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Luiz Gilberto Silva Júnior 

luizjunior.04@hotmail.com
Arquiteto, Doutorando no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (DA/UAL), Portugal.

 

Para citação: JÚNIOR, Luiz – Do figurativo ao tectónico: Peter Wilson e o processo de desenho no projeto Clandeboye. Estudo Prévio 22. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2023, p. 16-30. ISSN: 2182-4339 [Available at: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/22.2

Artigo recebido a 28 de abril de 2023 e aceite para publicação a 2 de maio de 2023.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Do figurativo ao tectónico: Peter Wilson e o processo de desenho no projeto Clandeboye

 

Resumo

Peter Wilson, enquanto professor da Architectural Association School of Architecture em Londres desenvolve, entre 1983 e 1985, em conjunto com dezanove alunos um projeto para a propriedade Clandeboye em County Down, Irlanda do Norte. O desenvolvimento desse projeto, para além de formar arquitetos, resultou numa exposição e num catálogo. Nesse contexto, a presente investigação centra-se em entender o que Peter Wilson queria ensinar aos seus alunos com Clandeboye. Para responder a essa pergunta, o objetivo do estudo é avaliar como o desenvolvimento de Clandeboye contribuiu para a prática profissional dos alunos que a projetaram. A investigação baseia-se na coleção de desenhos da organização Drawing Matter, sendo uma delas 54 desenhos do processo de desenvolvimento do projeto, além de outras 93 imagens de anotações e desenhos, feitas em três sketchbooks. A estas fontes somam-se duas entrevistas semiestruturadas realizadas com alunos envolvidos no projeto. Com a análise desse conjunto de informações, foi possível verificar que os desenhos de Clandeboye ilustram graficamente a invenção, confiança e o empirismo construtivo característicos do pensamento arquitetónico que Peter Wilson desenvolvia na época, e tiveram impacto significativo na vida profissional de seus alunos. O estudo também revelou que a metodologia de desenho em perspectiva aplicada por Peter Wilson em Clandeboye, fornece ferramentas operativas para o ensino da disciplina de arquitetura contemporânea.

 

Palavras-Chave: Peter Wilson, Clandeboye, Representação Arquitetónica, Ensino da Arquitetura.

 

Introdução

O projeto desenvolvido para a propriedade Clandeboye, entre os anos 1983 e 1985, trata-se de uma atividade académica que envolveu Peter Wilson e seus 19 alunos da Architectural Association (AA) School of Architecture em Londres. A propriedade Clandeboye Estate fica localizada num contexto latifundiário da Irlanda do Norte com casas Neopalladianas. No “Clandeboye Report”, Wilson (1986) refere que a casa e o sítio possuíam características únicas, com lindas paisagens e rica em história, no entanto encontrava um problema típico de casas senhoriais importantes – o de encontrar uma função contemporânea.

No caso de Clandeboye, o projeto foi possível dada a relação pessoal entre o presidente da AA Alvin Boyarsky e Lord e Lady Dufferin, donos da propriedade (Dorian, 2021). Para Wilson, esse projeto possibilitaria investigar uma série de estratégias regenerativas, que se apropriam do ambiente e projetam uma visão útil do futuro, equilibrando requisitos privados, públicos e institucionais.

O programa do projeto incluía um “Centro Residencial de Belas Artes e Estudos Ambientais”, com o objetivo de promover a excelência nas artes e o enriquecimento da vida cultural da comunidade. Além disso, sua localização geográfica é ideal para formação em horticultura e pesquisa sobre a preservação do espaço rural. As instalações necessárias, portanto, incluiriam laboratórios, jardins, estúdios e uma biblioteca. Os modelos propostos foram para uma população permanente de 350 pessoas composta por 50 funcionários, quatro grupos de 50 alunos de universidades de referência da Europa, Canadá e Índia e 100 alunos da Irlanda do Norte. O objetivo destes modelos experimentais era de medir o impacto físico que esses equipamentos teriam em Clandeboye, bem como propor um inventário de táticas arquitetónicas otimistas e provocadoras (Wilson, 1986).

Em Clandeboye, esperava-se que Lady Dufferin pudesse construir um ou dois dos equipamentos projetados, pelo que segundo Wilson, numa entrevista com Mark Dorrian (2021), uma das diretrizes da atividade é que as propostas tinham de ser construíveis. A questão de ser construível é muito importante no desenvolvimento do projeto de Clandeboye e vai de encontro com vocabulário arquitetónico que Wilson utilizava na época. Segundo o arquiteto, “nosso assunto era o figurativo e o tectónico, então era obrigatório mostrar como as coisas eram montadas”. Na Figura 1 essa ideia fica bem evidente, onde através de um corte no desenho, Wilson o divide em duas dimensões, uma que explora detalhes construtivos e outra que potencializa o design característico do projeto.

Figura 1 – Desenho da torre “Retiro do Artista”, projetada por Peter Wilson (Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023).

 

Nesse contexto, o presente estudo procura entender o que Peter Wilson queria ensinar aos seus alunos com Clandeboye, e como é que essa atividade académica contribuiu para a prática profissional dos estudantes envolvidos no processo.

Para alcançar tal fim, os métodos empregados neste estudo possuem caráter qualitativo e são (i) consulta e revisão de arquivos do Drawing Matter e (ii) entrevista semiestruturada com dois ex-alunos de Peter Wilson: Dominic Cullinan (D.C.); e Richard Cutts Lundquist (R.L.).

O pesquisador encontrou os entrevistados por meio do catálogo intitulado “The Clandeboye Report: Contemporary Options for Clandeboye” (Wilson, 1986), que se trata de um catálogo, desenvolvido pelo Peter Wilson, que reúne os projetos para Clandeboye realizados pelos alunos. A entrevista com Richard Cutts foi conduzida por e-mail, onde foram enviadas uma série de perguntas, e destas foram obtidas respostas detalhadas do entrevistado. Por outro lado, a entrevista com Dominic Cullinan ocorreu via Zoom, revelando-se mais produtiva, uma vez que permitiu a coleta de um volume maior de dados. A plataforma de videoconferência facilitou a interação entre o pesquisador e Cullinan, proporcionando uma oportunidade para um diálogo mais aberto e aprofundado.

 

O percurso profissional de Peter Wilson até Clandeboye

Peter Wilson é um arquiteto australiano nascido em 1950. O seu interesse em pintura leva-o para a escola de arte que mais tarde acaba trocando por arquitetura, por considerar o ensino de arte um tanto quanto boémio na época (Dorrian, 2021).

Depois de três anos estudando arquitetura na Universidade de Melbourne na Austrália, um estágio com Robin Boyd leva-o conhecer a Architectural Association em Londres, onde ingressou como aluno em 1971. Ainda como estudante, Wilson exerceu forte influência na cultura da AA, que se estendeu no seu legado como professor na escola (Wieczorek, 2021). Dominic Cullinan relata que nessa época (1982), a escola de arquitetura encorajava a contratação de profissionais com diferentes abordagens de conceção arquitetónica. Segundo o entrevistado:

“Foi uma época famosa na AA, onde se dava muito apoio à contratação de professores diferentes para ensinar lá, como tal tínhamos o Peter Wilson, a Zaha Hadid, o Peter Cook e o Rem Koolhaas. Eles estavam fazendo carreira enquanto estavam na AA, e durante esse período tornaram-se superestrelas. Todos com diferentes métodos e campos de estudo. Peter era o mais gentil e o mais generoso com a imaginação dos alunos” (D.C., 2022)

No seu discurso arquitetónico Wilson claramente investe em ideias tipológicas, como as pontes de navios que ganham destaque na sua obra, pois podiam ser pensados simultaneamente como forma e metáfora. Esse interesse na situação e contexto, ecoa na forma como Wilson desenvolveu seu pensamento sobre abstração e figuração (Dorrian, 2021).

A Figura 2 apresenta um recorte temporal dos projetos desenvolvidos por Peter Wilson entre os anos 1975 e 1988, essa timeline foi muito importante para entender o contexto em que Clandeboye surge. Quando se analisa o percurso de Wilson, neste período, é possível perceber uma preocupação persistente com água, tecnologias hidráulicas relacionadas pontes, barcos e submarinos que fluiu através do seu trabalho (Hawker, 2021). Pontes e navios tornaram-se referências figurativas e tectónicas, das quais Wilson derivou componentes significativos de seu vocabulário arquitetónico. Essas referências estão presentes em Clandeboye, e marcam o período de projetos conceituais e não construídos de Peter Wilson.

Figura 2 – Timeline reunindo projetos conceituais e não construídos de Peter Wilson. (Composição do autor, 2023).

 

A ideia, o sítio e o programa

Lord e Lady Dufferin, em conversa com Peter Wilson (Wilson 1986), revelam que o projeto Clandeboye foi iniciado durante uma observação casual, do então presidente Alvin Boyarsky, durante um almoço na Architectural Association. Na ocasião os donos da propriedade comentaram sua preocupação com o futuro de sua propriedade na Irlanda do Norte, e descreviam como grandes propriedades familiares em toda a Inglaterra e Irlanda se estavam adaptando ao mundo contemporâneo. Segundo os proprietários, grandes propriedades aristocratas em toda a Inglaterra e Irlanda, estavam condenadas a vender terras para criar capital para a agricultura, ou ceder belas e velhas florestas para abrir espaço para árvores de Natal comerciais.

Como Peter Wilson já conhecia Lord e Lady Dufferin, é chamado para desenvolver um projeto para Clandeboye Estate. Segundo Wilson, os proprietários colocaram a seguinte questão: “como pode um lugar assim continuar a existir em tempos de mudança, e de que formas ele deve recriar sua utilidade?”. Segundo os entrevistados desse estudo, essa e outras discussões foram abordadas durante um final de semana em que Lord e Lady Dufferin receberam Peter Wilson e seus 19 estudantes na Clandeboye House, situada entre Belfast em County Down, Ulster.

“Fizemos uma visita sim a Clandeboye Estate, Peter Wilson tinha um bom relacionamento com os donos da propriedade, então negociou que os alunos pudessem ir passar um final de semana lá.” (D.C., 2022)

“Passamos alguns dias em Clandeboye, discutindo arquitetura, arte, Inglaterra e Irlanda do Norte com Lady Dufferin.” (R.L., 2022)

Quando descreve a visita ao local, Dominic Culliman apresenta uma fotografia que tirou durante a viagem (Figura 3). Na imagem o jovem arquiteto está acompanhado dos colegas e pousa em frente ao seu carro.

“Esse sou eu, e meu lindo carro a caminho da Clandeboye. Fui com uns colegas, pode ver um deles no banco de trás. Sabe, não era comum tirar fotografias naquela época, não como hoje quando tiramos milhões de fotografias, então quando tirávamos uma foto era um momento importante.” (D.C., 2022)

Figura 3 – Dominic Culliman a caminho da Irlanda (Acervo pessoal do entrevistado).

 

Culliman refere na entrevista que Clandeboye era o seu segundo projeto na faculdade, e que Peter Wilson apresentou a proposta de atividade convidando-os para uma viagem até à Irlanda do Norte e que iriam fazer algumas propostas para esse local “nada mais complicado que isso”. Quando questionado se Wilson apresentou algum tema específico sobre a atividade ou alguma orientação sobre o que procurar no local, o entrevistado aponta:

“Eu lembro que era uma casa muito grande. Eles tinham um incrível café da manhã e queijos, é disso que me lembro, porque naquela viagem o projeto era o menos importante […] A ideia de estar em uma casa aristocrata inglesa no meio da Irlanda do Norte era excitante e diferente, isso era mais importante que o projeto em si.

Sobre o tema do estudo… só me lembro do Peter falando para divertir-se projetando Clandeboye.” (D.C., 2022)

Richard Lundquist confirma esse dado, e refere como ocorreu a atribuição das áreas de intervenção. Segundo o entrevistado:

“Não me lembro de instruções específicas além de encontrar um local no terreno da casa e projetar uma estrutura.” (R.L., 2022)

O programa implementado em Clandeboye era bastante extenso e no final foram elaboradas propostas de 20 equipamentos, distribuídos por toda propriedade (Wilson, 1986). Quando questionados sobre como foi definido o programa e como foram definidos os equipamentos, os entrevistados referem que o programa surgiu naturalmente, a partir das conversas e discussões levantadas naquele final de semana. Cada aluno teve liberdade para definir o tipo de equipamento que iria propor.

“Lembro dele (Peter Wilson) dividir o terreno por partes, então fiquei com um dos lados que lembro que não gostava, não lembro de o programa ser algo importante, com Peter não interessava muito o objeto, mas sim o processo de criação” (D.C., 2022)

A Figura 4 apresenta uma planta esquemática com diversas intenções projetuais em destaque. Na figura é possível ver duas divisões na área de intervenção, zoneando os equipamentos em institucionais e privados. Também é possível perceber pela linha amarela uma intenção de criar um caminho aberto, que dá acesso a uma área pública, demarcada por uma malha ortogonal. É interessante evidenciar que as intervenções arquitetónicas que Wilson realiza em Clandeboye estão localizadas justamente na área pública, demarcada a amarelo.

 

O desenvolvimento do projeto Clandeboye

Segundo Peter Wilson (1986), a análise da situação existente em Clandeboye levou à divisão das investigações subsequentes em três fases distintas. A primeira fase centrava-se em estratégias para novos usos públicos na propriedade. A segunda fase abordava uma questão central: introduzir novos usos dos edifícios principais – a casa e os pátios dos estábulos. E a terceira explorava intervenções de grande porte, que rivalizariam em importância com a casa.

Figura 4 – Zoneamento da intervenção em Clandeboye, desenhado por Peter Wilson (Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023).

 

Mas é sobre duas pontes na propriedade que o arquiteto foca a sua intervenção. Peter Wilson4 aponta que foi durante uma das expedições ao redor do lago que a marquesa de Dufferin referiu duas pontes que precisavam de cuidados. Esses dois objetos tornaram-se o tema de três dos desenhos que o arquiteto desenvolve para Clandeboye, e mais tarde mostraram-se como uma oportunidade que Wilson aproveita para empregar muitos conceitos teóricos que discutia na época (Hawker, 2021).

Para Richard Lundquist, antes do Projeto Clandeboye a impressão que o entrevistado tinha dos desenhos de Peter Wilson era que eles eram pitorescos, abstratos e melancólicos. Essa visão muda quando desenvolve Clandeboye, onde para o entrevistado os desenhos tinham um aspeto mais técnico, em uma tentativa de estudar muito de perto todas as componentes e peças que se encaixam para formar um edifício.

“O design das peças de construção e como elas se encaixavam costumava ser incomum e inventivo. Maquetes de madeira foram usados por Peter e por mim para projetar e apresentar o trabalho. Sempre houve um aspeto figurativo no trabalho.” (R.L., 2022)

Quando analisamos o espólio da Clandeboye presentes no arquivo da Drawing Matter, as imagens das pontes projetadas por Peter Wilson destacam-se pela forma como o arquiteto comunica através do desenho os encaixes da estrutura. Além disso existe um traço bem característico na representação da paisagem, onde o arquiteto faz um diálogo entre o técnico e o figurativo utilizando técnicas japonesas de nuvens e fumaça (Figuras 5 e 6).

Figura 5 – Perspetiva isomérica da ponte, repousada na paisagem. (Autoria de Peter Wilson. Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023).

Figura 6 – Ponte número dois em perspectiva, com paisagem definida e reflexo da intervenção na água. (Autoria de Peter Wilson. Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023)

 

Segundo Wilson, a primeira ponte faz uso de vigas de aço existentes e fundações de betão. Por motivos de economia e conveniência, apenas a superestrutura foi proposta como nova: um par híbrido de corrimãos (um em tensão e outro com pretensões clássicas) se encontram num portal flutuante e coberto. Uma leitura fenomenológica de ‘ponte’ que não priorizaria a função (travessia), mas esse momento de suspensão. Já a segunda ponte, a poucos metros da primeira, também tira sua lógica estrutural dos contrafortes de betão existentes. Aqui, robustas travessas de madeira prendem-se a uma estação central. A proximidade de representação destas perspetivas com gravuras japonesas fica evidente quando se observa no desenho a marquesa, pairando no eixo e com vestes tradicionais da cultura oriental.

Para além do projeto de duas pontes, Wilson também desenvolve uma torre que ele mesmo chama de “Retiro do artista”. Como Clandeboye se trata de uma proposta académica, é interessante entender o que leva o professor projetar em conjunto com os alunos. Quando questionados sobre esse fato, os entrevistados referem que Peter utilizava seus projetos de pontes para ensinar os alunos a desenhar em perspetiva.

“Ele tinha um método muito bom de desenho em perspetiva, e nos ensinava que você pode desenhar algo pequeno na folha, e de certa perspetiva, aquela pequena marca ganha vida.” (D.C., 2022)

Segundo os entrevistados, Peter ensinava técnicas de como aplicar o design de elementos através do processo de desenho, durante a construção do pensamento. “Nesse processo de desenho você não pensa em coisas que depois irá descartar, todo design é pensado no processo” (D.C., 2022). Essa técnica pode ser observada nas Figuras 7, 8 e 9, que reúnem três desenhos realizados por Peter Wilson em fases distintas de pormenorização, e demonstram a evolução do projeto. Na Figura 7, Wilson apresenta uma proposta de entrada para Clandeboye. O desenho apresenta características figurativas tratando-se também de uma vista frontal do equipamento.

Figura 7 – Ideia conceitual da proposta da entrada da propriedade Clandeboye, vista frontal desenhada em lápis. (Autoria de Peter Wilson. Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023).

 

Na Figura 8 a mesma proposta de entrada é desenhada em perspetiva e através desse ponto de vista, Wilson adiciona elementos da paisagem que contextualizam o projeto no terreno, e avançam em pormenorização construtiva e arquitetónica.

Na Figura 9, o desenho em perspetiva apresenta diversas evoluções projetuais em comparação com os anteriores, onde é possível perceber alterações nos caminhos e também no design da proposta. Aqui o desenho focado na tectônica ganha ainda mais destaque, pois num contexto de paisagem com traços figurativos, a arquitetura ganha evidência.

Figura 8 – Perspetiva isométrica e cortes que demarcam a relação entre arquitetura e paisagem. (Autoria de Peter Wilson. Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023)

Figura 9 – Perspetiva demarcada por um traço forte, que transita entre a representação figurativa da natureza e pormenorização técnica da arquitetura. (Autoria de Peter Wilson. Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023)

 

Quando questionados sobre o processo de desenvolvimento do projeto, os entrevistados referem que não haviam discussões em grupo e que cada projeto era desenvolvido individualmente, assim como as orientações dadas. Esse dado está relacionado a metodologia empregada por Wilson em sala de aula, no entanto responde uma outra dúvida em relação aos desenhos desse projeto. Um conjunto de desenhos de tamanho A2 traz consigo pormenores projetuais de diversos equipamentos do programa, que parecem ser colocados juntos, para entender como cada parte conversa com o todo (Figuras 10 e 11).

Figura 10 – Desenhos de detalhes a partir de um ponto de vista aéreo, todos de autoria de Peter Wilson. (Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023).

Figura 11 – Desenho aéreo da paisagem com indicação de onde o programa está distribuído. É de autoria de Peter Wilson. (Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023)

 

Analisando esses desenhos – e tomando em conta que se tratava de uma atividade académica – conclui-se que eram feitos em grupo, pois representava com traços simbólicos, diversos equipamentos de alunos. A entrevista revelou que os desenhos eram feitos por Peter Wilson, enquanto demonstrava aos alunos como propor designs com traços figurativos em diferentes perspetivas.

 

A influência de Clandeboye e Peter Wilson

Para responder à pergunta de investigação, que visa entender como a experiência com Clandeboye contribuiu para a prática profissional dos alunos, o estudo questionou aos entrevistados o que eles aprenderam com este projeto. Richard Lundquist revela que durante o projeto Clandeboye ficou interessado nos desenhos a lápis, colagens e maquetes de madeira altamente trabalhadas, e que eram ligeiramente absurdos e esperançosamente provocativos. Ressalta que manteve o interesse por essa abordagem durante sua carreira de arquiteto. No entanto, o entrevistado revela que:

“A maior influência de Peter foi sobre o meu ensino. Ele me mostrou como orientar e ensinar de uma forma que apoie e encoraje os interesses e as inspirações do aluno.” (R.L., 2022)

Dominic Culliman relata que naquela época o modernismo era punido pelo pós- modernismo, e que com Peter Wilson e estando na Architectural Association tornava os alunos capazes de colocar todos os argumentos dessa disputa de estilos arquitetónicos num lado do desenho, e no outro lado encorajar o aluno a trabalhar consigo mesmo. Culliman também descreve que Clandeboye teve um impacto maior na sua prática como docente, segundo o entrevistado:

“Peter Wilson é muito figurativo, mas não se trata apenas disso, trata-se de um método em que você não busca por precedentes, não busca uma intelectualizarão do processo, mas sim estabelecer uma relação com a página em que desenha […] Peter me ensinou que aprender não tem que ser doloroso, e isso foi forte o suficiente para impactar minha própria maneira de ensinar.” (D.C., 2022)

 

Clandeboye e seu lugar na arquitetura contemporânea

Os projetos desenvolvidos em Clandeboye ilustram graficamente a invenção, confiança e o empirismo construtivo característicos do pensamento arquitetónico que Peter Wilson desenvolveu enquanto professor da Architectural Association (Figura 12). As propostas apresentadas pelos alunos e o seu tutor respondem poeticamente à paisagem da Irlanda do Norte e empregam materiais locais como pedra, madeira e estuque. Quando se leva em conta o impacto que esse projeto possui para o fazer arquitetónico, pode-se dizer que Clandeboye resulta num manifesto para uma arquitetura contemporânea que possua uma dimensão descritiva e narrativa.

Figura 12 – Desenho da ‘Ponte Dividida’, de autoria de Peter Wilson. (Drawing Matter, consultado a 12 de janeiro de 2023)

 

Com base nas entrevistas conclui-se que a metodologia de ensino empregada por Wilson nessa atividade se caracteriza principalmente pela experimentação. Essa característica é observada pela maneira como conduz a visita ao local de intervenção e também quando não especifica um programa. Quando ensina seus alunos a desenhar em perspetiva, Peter Wilson demonstra como evoluir o projeto e definir o design através do processo de desenho. O que é visto como algo extremamente positivo pelos entrevistados, e ambos confirmam que esse método teve forte influência na forma de pensar arquitetura. Com o desenvolvimento desse projeto, Peter Wilson mostra que sua técnica de desenho serve tanto para evoluir desenhos de natureza simbólica e figurativa, como também para desenhos mais técnicos, que aspiram a construção.

Apesar das entrevistas semiestruturadas fornecerem uma visão abrangente sobre a metodologia de ensino de Peter Wilson em Clandeboye, algumas perguntas ainda faltam por inquerir. Essas questões pendentes exigem uma consulta direta à fonte primária, ou seja, ao próprio Peter Wilson, a fim de obter esclarecimentos adicionais e insights mais profundos. Os aspetos que podem ser explorados em pesquisas futuras incluem: (i) a estruturação das aulas ministradas por Wilson; (ii) como eram estabelecidas as colaborações com outros professores da Architectural Association; e (iii) a influência específica de Wilson na vida profissional dos 19 estudantes envolvidos no projeto Clandeboye. Esses questionamentos adicionais são essenciais para a compreensão aprofundada da abordagem pedagógica de Wilson, e do impacto desse professor na formação e no trabalho desses alunos.

Para o ensino da arquitetura, Peter Wilson demonstra com Clandeboye que o processo de conceção projetual tem um caráter empírico. E nesse sentido, aponta para um resultado que depende da experiência que é apreendida em cada fase projetual. O estudo também revelou que a metodologia de desenho em perspectiva aplicada por Peter Wilson em Clandeboye, fornece ferramentas operativas para o ensino da disciplina arquitetónica contemporânea.

 

Bibliografia 

DORRIAN, Mark – Peter Wilson and Mark Dorrian in conversation. The Journal of Architecture, 26(5), 2021, p. 599-638.
DORRIAN, Mark – Introduction: architectural lineaments — adventures through the work of Peter Wilson. The Journal of Architecture, 26:5, 2021, p. 571-574.
HAWKER, A. – Assisted/eccentric/adjacent: Bridgebuilding No. 4 Ponte Dell’Accademia. The Journal of Architecture, 26(5), 2021, p. 659-687.
WILSON, Peter Wilson – The Clandeboye Report: Contemporary Options for Clandeboye, County Down, Ulster. Projects by Students at the Architectural Association, London, 1983–85. London: Architectural Association, 1985; Peter Wilson, Informing the Object: Projects from Diploma Unit 1, 1981–5. London: Architectural Association, 1986.
WIEVZOREK, Izabela – Some reasons for talking about Peter Wilson, The Journal of Architecture, 26:5, 2021, p. 575-598.

 

Outros recursos

Peter Wilson will be speaking at Architectural Fictions and Other Stories: Dalí / Duchamp at the Royal Academy on 17 November 2017.

 

Notas

1 A Drawing Matter Collection é uma instituição dedicada à preservação e estudo de desenhos arquitetônicos e obras gráficas relacionadas. Fundada em 2008 no Reino Unido, a coleção abriga uma ampla variedade de materiais, incluindo desenhos, esboços, modelos e fotografias, que abrangem diferentes períodos históricos e estilos arquitetônicos (Drawing Matter Collection, 2023). Recuperado de https://drawingmatter.org/.

2 Dominic Cullinan nasceu em Arua, Uganda, em 1960. Estudou arquitetura na Architectural Association, onde obteve seu diploma em 1987. Durante sua carreira, Dominic ocupou o cargo de professor de 1991 a 1994 na Architectural Association e também na University of Cambridge em 1993. Ele atuou como crítico visitante em várias escolas de arquitetura, incluindo o Royal College of Art, Sheffield, Universidades de Westminster, London Metropolitan e Hong Kong. Atualmente, Cullinan está envolvido na supervisão de doutorado colaborativos da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge (SCABAL, 2023). Recuperado de https://scabal.net/. 3 Richard Cutts Lundquist frequentou a School of Environmental Design de 1976 a 1980. Posteriormente, ingressou na The Architectural Association, em Londres, Inglaterra, de 1981 a 1984. Ele lecionou no Instituto de Arquitetura do Sul da Califórnia de 1990 a 1997 e no Departamento de Arquitetura de Interiores da Woodbury University de 1997 a 2000. Desde então, ele é professor adjunto no Departamento de Arquitetura/Paisagem/Interiores da Otis College of Art and Design, desde o ano 2000. Sua experiência em arquitetura permitiu que Lundquist desenvolvesse um conhecimento especializado em diversos aspectos do design de interiores, como a relação entre espaços internos e externos, uso de materiais e técnicas de iluminação, que se refletem em seu trabalho (Studio / RCL, 2023). Recuperado de http://www.rcl.net/about. 4 Peter Wilson will be speaking at Architectural Fictions and Other Stories: Dalí / Duchamp at the Royal Academy on 17 November 2017.