escala da paisagem é quase a mesma coisa, mas há um momento em que se cruzam e geram um projeto mais complexo e mais denso. Que é o que eu tento fazer depois no segundo semestre, em que as cadeiras se cruzam – nem que seja num corte construtivo em que o exercício de Projeto vai aumentando a escala e o de Tecnologias, a certo momento, cruza o outro. É um tema muito importante para o ensino. Uma das grandes qualidades da UAL é por os professores das várias disciplinas a cruzarem-se. Temos conseguido fazê-lo, também, ao nível do desenho, é um lado muito positivo no ensino.

 

E como vês a relação do ensino da arquitetura e da prática do arquiteto com a investigação académica e as várias áreas do saber?

Todos os anos, alguém me diz: “João, tens que tirar o doutoramento”. Vejo isso como impensável, não tenho espaço para mais… Vejo sempre a arquitetura por um lado muito construtivo. Logo que comecei a trabalhar, consegui construir algumas coisas. E isso foi absolutamente transformador na minha cabeça. De repente, estou a desenhar uma coisa e, de uma folha branca, aparece um muro, uma casa – fica-se deslumbrado. Quando fiz a minha primeira casa, no Funchal, uma casa de que eu gosto imenso, pela questão da matéria, do tempo, daquela humidade, senti que há um lado alquímico – é a mistura das coisas – e esse é o teste final. Nas investigações todas que tu possas fazer, o teu objetivo é depois ver como é que isso consegue contaminar positivamente aquilo que vai acontecer. Como arquiteto, vejo um pouco assim.

Agora, se falarmos da investigação como uma coisa para cumprir um determinado tipo de objetivos, para mim não tem grande interesse, se tem apenas a ver com a academia, com uma lógica até de rendimentos, nunca estive para aí virado. Na faculdade, já dei aulas com pessoas mais académicas, elas mais de investigação e eu mais da prática, e, para mim, é fantástico, porque nós contaminamo-nos uns aos outros. Agora, é um pouco impensável para mim ter uma família numerosa, ter um atelier, dar aulas, fazer investigação… não dá.

 

Mas prezas muito a relação com disciplinas como a história e a arqueologia!

Sempre tive esse interesse e quem me influenciou foi o Távora. Durante muito tempo, nas faculdades, por exemplo quando fui aluno, a História era um capítulo à parte, mais para ter cultura geral. Agora não, a História é uma coisa altamente operativa para o nosso projeto. Aliás, não há projeto algum que eu faça que não tenha uma investigação histórica por trás. Em Lisboa, nestes últimos projetos, tive sempre um historiador e um arqueólogo. E adoro trabalhar com eles, porque me dão imensa informação, aprende-se muito, e ajuda imenso o projeto. É absolutamente decisivo, porque muitas vezes estás a desenhar uma coisa, há uma dúvida e tu vais ver. Por exemplo, no Martim Moniz, neste concurso com a Catarina Assis Pacheco e a Filipa Cardoso de Menezes, de que eu faço parte, estou convencido de que nós ganhámos pela leitura que fizemos da história. Havia a preexistência da muralha, o Jardim termina na muralha, onde se encontrava uma das portas da cidade… Nós, no fundo, redesenhamos qualquer coisa que já esteve ali, voltas a coser uma coisa que existia. Depois, de repente, tu começas a encaixar algo que já esteve ali, redesenhas, interpretas layers de uma série de textos que estão ali invisíveis. Uma das coisas que percebi, quando comecei a ler as cercas de Lisboa – a certa altura, conheci uma arqueóloga, a Manuela Leitão, que andou sempre à volta das cercas, da cerca moura e da cerca fernandina –nós andamos pela cidade de Lisboa e não as vemos. Mas, se soubermos que a cerca está lá, estamos sempre a vê-la! Está ali e está a explicar tudo. Estás a ver coisas que não consegues nunca perceber e, de repente, percebes que estava ali tudo.

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

Os projetos que fiz de acessibilidades, por exemplo a escada para o Castelo foi uma micro operação, mas que obriga a fazer uma leitura de imensa coisa, está tudo ligado e tu vais começando a montar um puzzle. Nesse sentido, a investigação é decisiva. Nós trabalhamos com margens muito pequenas. Se pudesse, metia um historiador e um arqueólogo em tudo, dava uma segurança muito grande. Mesmo em pequenos projetos. Fiz uma casa na Costa do Castelo que foi fantástica, porque me obrigou a uma investigação brutal, por exemplo, sobre vãos pombalinos e pré-pombalinos. O projeto foi todo alterado com a arqueologia, que interferia em tudo, nas cores, nos pavimentos, nas massas. Se a vires como um problema, estás sempre em guerra, em conflito. Se a encarares como mais uma letra para a equação, ativa processos incríveis.

 

Lemos numa entrevista que consideravas essa casa como uma homenagem ao Fernando Távora. Porquê?

No fundo, fazer projetos é ser contaminado por pessoas que te ajudaram a ver as coisas. O Távora ajudou-me a olhar para o património como um processo de continuidade, de investigação e de proposta de futuro. A casa tem um sistema sofisticadíssimo térmico e de consumo de energia, mas também tem coisas tradicionais – refiz o sistema de paredes em cruz de Santo André do século XVIII, com rebocos tradicionais à base de cal, com um estucador que faz rebocos desde os 12 anos. E tinha uma artista a escolher os pigmentos e o tipo de cal a ver as amostras. Agora, é preciso haver condições. Nós em Portugal muitas vezes não as temos. Mas quando há – e isso depende muito do cliente – os projetos evoluem. Como com o marceneiro dessa casa, com quem aprendi imenso – é um diálogo e, de repente, quem executa participa nesse processo de uma forma ativa e as obras transformam-se completamente. Agora, cada vez há menos espaço para isso. Nas obras públicas não há espaço nenhum para isso.

Por exemplo, fiz aquele quiosque na Graça, todo em inox. Um dia chego à oficina e o serralheiro era um artista. Era visionário, metade do projeto é dele. Teres pessoas assim é fantástico, se tiveres disponibilidade para os ouvir. O problema é que é preciso tempo para estas coisas. Na Casa do Castelo, os clientes são dois arquitetos, super exigentes, puseram-me premissas absolutamente incríveis. Uma delas é que não queriam nada branco. Eu tinha visto um filme há muito pouco tempo, “Os mistérios de Lisboa”, e a primeira coisa que fiz foi passar o filme – é só casas de Lisboa e nenhuma é branca.

O projeto é um corpo vivo. O Távora falava no “projeto bengala”: chega-se à obra, vai-se almoçar com o pedreiro, numa grande discussão de como é que se monta o pormenor da pedra. Depois da pedra vem o marceneiro. O marceneiro é amigo da família e tem lá umas madeiras… Hoje em dia, isto não existe. Algumas obras abrem umas portinhas em que é possível fazer umas coisas. Nas obras públicas, com as fichas técnicas, as garantias, o Excel, nada disto é possível – este ambiente mais artesanal da obra acabou.

 

De facto, esse tipo de relação com a obra e com quem a executa praticamente não existe, é cada vez mais difícil. Estava a pensar no exercício do desenho do vão que os alunos fazem na universidade, mas que provavelmente terão muitas dificuldades em implementar. Como é que o ensino pode lidar com esse confronto?

Há muitas maneiras de o fazer. Lembro-me de duas figuras opostas, mas fascinantes. O António Jimenez Torrecillas deu uma conferência na Universidade de Évora, com a qual fiquei galvanizado. O que ele disse foi: “Eu sou do sul de Espanha, a nossa matéria, o nosso core, é a escassez”. Que é um bocadinho a ideia da arquitetura portuguesa: como é que nós fazemos coisas fantásticas, praticamente sem nada? Eu digo sempre aos meus alunos: “A sopa alentejana faz-se praticamente sem nada. Uma aguinha, umas ervas, azeite… e é fantástico, saborosíssimo”. Depois, por outro lado, temos o Peter Zumthor. É o alfaiate! Vi a exposição dele aqui na LxFactory e jantei nesse dia duas vezes sem me dar conta! Jantei em casa, depois fui ouvi-lo, fui ver a exposição, e, quando saí, voltei a jantar com os meus amigos outra vez, sem me dar conta. Fantástico, ele leva a matéria a um lado absolutamente galvanizador.

Eu não abdico do prazer do projeto. Estar a fazer uma coisa de que não estou a tirar partido não é a minha praia. Desde muito novo que o decidi, faço uma certa resistência. Agora, eu gosto de desafios. Vamos fazer uma casa barata! Ótimo, vamos fazer uma casa sem vãos interiores e com vidros fixos. Temos mais algum espaço? Então, vamos pensar aqui noutra coisa. A arquitetura, realmente há muitas maneiras de fazê-la, e isso também é a beleza da coisa, não é?

No corpo docente da UAL, as pessoas praticamente todas são pessoas que eu estimo por demais. Gosto imenso de acompanhar as obras deles. São pessoas que fazem coisas pelas quais, sem terem nada a ver com as minhas, sinto uma grande empatia – e esse é que é o fascínio. Aliás, acho que a UAL se baseia muito nisso, numa espécie de relação empática sobre as obras. Há pessoas que eu conheci por causa das obras que fiz, uma delas é o Paulo David. Começámos a falar quando fiz as primeiras obras, a casa Ornelas Monteiro e a Estalagem Quinta da Casa Branca e hoje falo praticamente todos os dias com o Paulo. Ele é da Madeira, temos sempre temas, é uma forma de eu também continuar um pouco na Madeira. Há uma empatia quando olhas para uma coisa construída e te reconheces naquela obra, que não é tua – isso é muito bonito.

Por exemplo, adorei, nos anos em que estive a dar aulas com a Inês Lobo, ver a forma como ela dá aulas. Eu acho que é uma das grandes professoras, muitíssimo exigente, mas muitíssimo humana, sempre a descobrir o que é que cada aluno tem e que vai desencadear um projeto fantástico. É preciso uma grande disponibilidade para descobrir o que, aluno a aluno, nesse fragmento, vai desencadear uma descoberta. Isso é muito bonito. Mas também vejo o José Adrião, Ricardo Bak Gordon, o Ricardo Carvalho – são pessoas absolutamente resistentes, no sentido de não banalizar a nossa disciplina. É fantástico e é nisso que estou mais interessado.

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

É muito engraçado pensar que tu e o Ricardo Bak Gordon foram colegas de primeiro ano, beberam dos mesmos professores as mesmas influências, mas, ao mesmo tempo, depois os percursos são completamente distintos.

Sim, até porque o Ricardo tem o caráter dele, é inconfundível. Eu adoro os desenhos dele, nós olhamos para aqueles desenhos e vemos o Ricardo, as cores, o entusiasmo dele. O grande entusiasmo que ele tem, até uma certa vertigem, uma certa liberdade que ele tem nos projetos, é absolutamente fascinante, e tem muito a ver com a personalidade dele.

 

Nesse sentido, o papel do professor também é um bocadinho perceber isso em cada aluno, não é?

Nisso, a Inês foi talvez a pessoa que achei mais acutilante, mais precisa. Ela consegue pegar em pessoas com grandes dificuldades e pô-las a fazer coisas incríveis – e isso só os bons professores conseguem.

 

Voltando à forma como te relacionas com a paisagem, não sabia que tu tinhas andado no Beiral e fico a pensar no ensino com o contacto com a natureza. Achas que isso é uma coisa que já trazes dessa tenra idade? Ou tem a ver com a Madeira, com a ilha, o mar, a imensidão da paisagem?

Há aqui um tema da Arquitetura fortíssimo, que é a questão da memória. As nossas memórias são o nosso património de projeto. E, realmente, a Madeira, a esse nível, é absolutamente insubstituível. Por causa da topografia, do mar, do exotismo. Tem coisas muito diferentes – tem aquele dramatismo da topografia, do lado vulcânico, e depois tem aquele lado de paraíso perdido, dos jardins idílicos, das quintas, é um contraste brutal. Guardo memórias absolutamente incríveis de quando era miúdo. Falo sempre numa das casas que me marcou mais, a quinta do Tile, que era de um médico, avô de umas primas minhas, onde nós passávamos sempre uma semana. Era no vale da Ribeira Brava, não tinha eletricidade, nem água potável e não chegávamos de carro, tínhamos que acartar tudo por uma levada para chegar à quinta. Essa quinta mudava tudo. As conversas mudavam, o ambiente mudava, conseguíamos estar às 9 da noite a pensar que estávamos às 4 da manhã, porque não havia luz elétrica, era com lamparinas a óleo. A casa era feita de objetos de outro tempo, tínhamos coisas como cartas em disco, que púnhamos num gramofone, falava a pessoa gravada, uma voz de há cem anos atrás, era surreal. Era uma espécie de coisa perdida. E essas referências obviamente interferem. O Beiral tinha Monsanto e a natureza. Depois há a questão do mar, que também é uma coisa avassaladora para quem é da Madeira. Portanto, esse tipo de experiências da natureza e um certo lado holístico que a Madeira sempre teve para mim, era uma espécie de paraíso perdido quando era criança, ia para lá sempre de férias, marcou-me com certeza. A questão da materialidade na arquitetura é uma coisa a que eu dou imensa importância – também é um tema do Zumthor, a questão da matéria.

O Beiral tinha muito isso, à sua medida. Tenho memórias incríveis, como as nossas fugas para o jardim formal, que tinha um plátano gigante (é uma coisa que também noto na Madeira, as pessoas têm uma relação de proximidade com a botânica, qualquer pessoa sabe imenso sobre plantas,) e havia um depósito de folhas – e nós fugimos para o depósito de folhas, no meio da mata, era fantástico. E eles tinham muita atividade de desenho, pintura, foram tudo coisas que devem com certeza ter tido influência.

 

Mas tu não tens aquela melancolia da insularidade, pois não?

Tenho um pouco. Foi um bocadinho posta de parte quando conheci a minha mulher, a minha mulher é superluminosa, tem uma alegria contagiante. Mas tenho um bocadinho isso, tenho. Por exemplo, eu vou ao Funchal e sofro imenso com a destruição da paisagem e do território cultural. As memórias que tenho no Funchal e o que o Funchal está hoje…. Obviamente, nós sabemos que o Funchal tinha imensos problemas, sociais e de pobreza, temos essa consciência, era miúdo e lembro-me perfeitamente disso. Mas há um outro lado, é um atentado o que se tem feito. A nível da gestão da montanha, da gestão da paisagem, do território – é um pouco transversal a Portugal todo -, mas na Madeira é difícil.

©Gonçalo Henriques + Estudo Prévio

Para terminarmos, o que é que tu vês nesta geração nova de alunos que estamos a formar, que vivem num mundo diferente daquele em que nós crescemos?

A esse nível, tenho dois sentimentos: um de enorme entusiasmo, porque realmente há alunos extraordinários, que estão muito mais informados do que nós, são muito mais capazes, são muito mais arejados, estão muito bem preparados, estão atentos, despertos, viajam, leem. Depois, há um corpo grande que vive apático, sem exigência nenhuma, sem disciplina, sem resiliência. Costumo dizer que mudei a minha educação para com os meus filhos por causa das aulas que dou. Uma coisa que me inquieta é que os alunos estão sempre à espera que alguém lhes diga o que é que têm que fazer, não há iniciativa nem capacidade de decidir. E, ao mesmo tempo, alunos desatentos, do ponto de vista do espaço, pergunto onde é o Cais das Colunas, ou até o Terreiro do Paço, e eles ficam a pensar se sabem, se conhecem ou não. É um bocadinho demais…. Frequentar o centro histórico de Lisboa dá-te uma leitura, dá-te uma cultura. Por mais desatentos que sejamos, a cidade tem algo a dizer. Alguns deles frequentam ambientes muito desqualificados, ficam sem essas referências – e há cada vez mais alunos que nem vão aos centros históricos das suas cidades. Por isso as visitas são muito importantes, para experimentarem esses espaços e podermos refletir sobre experiências partilhadas. Agora, ao mesmo tempo, há alunos extraordinários, interessados, envolvidos. No nosso tempo, era mais equitativo, porque no ensino encontrava-se um certo tipo de pessoas e, hoje em dia, há uma grande diversidade de alunos. Isso é positivo, mas depois há miúdos muito capazes, que foram muito incentivados, e há miúdos bastante apáticos. No fundo, o nosso trabalho é torná-los mais atentos e mais entusiasmados. A questão do ensino passa sempre pelo entusiasmo e por uma certa empatia, que é preciso criar. Não conseguimos criar com todos os alunos, porque são muitos, as turmas são grandes, é muito difícil, mas todos os anos há alunos que têm o brilho no olhar e que também nos entusiasmam a nós, professores, bastante. É como teres uma pessoa no atelier que está disposta e que te surpreende. Porque isto é uma coisa de partilha, onde todos podemos e devemos aprender e isso é o mais importante.