Villa Rotonda, Villa Savoye, casa Farnsworth, casa Malaparte, casa Rietveld Schröder, são nomes de casas tão conhecidas como qualquer museu internacional. O projeto de uma casa sempre foi, para o arquiteto, um espaço de investigação e de liberdade no campo da exploração de novos espaços e novas correlações entre eles, de novas organizações programáticas, de novos materiais e novas maneiras de construir o Habitar.
O Habitar está intimamente ligado aos primórdios da arquitetura e a casa sempre representou a possibilidade de trabalhar um programa que questiona todos os valores gerais da disciplina assim como as mais minuciosas problemáticas que cada pessoa valoriza no seu bem-estar quotidiano.
Trabalhos de levantamento e investigação como o Inquérito à Arquitetura Popular ou os estudos sobre a Habitação Social levados a cabo pelo LNEC com a coordenação do arquiteto Nuno Portas ou, internacionalmente, estudos realizados por autores como Engels, Alison e Peter Smithson sobre a habitação, vieram trazer à problemática do Habitar diversas atualizações das necessidades domésticas referenciadas a um determinado território, cultura e população especificas. Por outro lado, a divulgação global dessas mesmas investigações, assim como a massificação de um conhecimento generalista de todos os projetos realizados no mundo, e mesmo dos não-realizados, acrescentou uma proliferação de referências possíveis, propensa à utilização acrítica de colagens e influências transpostas para o projeto da casa. Em paralelo, e até paradoxalmente, assiste-se a um interesse crescente pelos materiais e técnicas locais e pela sua integração em obras contemporâneas.
Atualmente, vive-se numa época sem dogmas universais, mas pode dizer-se que, em termos de projetos de casas, se observa uma moda de influência japonesa que pinta tudo de branco e liberta os espaços para usos híbridos, funcionalmente desagregados da realidade quotidiana. Por outro lado, com o crescente mercado de remodelações na “Europa da Crise”, assiste-se a uma inércia crítica que usa o mesmo imaginário para todos os projetos: soalho de madeira ou autonivelante cinza claro, paredes, tetos, cozinha e casa de banho brancos, 3 quartos, sala, cozinha, 2 ou 3 casas de banho…
Presentemente, a mobilidade e o impacto da globalização na vida contemporânea permitem aos indivíduos vivenciar, diretamente ou de forma mediada, experiências de Habitar diversas – ao contrário do que acontecia na sociedade tradicional. Neste contexto, levanta-se um conjunto de novas questões sobre temáticas antigas:
– Serão as casas contemporâneas adaptadas às novas formas/ritmos de vida?
– Estarão os arquitetos a desperdiçar oportunidades de repensar e fazer evoluir o Habitar?
– Que outros saberes e disciplinas estão a pensar o habitar? Que conclusões avançam? De que forma este conhecimento é absorvido e integrado na arquitetura?
– Estaremos todos a reduzir o nosso bem-estar para nos adaptarmos às casas existentes?
– E, finalmente, que casa deve ser a casa contemporânea?
No presente número temos a oportunidade de publicar artigos dedicados a esta temática sendo contribuições que extravasam o campo restrito da arquitetura. O primeiro, pela Antropóloga Maria Assunção Gato, aborda a Casa como espaço privilegiado de expressão identitária e de representação social, desde a sua localização até aos objetos decorativos que a casa expõe às restritas visitas. O segundo artigo, pelo arquiteto Sérgio Silva e pelo matemático Francisco Blasques, desenvolve a possibilidade de incorporar, no processo de criação de um projeto, uma consulta pública, em formato de questionário online, para mapear as preferências individuais de possíveis utilizadores antes de as materializar em construção. A Casa surge neste projeto de mapeamento, Arquimetria, como exemplo experimental de um possível sistema ainda em processo que alia a Estatística à Investigação em Arquitetura e, potencialmente, à prática em Arquitetura.