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Victor Beiramar Diniz

vbd@netcabo.pt
Arquiteto Paisagista, Lisboa, Portugal

 

Para citação: DINIZ, Victor Beiramar – Habitar o espaço público: reflexão sobre quatro exemplos. Estudo Prévio 22. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2023, p. 116-125. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/22.HEP.4

Habitar o Espaço Público: Reflexão sobre Quatro Exemplos

 

Resumo

A partir de dois exemplos de espaços públicos destruídos pouco tempo após a sua construção, e de dois projetos – um construído, outro não – no tecido urbano de Lisboa, discutem-se questões de transitoriedade e permanência, em diversas escalas espaciais e temporais, dos espaços que habitamos na cidade.

 

Palavras-Chave: espaço público, Lisboa, permanência, transitoriedade

 

Parte I: Federal Plaza, em Nova Iorque1

Dividi esta apresentação em 3 partes. Na primeira parte, vou falar de dois espaços públicos que tiveram uma vida conturbada, cujo tema me interessa bastante, em termos do processo de intervenção no espaço público, e também pelas discussões e reflexões que provocam. Por um lado, na própria esfera pública, sobre o modo como a governação da cidade pode interferir nos processos de projeto e colocar em causa o domínio público do espaço, no sentido em que podemos debater a partir de que momento um espaço é ou deixa de ser público, em função da oportunidade que as pessoas têm, ou não, de lhe aceder livremente, não só de forma física.

O primeiro exemplo que darei é discutido frequentemente no meio da arte contemporânea, sobretudo da arte no espaço público. É o caso da Federal Plaza, em Nova Iorque, no extremo sul da ilha de Manhattan. A existência do que, em Nova Iorque, se chama “plazas”, normalmente localizadas em frente aos arranhas céus, começa a ocorrer durante os anos 70-80 do século XX, quando o planeamento urbano de Nova Iorque permite que os edifícios ganhem alguns pisos extra, se recuarem a fachada em relação ao limite do lote. O que nós chamaríamos nas nossas estruturas urbanas de largo. Ou seja, não era propriamente o desenho de uma praça, mas a abertura de alguma possibilidade de espaço público.

Em 1979, Richard Serra foi contratado para projetar uma escultura para um desses espaços, em frente a um edifício da administração federal. Intitulada Tilted Arc, a peça foi colocada na praça para gerar alguma tensão. Continha 37 m de comprimento por 3,70 m de altura e apenas 6 cm de espessura. A obra não é discreta e, muito menos consensual. Manifesta-se no espaço público como uma afirmação política e muito rapidamente se tornou polémica, gerando cartas de protesto de habitantes que queriam que a peça fosse imediatamente retirada. O que acaba por acontecer é que, face a esses protestos, houve um painel do General Service Administration, que foi estabelecido como uma espécie de júri, para determinar se a peça ficava ou saía, colocando em discussão a utilização pública da praça que era impedida pela dimensão da peça. Esta discussão levanta bastantes questões acerca da capacidade ou não, de uma peça de arte pública ou de arte em espaço público, determinar se o espaço é, ou não, é público. Um dos argumentos gerados do lado da GSA era que a peça impedia que na praça houvessem vários tipos de acontecimentos, ou seja, cerimónias, concertos etc. Mas a verdade é que a praça era, ela própria, extremamente desagradável muito tempo antes da peça do Richard Serra ser colocada. A fonte existente já tinha sido desligada porque as condições de vento daquele sítio eram tais que qualquer pessoa que estivesse na praça apanhava com a água quando tentava atravessá-la e, portanto, havia já, desde logo, pouca vontade do público em usar aquele espaço. Depois de uma batalha de 8 anos, a peça do Richard Serra foi desmontada ou destruída, segundo as palavras do artista, em 1989. Em 1992, a GSA convidou a arquiteta paisagista Martha Schwartz para trabalhar a praça. Neste projeto, apesar de quando feito se referir en passant às questões propostas pelo Tilted Arc, nunca houve uma sobreposição crítica à desmontagem da peça de Serra e ao que o sítio representava. Entretanto, respondeu, de alguma maneira, ao programa da GSA mas acabou, ironicamente, sublinhando o quão pouco verdadeiros eram os argumentos que levaram à destruição da obra de Richard Serra.

Porque na realidade, ao ler a memória descritiva do projeto da Marta Schwartz, a única ocupação que ela propôs na praça foi a função de um “sítio para almoçar”. O resultado foi algo bastante irónico, já que a sua proposta acabou por impedir — ao contrário da peça do Richard Serra — quaisquer outros tipos de usos da praça. Ou seja, a praça do centro cívico da administração americana em Nova Iorque, impedia que ali se realizasse qualquer tipo de manifestação ou protesto.

Vinte anos depois, em 2011, devido a um problema de impermeabilização da laje do estacionamento, o projeto de Marta Schwartz foi destruído e substituído, por outro, de Michael Van Valkenburgh que, do meu ponto de vista, é só uma reformulação daquilo que o projeto de Schwartz já propunha. Talvez com um pouco mais de clareza na possibilidade da sua utilização, mas ainda assim, pouco crítico.

Isso demonstra que esta ideia de que um espaço é público única e exclusivamente por ser propriedade pública, não é necessariamente verdade no sentido de que não temos, de facto, certeza ou garantia de que a nossa capacidade enquanto cidadãos, em termos de expressão pública e em termos de acesso, (não só físico, mas também em termos da capacidade de demonstração, de discurso) não ser limitado a partir do próprio desenho da praça que, de alguma maneira, tenha controle sobre o próprio espaço.

 

Figura 1 – Richard Serra Tilted Arch, 1981 (Cave to Canvas, Disponível em: https://thingsworthdescribing.com, Consult. Maio 2023).

 

Parte II: Avenida da Liberdade

No arranque da Praça dos Restauradores, no final do século XIX, ainda não era usada a calçada portuguesa, os passeios eram feitos em betão. Mais tarde é colocada a calçada nas partes a sul, e só mais tarde é calcetada o resto da avenida. Nessa altura o tratamento dos canteiros era, claramente, seguindo um modelo romântico, e dependia fortemente da capacidade e criatividade dos jardineiros, de quem dependia a escolha, substituição e a rega dos canteiros. Era um tipo de permanência da vegetação no espaço público extremamente oneroso. Isto só era possível numa altura onde a disponibilidade de mão de obra era grande, mas, com o tempo, se vai deteriorar.

Na década de 1950, num período onde ainda existia este tipo de mão-de-obra, os canteiros já eram mais simplificados, e já é possível ver o desenvolvimento na avenida. É também por esta altura que parte da avenida é rasgada para a construção do metro, e isto cria a oportunidade de repensar a avenida. Já havia a necessidade de alargar o eixo viário central, porque o trânsito em Lisboa já estava a aumentar, e era necessário repensar todas as placas ajardinadas. Gonçalo Ribeiro Telles e Francisco Caldeira Cabral propõem uma visão radicalmente diferente da avenida. Propunham que se desse primazia ao peão e que as placas centrais, onde estavam originalmente os canteiros, passassem a ser circulação pedonal ao centro. A vegetação foi desviada para os extremos das placas, mantendo a ligação com os passeios junto das fachadas de cada lado da avenida, o estacionamento foi redesenhado dentro do sistema de árvores e de áreas plantadas de modo a fazer a divisão entre a circulação dos peões e a circulação automóvel.

O projeto é aceite pela Câmara, e dá-se início à construção. Uma das questões que o projeto também conseguia resolver era o problema (que ainda hoje se mantém na avenida), do subdimensionamento das caldeiras das árvores muito dependentes do desenho artístico da calçada, impedindo o seu crescimento. Ao transplantar as espécies para as novas áreas, as caldeiras seriam dimensionadas corretamente, permitindo o crescimento das árvores e uma melhor organização de todo o conjunto da avenida. Haveria também um entendimento de que a avenida funciona, em termos topográficos, como um vale. Este vale, na realidade, materializa-se no eixo das ruas de São Sebastião, Santa Marta e São José, são elas que desenham a linha de vale. A avenida está um pouco lateral a esse eixo, mas quando a percorremos sentimos a topografia do vale.

Quando o projeto foi implementado, produziu, alguma estranheza na opinião pública, levantando algumas questões sobre a sua qualidade. A Câmara Municipal apoiava e confiava no projeto, mas, com a mudança do Presidente da Câmara, que cede às questões da opinião pública, o projeto não é concluído. Gonçalo Ribeiro Telles é ordenado a desfazer o projeto e a repor a situação original, mas decide não o fazer sendo alvo de um processo disciplinar que acaba por resultar na sua exoneração da Câmara de Lisboa. A obra de Gonçalo Ribeiro Telles estava francamente à frente do seu tempo…

Este projeto não estava longe das respostas que estavam a ser feitas noutras cidades europeias, mas foi entendido como “excessivamente moderno”, e a CML cedeu à opinião pública tomando a decisão de repor o traçado antigo. Hoje, o que temos no lado poente da avenida não é o projeto de Ressano Garcia nem de Ribeiro Telles, mas sim uma cópia requentada de um desenho do século XIX.

Quando sai da CML Gonçalo Ribeiro Telles, é convidado para fazer aquele que é, provavelmente, uma das obras mais importantes da sua carreira enquanto arquiteto paisagista, e um dos espaços mais significativos da cidade de Lisboa – o Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian.

Figura 2 – Avenida da Liberdade com projeto de Ribeiro Telles nos passeios Poente, década de 1950 (Fundação Calouste Gulbenkian – Coleção Estúdio Mário Novais CFT003.000142).

Figura 3 – Concurso para o Novo Jardim Gulbenkian (Vértice Sul) – Esquisso de percursos (Victor Beiramar Diniz, 2018).

 

Parte III: Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian

O terreno atualmente ocupado pela Fundação Calouste Gulbenkian fazia parte da quinta do Provedor dos Armazéns, que existia às portas da cidade. Existem vários relatos sobre a existência da quinta, desde meados do século XVIII, mas, como estava de tal forma afastada dos limites da cidade o seu registo topográfico só aparece, pela primeira vez, na carta de 1807.

Com a construção da estrada da circunvalação o terreno é divido. No final do século XIX, a quinta passa para as mãos da família de Eugénio de Almeida, que habita o Palácio do Lago São Sebastião. O parque vai tendo várias vidas, passa de parque privado, para parque público, com o nome de Parque de Santa Gertrudes, mais tarde é ocupado pelo Jardim Zoológico, anos depois é ocupado pela primeira feira popular da cidade, e mais recentemente era onde se localizavam os primeiros estúdios da RTP. Portanto uma vida longa e variável, mas mantendo sempre a sua delimitação. A Fundação Calouste Gulbenkian compra o terreno à família Eugénio de Almeida, para construir a sua sede.

Gonçalo Ribeiro Teles, juntamente com Viana Barreto, Ruy Jervis Athouguia, Alberto Pessoa, e Pedro Cid, desenharam o conjunto arquitetónico da Sede, Jardins e Museu da Fundação. A ideia inicial desfazer as barreiras entre os passeios das avenidas que delimitavam o terreno e trazer as zonas verdes para a definição desses limites, para uma postura de abrir, claramente, a fundação ao público, apesar de ser um espaço privado. Contudo, essa ideia foi abandonada devido à localização ser propícia a inundações. Assim, foi desenhado o limite do parque sendo, curiosamente, uma das características mais fortes de todo o conjunto. O limite, que ao manter parcialmente os muros que delimitavam o Parque de Santa Gertrudes, desenha umas orlas que se elevam sobre os muros e produzem uma espécie de duplo resultado: quem está dentro do jardim, nunca vê os seus limites, portanto o jardim parece continuar muito para além da sua dimensão. Por outro lado, quem está do lado de fora do muro, sente o jardim como algo que se expande sobre o espaço público.

Outra das imagens de marca deste projeto, que nasce também de um lado circunstancial, é o pavimento definido por grandes superfícies de betão em forma de quadrado.

Durante muito tempo a Fundação Calouste Gulbenkian desejava comprar os terrenos a sul para prolongar o Jardim. Ribeiro Telles fez alguns desenhos de estudos para a ampliação. Mas a ideia não se concretizou devido à construção do Centro de Arte Moderna, localizado, exatamente, entre as duas áreas.

É curioso notar que a evolução de todo este processo, acaba por ser quase “autofágica”, pois começa por ser pensada para um terreno, que é uno, depois é dividido, e uma das partes começa progressivamente a engolir a outra, quase na totalidade, para voltar a ser uma identidade única.

A proposta de ampliação desenvolvida por mim para o concurso, incluído na equipa dos SAMI arquitetos, parte da seguinte questão: como desenhar a ampliação deste espaço, sem reproduzir uma forma mimética? Ou seja; como desenhar uma espécie de “Jardim Companheiro”? Uma das coisas que se começou a explorar foi entender a lógica hierárquica que os pavimentos de Ribeiro Telles têm. Percebemos que o coberto arbóreo já tinha, todo ele, uma certa uniformidade, de ambos os lados dos muros. Desse modo, a nossa intervenção deveria acontecer no plano dos pavimentos — no solo. Estudámos os desenhos de Ribeiro Telles para entender a circulação e poder interpretá- la de outro modo. Assim, definimos uma espécie de estrutura principal que se vai desalinhando nos percursos secundários e terciários, que parecem desligar-se e desfazer-se do percurso principal, mas voltando sempre a ele. Assim, o que propusemos foi remarcar a ideia de um caminho como espinha dorsal, e estruturante, em diálogo, e em coerência com o desenho do jardim de Ribeiro Telles.

 

Parte IV: Campo das Cebolas (2012-2018)

Este projeto resulta de um concurso lançado em 2012, na altura que eu era colaborador do arquiteto João Luís Carrilho da Graça. Uma das análises prévias para a proposta do concurso foi a variação dos limites do campo das cebolas, que teve uma série de transigências, mas também de permanências. Uma das permanências mais interessantes é a presença da linha do limite da cerca Fernandina, que se manteve, relativamente constante, na parte Norte.

A construção dos muros do cais do porto de Lisboa no final do séc. XIX início de séc. XX. representou um dos momentos importantes na cidade, e foi fundamental na leitura e identidade deste lugar; o limite da cidade em relação à água era, até então, variável — subia e descia conforme as marés. Os muros construídos em pedra calcária definiram um limite estável no encontro da topografia da cidade com a água.

Outro momento importante para esta zona da cidade, foi a aquisição da “Casa dos Bicos” pela Câmara Municipal em 1955. O edifício foi reabilitado em 1981, com um projeto da autoria dos arquitetos Manuel Vicente e Daniel Santa-Rita, restituindo ao conjunto arquitetónico a sua volumetria original. Entre 1987 e 2002, foi sede da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. E em 2008, a autarquia cedeu os pisos superiores para a instalação da Fundação José Saramago, reservando o piso térreo para a criação de um núcleo arqueológico, criando um novo espaço público na cidade, recentemente renomeado, parcialmente, como Largo José Saramago.

Um dos momentos interessantes da vida deste sítio é, de facto, o tempo em que foi ocupado por estes edifícios, nomeadamente por este quarteirão triangular onde existiam as chamadas “casas do senado”. Nos dias de hoje, temos dificuldade quase em imaginar que a entrada principal da “Casa dos Bicos” era feita por uma rua e não por um largo que comunica, visualmente, com o rio. Também é difícil imaginar todo este espaço do Campo das Cebolas totalmente ocupado por carros, da mesma maneira que o Terreiro do Paço era um estacionamento imenso.

O nosso ponto de partida para a solução do concurso, cujo programa previa a construção de um silo automóvel ao lado do edifício do INPI, partiu do princípio que mais do que tentar virar a praça para o rio, como tentava fazer o desenho da intervenção dos anos 80 em que abria um eixo perpendicular à Casa dos Bicos, mas que estava truncado pela Estação Fluvial de Sul e Sueste e, portanto, nunca chegava ao rio. Achamos mais interessante que esta praça, por estar ao lado desta relação absolutamente encenada do Terreiro do Paço para com o rio, fosse uma praça que se virava para a cidade acolhendo a possibilidade de olhar para esta fachada da cidade que era um desses momentos de permanência da evolução deste espaço.

Entre a entrega do projeto e o resultado do concurso a assembleia municipal inviabilizou a construção do silo automóvel porque defendia que ia interromper a vista das pessoas que moravam nesta encosta e, portanto, quando ganhamos o concurso fomos logo informados que esta situação teria de ser alterada e teríamos de encontrar uma solução para colocar o mesmo número de automóveis, que se encontravam no silo, no local de intervenção. A solução foi passar o estacionamento para o subsolo, debaixo da praça, e, ao mesmo tempo manter a nossa ideia inicial, que propunha subir a cota da praça de forma a criar um anfiteatro, tanto em relação ao rio, como em relação com a encosta da cidade. Por outro lado, a intenção do projeto era também recuperar o traçado dos muros antigos, mas a cartografia que dispúnhamos não era rigorosa. Foi através de sondagens que conseguimos identificar a localização das pedras que definem os muros, o que foi essencial para definir a forma e os limites do parque de estacionamento e organizar o espaço público. Ou seja; fomos resgatar a memória do lugar para desenhar o presente. No corte perpendicular ao rio, temos uma pendente de cerca de 3% o que permite chegar ao limite com a Av. Infante Dom Henrique com o muro com um desnível de cerca de 1,20 metros. Esta ação, levou-nos ao que pretendíamos: criar uma praça elevada da Av. Infante Dom Henrique, de modo a que os usuários não sintam a circulação intensa dos automóveis. O parque de estacionamento ocupou, na sua maior parte, o perímetro do lado do rio, utilizando os muros, que sabíamos que lá iriam existir, para minimizar a questão da arqueologia. Com esta operação encontrarmos, obviamente, uma quantidade de elementos arqueológicos, como partes de pavimentos de casas que ocuparam o quarteirão triangular, e algumas embarcações antigas. Estas embarcações promoveram uma quantidade importante de conhecimento porque, a maior parte delas estavam relativamente conservadas e por isso puderam ser estudadas. Percebemos que uma série significativa de embarcações foi afundada propositadamente, provavelmente para estabilizar o lodo junto das paredes do cais. Entendemos este facto por dois motivos: o leme estava desmontado e colocado no interior da embarcação, que por sua vez estava cheio de pedras. Um costume local da época quando as embarcações deixavam de funcionar. Durante as escavações encontrámos uma escada, que não apareceu nas sondagens, o que definiu a localização e materialização da escada que tínhamos proposto no projeto. Todos estes elementos foram trazidos para o domínio do projeto, foram estudados peça por peça e verificada a possibilidade da sua reutilização. Algumas peças de troços do muro original que foi desmontado, foram usadas para colmatar o novo muro, assim como a escada que foi desmontada e remontada no topo da laje.

Em cada uma das intervenções existiu sempre um elemento de diferença para não se criar falsos históricos, ou seja, as pedras foram trazidas de outros muros que foram desmontados para ser reutilizados, aqui foram serradas de forma a que o seu acabamento fosse diverso exatamente para fazer essa distinção, assim como na reposição dos degraus, foi deixado um degrau mais alto precisamente para anunciar essa diferença. Este foi um trabalho de imensa minúcia; identificar cada um dos elementos e definir a sua nova localização e utilização. Todos os elementos de pedras que foram encontrados, mesmo sem valor arqueológico, foram utilizadas no desenho final do pavimento, na cobertura do parque de estacionamento.

Hoje, onde antes tínhamos um espaço ocupado por automóveis, temos uma praça definida por um plano suavemente inclinado em direção à cidade, que oferece uma vista elevada sobre o rio, ao mesmo tempo que protege os usuários do ruído e da intensa circulação automóvel. O que se encontrava no local, de alguma forma, desenha todo o espaço. Esta continuidade parecia-nos importante para que o parque de estacionamento pudesse fluir de uma forma ininterrupta a partir do espaço público e assim ganhar um carácter que não fosse estritamente o de uma estrutura enterrada e escondida por baixo da superfície.

Figura 4 – Campo das Cebolas – Pavimento com incorporação de elementos pétreos existentes e resultantes de escavação arqueológica (Victor Beiramar Diniz, 2019).

 

1 Conferência proferida no dia 22 de dezembro de 2021, na disciplina de Seminários I e III 2021, sob o tema “Habitar o espaço Público”. Coordenação Bárbara Silva.