Filipa Ramalhete
framalhete@autonoma.pt
Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa (CEACT/UAL), Portugal | Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (CICS.Nova)
João Caria Lopes
joaocarialopes@gmail.com
Atelier BASE | Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa (CEACT/UAL), Portugal
Para citação: RAMALHETE, Filipa; CARIA LOPES, João; – Entrevista a João Luís Carrilho da Graça. Estudo Prévio 12. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2017. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net] DOI: https://repositorio.ual.pt/handle/11144/3474
É com enorme prazer que temos como convidado o Arquiteto João Luís Carrilho da Graça. Seja muito bem-vindo. Gostaríamos de começar por lhe pedir que nos falasse um pouco do seu percurso académico, sobre o seu curso, professores e exercícios marcantes.
Em primeiro lugar, quero agradecer o convite para regressar a esta casa e ao departamento de que também fui fundador. Eu entrei na Universidade ainda antes do 25 de abril. Tive alguns professores que me interessaram como o Lagoa Henriques, o Pitún – o Francisco Keil do Amaral, filho do Keil do Amaral -, mas, apesar disso, a experiência não era muito interessante, a escola era medíocre, e eu comecei logo a trabalhar, em atelier, por isso não tinha muito tempo. No quarto ano, a primeira vez que fui à escola foi no dia 25 de abril! De 1974, o dia da revolução! A partir daí as coisas mudaram, formámos uma comissão de alunos e fizemos uma lista de professores-arquitetos que queríamos ter na escola, arquitetos como o Manuel Tainha e o José Varanda. Foi o que aconteceu, refizemos a escola, houve mudanças, e gostei muito de ter o Manuel Tainha como professor. Entre os meus colegas, tinha o Manuel Graça Dias e o José Manuel Fernandes, com quem depois fundei, em 1998, o curso de arquitetura da UAL.
E porquê a sua escolha pela arquitetura?
Não sei, não há uma razão. Desde que me lembro, sempre quis ser arquiteto. Mas hoje não sei se não seria outra coisa. A profissão de arquitetura é uma profissão em que há um conjunto interminável de aspetos que eu não imaginava antes de ser arquiteto. Existem uma série de compromissos e entraves entre aquilo que nós imaginamos e temos a ambição de criar e aquilo que é, de facto, construído. E isso faz-nos viver numa constante frustração, numa constante insatisfação.
Há uns dias, vi na televisão uma reportagem sobre surf. O surfista entrevistado falava daquilo com alegria e descontração e eu pensei, até comentei com uns colegas, que nós – arquitetos – devíamos ser mais como os surfistas. Devíamos estar atentos às ondas, sempre alerta para adaptar a nossa postura, para escolher o momento certo para apanhar a onda. Não ouvimos o surfista a queixar-se porque a onda não serve, é alta de mais ou vem com demasiada força! Nós, arquitetos, estamos sempre a lamentar-nos… Também, já se tornou numa maneira de estar. Mas devíamos ver tudo como um mar atribulado onde nós temos de aprender a estar bem, a ver que ondas é que são boas para apanhar, e a mantermo-nos na água.
Nós, cada vez mais, temos menos posição política e postura de intervenção na sociedade e isso faz com que não tenhamos sequer uma leitura atenta daquilo que se passa à nossa volta. Nem nos pedem opinião. Por exemplo, tem-se falado muito de habitação em Portugal e eu não tenho visto nenhum arquiteto a intervir nessa questão. Nos anos 80, havia a questão da habitação social em Portugal, e quem eram os intervenientes sobre essa matéria? Eram os arquitetos, como o Nuno Portas, o Teotónio Pereira, o Vítor Figueiredo, o Gonçalo Byrne.
Os arquitetos foram perdendo a sua colocação em muitas outras matérias importantes para a sociedade, e isso tem feito com que a profissão se desvalorize cada vez mais. Hoje em dia, o arquiteto não é como um médico, que tem uma especialidade e tem conhecimento técnico que suporta as suas decisões, cada vez mais nos temos demitido de ter esse tipo de conhecimento. E não há ninguém que assuma esse papel, assume-se que a Ordem dos Arquitetos o fará, mas não tem tido essa capacidade.
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Nas entrevistas que temos feito na Estudo Prévio, tem surgido com frequência essa crítica, de que o arquiteto, em Portugal, se tem demitido de debater a cidade. Essa era, de alguma forma, a sua proposta, quando realizou a exposição que esteve no CCB [exposição Carrilho da Graça: Lisboa, 22 de setembro 2015 a 14 de fevereiro 2016]?
A exposição mostrou uma reflexão em torno do trabalho que tenho realizado em Lisboa. E não tem sido fácil, esse conhecimento não é reconhecido. A exposição mostra uma visão para a cidade, apresenta os projetos que estou a fazer, ganhos em concursos internacionais – o que é muito importante, na conjuntura de crise que marcou os últimos anos – mas mostra um conjunto de propostas que assentam nessa ideia de reflexão conjunta, que falta às abordagens que têm sido feitas nos últimos anos. Fiz projetos em toda a cidade, nos últimos trinta anos e essa leitura sobre o território, sobre uma cidade como Lisboa, que é exemplar, é também essencial.
Essa aprendizagem de como estar na arquitetura deveria ser feita na faculdade?
Devia, mas não acontece. Eu agora dou aulas ao primeiro ano. Gosto imenso de dar aulas nos primeiros anos. Já dei aulas ao 5º ano e os alunos do 5º ano são muito menos interessantes. Estou a dar a disciplina de Laboratório, na Ajuda (Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa), e faço com os alunos um exercício em que eles constroem uma máscara para eles próprios. Questionam a ideia que têm deles próprios, vão construindo a sua máscara e os resultados são interessantíssimos.
Mas o ensino da arquitetura, e tenho esta opinião há muito tempo – apesar de nem sempre ser bem acolhido e ser considerado controverso -, devia ser muito diferente. Num curso de arquitetura, os alunos passam a maior parte do tempo dedicados à disciplina de projeto, que lhes ocupa todo o tempo de trabalho e as outras disciplinas são periféricas. Os próprios professores fomentam esta lógica, não admitem que um aluno que é bom noutras áreas, a História, a Desenho, a Sociologia, possa vir a ser um bom arquiteto. E o resultado é uma grande impreparação dos alunos quando saem das universidades. O exercício de projeto, em cada ano, é dado como uma experiência que os alunos vão colecionando, são tentativas de soluções, a que os professores tentam dar uma linha, e, quando acabam o curso, o que levam é a experiência de terem feito uma serie de tentativas falhadas de projetos.
Um engenheiro, por exemplo, tem um tipo de formação que pode parecer mais técnico, mas – quando acaba o curso – tem um conjunto de conhecimentos que lhe permitem desempenhar a profissão de uma maneira mais sólida, apresentar os cálculos e os argumentos. Os alunos de arquitetura saem das universidades sem saber nada ao certo, sem conhecimento técnico e teórico que os suporte, apenas sabem fazer tentativas de projeto, mas desta vez sem terem o professor que os valide ou que os “acompanhe” para as decisões certas e fundamentadas.
Esse é o panorama também a nível internacional?
Sim, é assim também. Há algumas escolas de onde saem mais bem preparados, que têm abordagens um pouco diferentes, mas o panorama, mesmo internacional, é muito semelhante. A ETH de Zurique talvez seja um pouco diferente, o curso da UAL, quando foi criado, nasceu com o currículo da ETH de Zurique como modelo. Já há mais de vinte anos que essa é uma escola de referência internacional, de onde de facto saem alunos a fazer projeto baseado em investigação com consistência.
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Recentemente, foi questionado numa entrevista sobre o facto de ser um arquiteto que lê a cidade e os seus problemas e se preocupa com o caminho que Lisboa tem feito, mas ser também o arquiteto responsável pela maior porta de entrada de turistas em massa, o, recentemente inaugurado, Terminal de Cruzeiros de Lisboa.
Quando a jornalista me fez essa pergunta, o que apeteceu dizer foi que não conheço nenhum arquiteto que se recusasse a fazer um projeto/concurso destes por motivos éticos ou outros princípios quaisquer. A nossa proposta, que acabou por ganhar o concurso, e era um concurso internacional, era a proposta que dava mais-valias reais à cidade de Lisboa, muito mais do que ser apenas a porta de entrada ou de saída de turistas que vêm em cruzeiros. O terminal de cruzeiros oferece à cidade um jardim contínuo numa zona, Alfama, que não tem quase nenhum espaço verde; dá a possibilidade de subir à cobertura e se relacionar com o Tejo de uma forma nova – agora também já existe essa possibilidade no MAAT – e oferece a todos os lisboetas um novo miradouro para ver Alfama. Aliás, o concurso foi feito num momento de crise em que o turismo de massas nem era uma questão da cidade de Lisboa. A questão era precisamente a oposta.
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