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Sofia Pinto Basto

sofiapintobasto@hotmail.com

Arquiteta e Doutoranda no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (DA/UAL), Portugal. CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal

 

Para citação:

BASTO, Sofia Pinto – Cidade e Democracia. Modernidade frágil. Egle Trincanato. Venezia Minore e Sede do INAIL em Veneza.  Estudo Prévio 25. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, dezembro 2024, p. 109-134. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/25.4

Artigo recebido a 31 de julho de 2024 e aceite para publicação a 21 de outubro de 2024.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Modernidade frágil. Egle Trincanato. Venezia Minore e Sede do INAIL em Veneza

 

Resumo

Egle Renata Trincanato (1910-1998), primeira arquiteta formada pela escola de Veneza, desenvolve um vasto percurso académico, institucional, teórico e uma prática projetual situada entre a linguagem da arquitetura moderna e a sua inscrição no contexto urbano e histórico veneziano. O seu conhecimento de proximidade da cidade, exposto no livro Venezia Minore e, em simultâneo, o seu compromisso com os princípios do movimento moderno, estão presentes no projeto da Sede do INAIL em Veneza.

A análise desta relação, entre teoria e prática, recorre ao conceito pensamento frágil fixado, em 1983, no artigo de Gianni Vattimo (1936-2023), e procura apresentar uma proposta historiográfica, no campo da Arquitetura, não limitada à corrente central do século XX, mas revista nas suas derivações frágeis.

Descrevendo sumariamente o ambiente cultural e artístico, em Itália, nas décadas de 30 a 60 do século XX, procura-se enquadrar a produção de Trincanato no debate, transversal ao século, entre a continuidade da História e a rutura proposta pelo movimento moderno. Nesta controvérsia, o discurso forte, dos dominadores, (modernismo, racionalismo, monumentalidade) é continuamente revista e confrontada. Com o declínio do regime fascista surge uma contra narrativa, com origem na arquitetura rural, no saber impuro, e nas circunstâncias particulares (deriva vernacular, neorrealismo) e, nesta atualização crítica, o discurso da modernidade ganha complexidade e espessura.

Neste cenário e relacionando o estudo de Egle Trincanato, Venezia Minore, com o projeto da Sede do INAIL, concluímos que, como alternativa à falência das ideologias fortes, Trincanato apresenta um conhecimento de fragilidade e proximidade. Como contraponto aos dogmas do modernismo, Trincanato opera uma ação crítica de contextualização no lugar, elegendo a arquitetura menor, como tecido de resistência.  A cidade, na força das suas formas frágeis, torna-se o organismo de mediação que deforma e revê a modernidade.

 

Palavras-chave: Pensamento Frágil, Repensar a História, Modernismo, Arquitetura Menor, Cidade, Veneza.

 

 

Introdução

Egle Renata Trincanato (1910-1998), primeira arquitecta formada pela escola de Veneza [1], desenvolve um vasto percurso situado entre os princípios da arquitectura moderna e a sua inscrição no contexto urbano e histórico veneziano. O conhecimento da cidade de Veneza, revelada na investigação teórica de Venezia Minore (Trincanato, 1948), contribui para a prática projectual. O projecto da sede do INAIL expressa a forte transformação que o discurso modernista e racionalista sofre no confronto com o contexto urbano veneziano.

O percurso académico, institucional, a prática e crítica de Trincanato, cruza-se com figuras centrais do modernismo como Giuseppe Samonà (1898–1983), com quem colaborou continuamente. A doacção do seu arquivo privado à IUAV, em 2004, e o posterior trabalho de reordenação e avaliação deste espólio, acompanhados por uma exposição na Fundação Querini Stampalia em 2008 [2], permitiram avaliar a extensão e heterogeneidade do seu percurso. A sua obra tem sido matéria de investigação gerando artigos, seminários e publicações, inicialmente confinadas a um contexto universitário e regional, que se tem vindo a alargar.

Propõe-se, não reconstituir uma biografia, mas antes estabelecer um nexo entre a prática teórica e projectual de Trincanato como exemplo de uma “modernidade frágil”, uma forma de desvio dos sólidos princípios ideológicos do Modernismo, uma declinação pelo contacto com ecossistemas culturais específicos onde fragilidade representa, não uma diminuição, mas uma capacidade de resiliência sob a forma de uma adaptação plástica, não impositiva mas transformadora e múltipla, dos dogmas do movimento moderno.

Para esta analogia recorre-se à categoria de “pensamento frágil” [3], tal como fixada por Gianni Vattimo (1936-2023), procurando uma releitura da obra de Trincanato, à luz desta tensão. Partindo deste quadro conceptual, e de noções como fragmentos, micrologia, pegadas, quotidiano, temporalidade ou dissolução (Vattimo, 1983), propõe-se rejeitar uma historiografia única e aceitar a fragmentação, alargando o mapa da consciência colectiva. A proposta de revisão do cânone, aparentemente estabilizado, permite ler as margens de uma grande narrativa de sentido único.

No campo disciplinar da Arquitectura, propõe-se o caso Trincanato como uma revisão do movimento moderno, um desvio “frágil”, baseado na proximidade do contexto veneziano e da arquitectura menor e do tecido urbano comum.

O estudo Venezia Minore, elaborado a partir da forma menor e invisível do tecido da cidade, é resultado da atenção próxima, da imersão no quotidiano, procurando fixar o alfabeto oculto nas tipologias correntes. Um pensamento frágil a suspender um pensamento forte, uma declinação sobre os códigos do modernismo. Esta tensão produz uma quebra no discurso arquitectónico central da modernidade, utilizando o estudo das formas vernaculares venezianas, e adaptando-o criticamente. Esta declinação é patente no projecto do INAIL e corresponde, neste quadro teórico, a uma fragmentação “frágil” do discurso forte da modernidade e do racionalismo.

Propõe-se usar este exemplo inserindo-o no ecossistema cultural italiano e descrevendo sumariamente o período de declínio do regime fascista onde a confiança no futuro, imposta pela ditadura, se confronta com a resistência da História e dos contextos locais, produzindo incessantes mutações nas correntes arquitectónicas (modernismo, racionalismo, monumentalidade). A apropriação da Arquitectura como expressão de poder, impositiva e autocrática, feita por Benito Mussolini (1883-1945), colide com os discursos de resistência: a deriva vernacular no contexto arquitectónico, ou o neo-realismo no cinema. Neste universo de fermentação e contaminação de princípios divergentes Trincanato apresenta uma sobreposição das narrativas forte e “frágil”, reconhecendo e utilizando os códigos modernistas mas aceitando um lugar impuro de desvio do cânone.

Neste mesmo sentido, o projecto da sede do INAIL equilibra o desenho entre a tendência modernista/racionalista e a resistência vernacular exposta em Venezia Minore, unindo a acção transformadora e a continuidade. A fragmentação, a atmosfera, no tecido histórico de Veneza, é a força que resiste ao ímpeto inovador do projecto modernista.

A cidade, na sua expressão menor, no quotidiano e na proximidade, é a entidade de desvio e declinação do cânone e do pensamento forte. A fragilidade invisível forma um organismo forte, elástico, contínuo. Esta resiliência do fragmento produz, uma constante actualização crítica das premissas e códigos do pensamento forte da modernidade e, no confronto com os diferentes lugares, dilata as suas possibilidades, transformando o discurso e continuando, nesta heresia “frágil”, a herança modernista.

Figura 1Sede de INAIL, Veneza. Casabella,1960 (Fotografia de Paolo Monti, Ferruzzi, Egle Trincanato, c.1960. Fonte: Casabella, n.º 244. Disponível em: https://casabellaweb.eu/the-magazine/yearannata-1960-xxiv/).

1. Da História

Figura 2, 3 & 4Walter Benjamin; Angelus Novus, Paul Klee,1920; Il Pensiero Debole, Gianni Vattimo,1983.

“Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, sua boca escancarada e as asas abertas. O anjo da História deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de factos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já as não consegue fechar. Este vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu. Aquilo a que chamamos progresso é este vendaval.” (BENJAMIN, 2010: 13)

 

Walter Benjamin (1892-1940), sobre o desenho de Paul Klee (1879-1940), Angelus Novus (1920), questiona o conceito de História e de progresso. A História é construída, desde sempre, como uma corrente forte, contínua e linear sobre um monte de ruínas e fragmentos.

Para Benjamin, em 1940, na era da destruição da Europa, da resistência ao regime fascista e em vésperas do seu próprio suicídio, a História necessita de uma revisão profunda. O historicismo, na sua visão linear e redentora, caminhando para um progresso inquestionável, deixa escapar o estado de excepção em que a vida se desenrola, alimentando a corrente dos vencedores e, em última instância, a ascensão do regime fascista. O texto de Benjamin anuncia a falência das ideologias, o fracasso das suas visões proféticas e a necessidade de outros alicerces onde estabelecer uma nova ordem. Uma rejeição do discurso dos dominadores, da autoridade forte dos regimes autocráticos que dilaceraram o mundo num conflito extremo.  É a partir deste lugar de vendaval, a partir destes fragmentos, que, segundo Benjamin, a História terá de ser contada.

Do fluxo fragmentado do real, elegemos, relacionamos e formamos um horizonte a partir do qual procuramos reconhecer-nos. Escrevemos a História para nos libertarmos da inevitabilidade do nosso próprio desaparecimento.

A escolha dos factos que informam o corpo historiográfico colectivo assenta na ideia de uma certa objectividade, valorizando os acontecimentos cujo impacto é, segundo a nossa perspectiva, significativo. Esta selecção de acontecimentos converter-se-á na narrativa que será fixada, para o futuro, como o cânone histórico de uma cultura. É esta forma da historiografia que Benjamin questiona.

Esta construção da História e a tensão, entre a sua necessidade e o seu excesso, é um debate central do séc. XX, opondo os valores das vanguardas à resistência do passado e da tradição, num desejo de futuro contra uma incontornável nostalgia da perda. Ideologias distintas tornam-se eixos centrais que se substituem.

No interior deste debate Gianni Vattimo, na década de 80, propõe ler a História, não como um conjunto de narrativas fortes, sucedendo-se e superando-se, mas partindo de um quadro de fragmentação, desvio, declinação e multiplicidade. É esta a proposta defendida no seu artigo “O Pensamento Frágil”.

Neste texto de 1983 Vattimo propõe reler um século marcado pela ascensão dos regimes autocráticos, dos conflitos mundiais, do declínio das ideologias e de um contexto cultural que procura integrar, influenciar ou resistir às sucessivas convulsões históricas.

Vattimo  na senda de Benjamin, questiona a forma de construção de uma História única, como um tempo contínuo, linear, dedutivo. A História, enquanto narrativa escrita pelo pensamento forte, como um progresso homogéneo, deverá ser revista a favor de um todo fragmentado, heterógeno, múltiplo, de um pensamento frágil. A isto corresponde um estilhaçar da História em desvios, declinações, pegadas que não chegaram a ser impressas no cânone historiográfico: “o património que nos é transmitido não constitui um conjunto unitário, mas uma densa rede de interferências, pegadas, que não chegaram a transformar-se em mundo: as ruínas acumuladas pela História dos vencedores aos pés do anjo de Klee”.

Vattimo estabelece a ideia de pensamento frágil, anunciando-o como a abertura de fendas na estabilidade de uma matriz central, revertendo a tradição da superação contínua. Esta modalidade abre a possibilidade de alternativas não canónicas, contaminações e sobreposições.

No campo disciplinar da Arquitectura, o séc. XX, estabelece o seu cânone forte a partir da continuidade ou da ruptura em relação ao movimento moderno. Questionamo-nos se somos modernos, pós-modernos, anti-modernos ou se jamais fomos modernos, procurando reescrever a História na sua relação crítica com este discurso central.

Estes discursos exploram derivas contraditórias que procuram superar-se, retomando os códigos originais do modernismo, idealizando-os ou libertando-se destes, anunciando a falência das suas expectativas mais utópicas. Os contra-discursos da historiografia são aspectos da nossa contínua dialéctica com a modernidade.

Neste artigo utilizamos o pensamento frágil como analogia e foco de interpretação, e analisando um caso específico, associamos o pensamento forte ao movimento moderno estabilizado pela historiografia da disciplina. Os ideais modernistas, a máquina de habitar e a cidade radiosa, apresentam-se eficazes e replicáveis. Estes dogmas, no seu discurso impositivo, foram continuamente adoptados, durante o século, pelas vanguardas, pelas ideologias autocráticas, como valorização da mudança ou como expressão de poder dos dominadores.

O pensamento frágil como categoria de leitura deste cânone, permite aceitar uma forma impura, marcada por vínculos de pertença contextualizada que, não negando o paradigma moderno, não decalca integralmente o seu padrão. O pensamento frágil não procura impor a superação, mas a aproximação, a contaminação, a dissolução.

É nesta possibilidade, da sobreposição de discursos, que propomos ler o trabalho de Egle Trincanato.

2. Do Horizonte histórico e cultural

2.1 Totalidade e Superação. Retóricas de poder: Racionalismo e Monumentalidade

 

“Durante cerca de uma geração, de 1920 a 1955, a função do historiador na didática arquitetónica foi semelhante a do patético proponente do brinde. A sua tarefa consistia em prestar uma homenagem mais ou menos embaraçada a uma continuidade cultural agora desprovida de relação com o que arquitetura considerava a sua autêntica missão. Esta missão, tinham proclamado os mestres da arquitetura moderna nos anos 20, consistia em recomeçar tudo desde o início. A musa de Gropius, mies van der Rohe, Le Corbusier, Aalto, Oud e dezenas de outros não admitia amores ilícitos com a História.” (MOHOLY- NAGY, 1988: 32)

 

O comentário de Sybil Moholy-Nagy (1903-1871) revela a dificuldade e ambivalência que a arquitetura moderna enfrentou, desde o início, na relação com a tradição. Na glorificação de uma nova realidade, na fundação de um mundo inaugural e por vir, qualquer vínculo com um passado era, “motivo de embaraço”.

 

O contexto italiano, na procura de uma identidade para uma nação recentemente consolidada, é marcado por este confronto, desde o início do século. A deriva Futurista, expressa no Manifesto de 1909 (Marinetti, 1909) inaugura a tensão que irá nortear o debate cultural e contaminar as ideologias políticas. O regime fascista, numa ambivalência contínua, irá adotar o destemor, a audácia e a expressão exaltada destas vanguardas. O fervor em relação ao futuro e ao seu valor inquestionável, onde a celebração do momento revolucionário implica a destruição das instituições, dos museus e da academia, terá eco no espírito de mudança que o regime de Mussolini vem anunciar nas décadas posteriores. Em contraponto a este movimento, e influenciando também o espírito nacionalista do regime, resistem publicações como os Valori Plastici [4], defendendo uma tendência metafísica, como na pintura de Giorgio de Chirico (1888-1978), e uma atmosfera nostálgica de regresso ao passado. É entre a influência e a ambivalência destas duas tendências que o ambiente cultural italiano irá desenhar-se.

Figura 5 & 6Manifesto Futurista, Filippo Tommaso Marinetti,1909; Mystery and Melancholy of a Street, Giorgio de Chirico, 1914.

 

 

Na década seguinte, em 1927, o Gruppo 7 [5], em Milão, consolida a corrente racionalista que, apesar da expressão arquitetónica comprometida com o léxico modernista, defende uma compatibilidade entre passado e presente, uma transformação da tradição. A sua produção evoca o classicismo associando-o à lógica funcional da indústria e a Casa del Fascio (1932) traduz este cânone racionalista, tendo como matriz a expressão do espírito geométrico, abstracto e transparente da razão, mas evocando a tradição da arquitetura palaciana por meio do Cortile central [6].

Figura 7 & 8Casa del Fascio, Giuseppe Terragni, 1932. Wikimedia; Eur 42, Palazzo della Civiltà del Lavoro de Giovanni Guerrini, Ernesto La Padula, and Mario Romano,1936. Fonte: ©Romaapiedi.com

Este movimento organiza, em Roma, em 1928, a 1ª exposição de Arquitectura Racionalista. Em 1931, o oficialmente MIAR – Movimento Italiano per l´Architettura Razionale (fundado em 1930), na presença de Mussolini, organiza a sua segunda exposição e apresenta a fotomontagem Painel dos horrores, ridicularizando a antiga arquitetura e a sua monumentalidade vazia. Neste período, os defensores da tendência racionalista procuram defender o reconhecimento desta corrente como a expressão do espírito do regime fascista. As publicações Casabella, de Giuseppe Pagano (1896-1945) e Edoardo Persico (1900-1936), assim como Quadrante, de Pietro Bardi (1900-1980) defendem o advento da arquitetura moderna contra o antiquado monumentalismo académico.

Figura 9 & 10 – EUR 42, Roma, Piacentini, c.1937 (Fonte: ©Romaapiedi.com)

 

 

Na senda do pensamento forte, e do seu valor impositivo, o regime de Mussolini procura, numa resposta cartesiana às grandes questões ideológicas, assumir o compromisso com os valores de um novo mundo e de uma nova ordem revolucionária evocando, em simultâneo, o passado triunfante do império romano.

O RAMI – Reaggrupapamento Architetti Moderni, braço armado de Marcello Piacentini (1881-1960), arquiteto oficial do regime, vem reforçar o carácter formalista e neoclassicizante da arquitetura como expressão retórica do poder, impondo-se nas grandes obras públicas e tendo a sua expressão maior nas estruturas permanentes contruídas para a Exposição Universal de Roma de 42 [7]. Esta obra, projetada na década de 30 e sendo interrompida pela segunda Grande Guerra, torna-se oficialmente o estilo adotado pelo regime. Nesta tendência, a simetria, a regra geométrica, a ambição purista, a adesão ao monumentalismo, são garantia de uma estética validada pelas categorias históricas e imagens cunhadas pela tradição da cultura ocidental e pelos arquétipos retóricos do poder das instituições. A convocação formal dos códigos arquitetónicos próprios da civilização romana, expressos em obras monumentais como o EUR 42, correspondem à implantação de uma soberania através da afirmação das instituições. A Arquitetura urbana surge como imposição, autoridade, mas procurando ir ao encontro de um sentido de gosto comum, associando o poder ao sentido de ordem e razão. Este discurso corresponde a uma derivação forte da matriz modernista, adaptada, por uma estética autocrática, expressão de um pensamento forte, inscrevendo-se no cânone tradicional dos dominadores.

 

 2.1 Deriva vernacular

Em 1936, a VI Trienal de Milão, sob a curadoria de Pagano, apresenta uma nova tendência, uma deriva regional de inquérito e sistematização de princípios presentes na arquitetura vernacular e em tudo opostos à expressão monumental adotada pelo regime. Desenvolve-se uma contra narrativa, construída a partir do levantamento das formas rurais na sua expressão menor.

Figura 11 & 12 – VI Trienal de Milão, 1936; Architettura Rurale Italiana, Giuseppe Pagano e Guarniero Danieli, 1936. 

 

 

Com esta deriva o ecossistema da produção teórica arquitetónica, ganha uma nova espessura. O vernacular corresponde a uma nova manifestação estética, uma procura da fundação dos princípios de construção, uma afirmação do valor de uma artesania ancestral e um território onde diferentes condições geram diferentes respostas. A forma frágil desta Arquitetura, a micrologia de pegadas perdidas pelo cânone central da História, as condições ambientais, históricas e culturais do contexto, representam a resistência a um progresso linear e dedutivo da historiografia vigente.

A publicação da Arquitectura Rurale Italiana15, em 1936, por Pagano (PAGANO; DANIEL, 1936), demonstra a tentativa de resistir ao advento de uma arquitetura de carácter monumental, à reprodução de um cânone internacional impositivo e sem contexto, desenhado a partir dos dogmas abstratos do modernismo, numa adaptação acrítica, onde o passado ou o lugar são um embaraço incómodo.

A Arquitectura Rurale Italiana, na sua arquitetura sem arquitetos, na defesa de uma estética dos perdedores e de uma expressão menor, sobrepõe ao formalismo retórico e à narrativa forte do regime, uma deriva vernacular regionalista e frágil.

 

2.2 Pegadas-Neo-realismo

Com a queda do regime fascista, crescem as expressões culturais frágeis, impondo-se como alternativa ao discurso forte, derrotado, histórica e ideologicamente. O novo contexto pós-guerra transforma o problema social na questão central da atividade arquitetónica e artística. A derrota do eixo fascista, a necessidade de consolidação de uma identidade nacional, e a reconstrução da sociedade, trazem a urgência do papel da arquitetura e do urbanismo e a necessidade da validação teórica de um corpo de intervenção operativo.

Neste período de reconstrução crítica, o cinema, o grande contador de histórias, compreende, de imediato, que a História não pode mais ser relatada de um modo encerrado, linear, dedutivo. Neste período, a revisão da ideologia e a construção de uma nova ordem social não podem ser feitas a partir das noções tradicionais de progresso e linearidade histórica. Neste sentido, o Neorrealismo inaugura uma forma de narrativa própria, que se opõe, em conteúdo e expressão, a uma estética artificial que o cinema italiano tinha vindo a importar da idade clássica de Hollywood.

À linearidade da narrativa cinematográfica do cinema clássico, Roberto Rossellini (1906-1977), Luchino Visconti (1906-1976) e de Vittorio de Sica (1901-1974), contrapõem o fragmento temporal e espacial, válido apenas pela sua relação de pertença a uma sequência a uma totalidade portadora de sentido [8]. Segundo André Bazin (1918-1958) “Paisà é provavelmente, o primeiro filme que equivale rigorosamente a uma antologia de contos” (BAZIN, 1991: 250). “A unidade do relato cinematográfico em Paisà não é o plano, ponto de vista abstracto sobre a realidade que se analisa, mas o “facto”. Fragmento de realidade bruta. Cada imagem sendo apenas um fragmento de realidade, anterior ao sentido” (BAZIN, 1991: 253).

Figura 13 & 14 – Fotogramas de Paisà,1946; Stromboli, 1950, Roberto Rosselini.

 

 

Bazin descreve este contraponto ao cinema convencional linear, escapista e importado das grandes produtoras americanas, como um movimento errático e livre da câmara: “Rossellini partiu com sua câmera, pelicula e esboços de roteiros que modificou a bel-prazer de sua inspiração, meios materiais ou humanos, natureza, paisagens” (BAZIN, 1991: 247). “O que conta é o movimento criador, a génese particular das situações. A necessidade do relato é mais biológica do que dramática, ela brota e cresce com a verossimilhança e a liberdade da vida” (BAZIN, 1991: 248). Neste novo cinema explora-se a integração do desvio, da lentidão, na estrutura central da narrativa. Em Stromboli ou Viagem a Itália, as personagens são erráticas, movidas pela circunstância, numa inação pesada, expressando a própria estrutura formal do filme. O cinema neorrealista italiano abandona a ideia da forma pré-definida e reclama uma forma adaptável aos não atores, à circunstância, ao improviso.

Neste sentido, Gilles Deleuze (1925-1995), caracteriza o cinema neorrealista, não pelo retrato de uma condição social, mas pela submissão das personagens a um contexto. Sobre o filme Senso, de Visconti, passado no pesado ambiente histórico veneziano, o filósofo declara: “a personagem tornou-se uma espécie de espectador. Grava mais do que reage” (DELEUZE, 2006: 13). Este sucumbir a uma situação particular, a um conjunto de circunstâncias específicas, reflete, uma vez mais, esta pertença inerradicável a um contexto.

Figura 15 & 16 – Fotogramas de Senso, Luchino Visconti,1954.

Esta adesão do cinema ao fragmento e à colagem, à liberdade e errância, à destituição das personagens como agentes fortes da ação, são a expressão cinematográfica da mesma forma frágil que se anuncia em todo o ecossistema cultural italiano, na sequência da queda do regime de Mussolini. O desvio e desconstrução, de cultura dos dominadores, a adoção do ponto de vista dos perdedores, o relato na sua forma menor, no tecido social invisível, são as marcas de uma nova tendência. O neorrealismo, rejeitando a narrativa encerrada e moralizante, o mise-en-scéne clássico, adota o fragmento, a errância, e a inação das personagens encerradas numa circunstância limite, construindo uma nova ordem.

Este novo cinema surge como contraponto à estrutura formal exportada pelo cinema americano, demonstrando o fracasso da repetição descontextualizada de um cânone. De um modo paralelo, e numa analogia com o campo da Arquitetura, os contextos de reconstrução das cidades, marcados pela História, pela identidade do tecido urbano ou por uma ordem social específica, revelam, na sua resistência, o limite da possibilidade de repetição dos dogmas modernista. O desvio da expressão artística cinematográfica corresponde, por analogia, ao desvio produzido pelo inquérito da arquitetura vernacular no período de declínio do regime fascista: o cinema, na sua expressão neorrealista, reconhece e anuncia a forma frágil.

 

 

 

3. Do Pensamento Frágil

3.1 Quotidiano. Venezia Minore. Da suspensão antes da ação.

 

“Foi esse outro sentido crítico… que levou Siza: a estudar atentamente o tecido urbano da Venezia Minore – descrito por Egle Trincanato-, para realizar o seu plano para a Giudecca. (…) No Campo di Marte, Siza compreendeu, finalmente, porque valeu a pena estudar a forma urbana e a vida social dessa Venezia Minore, na qual é ainda hoje possível construir verdadeiros laços de vizinhança.” (GRANDE; CREMASCOLI, 2016: 45 e 65)

 

É neste contexto cultural que, em 1948, que Egle Trincanato publica o estudo Venezia Minore.

O declínio do pensamento forte conotado com a ideologia fascista e a sua anunciação de progresso é acompanhado, no campo da Arquitetura, pelo debate sobre as questões da História, da contextualização, que ganham peso e destituem parcialmente os princípios modernistas defensores de uma arquitetura de redenção e eficácia inquestionáveis. As narrativas de margem começam a surgir no plano ideológico e com expressão em áreas como a arquitetura ou o cinema, explorando uma estética menor, de fragmento e desvio, de pensamento frágil, relacionado com o conhecimento de proximidade, vernacular, rural ou urbano, único de cada obra. As escolas de Milão e Veneza, as organizações como a Trienal de Arquitectura, as publicações, contribuem para o debate e produzem um corpo teórico consistente, procurando validar as tendências que a crítica ao modernismo vai apresentando.

Figura 17 & 18 – Venezia Minore, Egle Renata Trincanato, 1948 (Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia).

 

 

No seguimento de publicações como a Arquitectura Rurale Italiana que estabelecem novas possibilidades, nas margens do cânone internacional modernista, Venezia Minore corresponde a um inquérito da arquitetura menor, no contexto urbano.

Este estudo detalhado, histórico, tipológico, da morfologia do tecido comum, é um trabalho de atenção e proximidade, estruturado a partir dos edifícios menores, anónimos, que formam a rede urbana, o mapa invisível da cidade, afastando-se da narrativa centrada nos edifícios protagonistas, autorreferenciados, próprios do discurso da modernidade ou da monumentalidade retórica.

“Em nenhuma cidade, como em Veneza, a particular topografia urbana influenciou tão fortemente a íntima característica da arquitectura, e especialmente, da menor, mais ligada ao ambiente, mantendo em parte o original aspecto medieval, sofrendo poucos danos, pois esta cidade, seja pela impossibilidade de dilatar-se, seja pela feliz ausência de improvisos hipertróficos, foi salva – nos últimos cem anos – das transformações vulgares e dos esventramentos sem controlo de que outras cidades foram vítimas” (TRINCANATO, 1948: 35).

Trincanato atribui a força da cidade, a sua resiliência, ao tecido menor. A sua investigação teórica e académica de procura revelar a morfologia que está na base desta estrutura, a matriz oculta comum da composição arquitetónica a partir do fragmento que se repete, que se articula, ganhando sentido no todo. Uma tentativa de produzir um alfabeto, um ábaco, daquilo que, sendo o centro da identidade de cada cidade, não é imediatamente visível. O método usado aproxima-se da filosofia, como demanda das estruturas fundamentais, e na sua tentativa de revelar estas categorias a partir de um reforço da atenção. A investigação metódica, científica, mas simultaneamente baseada na experiência do quotidiano, consegue traduzir num registo erudito a morfologia arquitetónica próxima da dimensão humana.

Em contraponto aos princípios unitários e racionalistas, difundidos pela arquitetura do regime de Mussolini, na década anterior, Trincanato contrapõe a fragilidade do tecido espontâneo, orgânico, e plástico dos edifícios menores.

Apesar deste contexto regional, Trincanato aproxima-se do contexto internacional do movimento moderno. Esta adesão é visível na sua participação no CIAM VII, em Bergamo, e na Escola de Verão CIAM, na IUAV, em 1952, inaugurada, na sua edição de 1953, por Le Corbusier (1887-1965) [9].

Na sua prática projetual, Trincanato não prescinde de integrar, formal e ideologicamente, os compromissos do movimento moderno. As suas propostas para o concurso para o Hotel Danieli, em Veneza, ou Ospedale del Mare, no Lido, demonstram esta adesão e o conhecimento dos códigos morfológicos centrais do modernismo.

Figura 19 – Concurso Albergo Danieli, Veneza, esquiço de Egle Trincanato, 1946 (Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia).

Figura 20 – Concurso Ospedale al Mare, Lido, esquiço de Egle Trincanato, 1946 (Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia).

 

 

Numa carta dirigida ao Il Mondo, a propósito da polémica sobre o Memorial Masieri [10], projetado por Frank Lloyd Wright (1867-1959) para Veneza, que propunha a substituição do edifício histórico Casa Rossa, Trincanato toma partido da arquitetura contemporânea, defendendo a enxertia da linguagem arquitetónica modernista no “ambiente significativo, caracterizado de Veneza”. Segundo esta carta, em defesa desta exceção, Trincanato argumenta que “a obra de arte deve ser julgada no plano da arte e não no do gosto”, e defende “a arquitetura de pedra, cujos valores tácteis, plásticos e dinâmicos, são os valores da poesia do artista” (TRINCANATO, 2015: 81). O projeto, argumenta, irá “exaltar o contexto histórico sem criar contrastes que perturbem o equilíbrio. Fazendo conviver as obras de arte contemporâneas no tecido histórico. Neste texto ataca as “construções falsas, vulgares, fastidiosas e de equívoca contrafação com o passado, réplicas que partem da imagem, retiniana e de superfície, como uma forma de trair a cidade” (TRINCANATO, 2015: 131).

 

3.3 Temporalidade.

INAIL. História menor e Modernidade

Entre 1947 e 1961, Trincanato elabora com Giuseppe Sámona, uma proposta para o edifício sede do INAIL, neste tecido urbano, consolidado e histórico, de Veneza. O tecido consolidado da cidade de Veneza, assim como a História que envolve todo o contexto teórico da Escola de Veneza, é o lugar onde a Arquitectura testa a sua resistência.

Neste projecto, coincidem duas tendências: a experiência concreta da cidade, fixada em Venezia Minore, e a contemporaneidade, próxima do racionalismo e dos princípios modernistas. A transposição do discurso forte da modernidade é aqui contaminada pelas formas frágeis, vernaculares, do tecido menor. O pensamento frágil não é uma oposição mas antes um modo de transformação plástica das correntes arquitectónicas do pensamento forte.

Figura 21 & 22 – Edifício sede de INAIL em Veneza. (Fotografia de Paolo Monti, Ferruzzi, Egle Trincanato, c.1960. Fonte: Casabella, N.244. 1960. Pg 5 e 6).

 

 

O projeto estende-se por um longo período agregando as aquisições sucessivas de edifícios. Aceitando esta condição de descontinuidade e de alteração constante, o INAIL desenha-se a partir desta fragmentação. Num primeiro momento (1947) é projetada a recuperação dos Ufficio Rendite onde apenas os edifícios posteriores, recuados em relação à via, são objeto de recuperação. Num segundo momento (1949) é proposta uma ampliação da Sede central no sentido de integrar formalmente os dois edifícios.

Com a aquisição do Palazzo Adoldi (1951), redesenha-se a Sede Central (1951-1961), elegendo a fachada, de tendência racionalista, ritmada pela variação cromática dos materiais, atribuindo uma unidade formal ao edifício. No interior, o Cortile interno encerra-se na sua forma final (MARRAS; POGACNIK, 2006).

Figura 23 – Esquema de evolução do Projeto da sede do INAIL em Veneza. Elaboração da autora.

 

 

O desenho da planta expressa essa mesma condição de artefacto arquitetónico construído num movimento orgânico, assemblando as novas aquisições através de rótulas que denunciam a evolução do processo. As estratégias de projeto vão da recuperação à substituição dos edifícios, aceitando a especificidade de cada fragmento urbano. As marcas desta colagem são evidenciadas num Cadavre Exquis que se vai articulando em torno de um claustro central, heterogéneo nas suas fachadas.

Figura 24 – Plantas da Sede de INAIL, Veneza, 1979 (Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia).

 

 

Neste conjunto orgânico, o elemento central é a fachada para a Calle San Simeone, onde a sua regularidade contrasta com a variação da compartimentação interior. Em oposição, a fachada tardoz é desenhada aceitando as irregularidades de programa e a variação de espaços em volta do Cortile central.

Figura 25 – Alçado Oeste (calle San Simeone) e Este (Cortile) da Sede de INAIL, Veneza, 1979 (Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia).

Tal como demonstrado no estudo Venezia Minore, onde as tipologias são analisadas partindo da estrutura das fachadas, também no edifício do INAIL a relação com a cidade estabelece-se a partir da força da sua fachada. Como no exemplo da Calle Colonne, onde o “plano orgânico e um ritmo compositivo geral, partindo habilmente das condutas de lareira que, quase como cesuras, determinam uma espécie de sequência rítmica”23, também a fachada do INAIL se constrói orgânica, cenográfica, regrada, decalcada das tipologias longas venezianas e, em simultâneo, contemporânea, atmosférica e racionalista. O desenho geométrico e rígido é adaptado, na sua partição horizontal, ao Palazzo Adoldi, contíguo e parte deste conjunto. A eleição da fachada como o elemento de composição rigorosa e de integração urbana, adaptando a linguagem racionalista e o princípio modernista da repetição e pré-fabricação, acolhe a partição usual da tipologia veneziana, incluindo, no topo do edifício, uma Altana contínua.

Tal como nas tipologias menores venezianas, o contraste entre a expressão contínua da fachada exterior e o interior do Cortile, fragmentado e desenhado a partir da inclusão de elementos de carácter e escala domésticos, reforça a hierarquia elegendo a fachada principal como a face visível do edifício na cidade. Esta distância, entre a frente de rua e os planos interiores, é determinante no desenho do edifício, criando ambientes totalmente distintos na sua materialidade, composição ou escala.

Figura 26 & 27Sede de INAIL, Veneza. Fachada de calle San Simeone e fachada cortile. (Fotografia de Paolo Monti, Ferruzzi, Egle Trincanato, c.1960. Fonte: Casabella, N.244. 1960. Pg 8 e 10).

 

 

Sobre o edifício do INAIL, Trincanato escreve “sobre a outra margem do Canal Grande o edifício do INAIL, construído nos anos 50-56, com a preventiva aprovação da Direção de Belas Artes do Ministério da Educação, que providencialmente encerrou qualquer polémica, talvez porque a fachada nervosa, original e vibrante – embora longe de interpretações mistificadoras de formas passadas – não se refletia diretamente no Canal” (TRINCANATO, 2015: 145).

Expondo a fachada nervosa e vibrante como o elemento identificador do projeto, Trincanato expõe a filiação deste projeto na tipologia veneziana, não partindo da transposição direta da morfologia do Palazzo mas da representação e protagonismo do plano de fachada na identidade da cidade.

Figura 28 & 29 – Sede do INAIL, Veneza, 2015 (Fotografia de Xavier de Jauréguiberry. Disponível em: www.flickr.com).

 

A escolha da materialidade da fachada, em pedra, a sua partição em fragmentos que ganham sentido na geometria do todo, resgata o desenho abstrato do edifício para um desenho sensorial de vibração onde a leitura, a partir da escala da rua, define-se pela descontinuidade e o fragmento, enquanto a visão do canal revela um contínuo de sombra e luz cromaticamente ritmado.

O projeto do INAIL rejeita a ideia de superação do racionalismo e dos princípios da modernidade, desenhando-se a partir de um conhecimento teórico, não numa réplica da imagem, mas na experiência da cidade histórica, documentada exaustivamente, nas suas tipologias comuns, e na sua fragmentação forte. O tecido menor como dissolução num contínuo que prevalece. O edifício do INAIL rejeita a contrafação equívoca da imagem e aceita os princípios do tecido onde se insere: a composição como fragmento, elegendo ora a recuperação ora a reconstrução; a eleição da fachada de rua como o elemento definidor da identidade; o contraste entre a face exterior e o cortilhe; a adaptação da fachada ao edifício histórico contíguo, culminando numa Altana; a imaterialidade da fachada expressa na vibração evanescente que Veneza, no seu comércio com os canais, encontra na descontinuidade dos seus reflexos.

 

3.2 Dissolução. Sede do Da Cidade elástica e da atmosfera

Para Vittorio Gregotti (1927-2020) a Sede do INAIL em Veneza é a expressão tangível de uma atmosfera: “A forma de fazer parte de um conjunto urbano fica ligada, não tanto à continuidade física, mas a uma atmosfera veneziana que se traduz numa variação cromática feita, mais do que de cores, de sombras coloridas… Como se o embasamento nascesse da água e toda a frente vibrasse numa luz instável e reflexa.” (GREGOTTI, 1960: 5)

A descrição do edifício procura situá-lo entre a herança Histórica e a atualidade, afastando-o, no entanto, da poética da transposição da imagem tradicional dos palácios de Veneza, mas desenhando-o através do jogo entre o detalhe, à maneira Veneziana, e a modernidade. Por fim a visão de Gregotti escapa aos habituais códigos gramaticais do discurso crítico da Arquitetura Moderna, descrevendo o edifício como uma atmosfera, aproximando-o de uma perspetiva da cidade.

Figura 30 – Sede de INAIL, Veneza, esquiço de Egle Trincanato. (Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia).

 

 

Segundo Francesco Dal Co (1935), a Sede do INAIL representa a arquitectura veneziana na sua identidade mais resistente, enquanto expressão de um modo de construir por assemblagem de partes num todo compositivo e decorativo. Para este historiador Veneza nunca foi romana, mas resistiu, na sua elasticidade, na sua maleabilidade, como tradução de uma estrutura bizantina.

Veneza, “ao contrário de Roma, não tem ruínas”, define Dal Co (Entrevista a Francisco Dal Co, 2024), e por esta razão “Veneza não é menor, Veneza é elástica, aberta”, no modo como se construiu, o chão da cidade e os próprios edifícios, a partir de detalhes construtivos que permitem a mobilidade de toda a estrutura, para que se possa adaptar aos movimentos de um território que se ergueu como “impossibilidade, como aterro conquistado à água”. Dal Co descreve Veneza como um organismo flexível, um “corpo contínuo, plástico, resiliente, que se adapta, regenerando-se continuamente, construído pela agregação de fragmentos” num todo complexo.

A flexibilidade do detalhe que constrói a base estrutural dos edifícios venezianos, segundo Dal Co, é a chave de compreensão da arquitetura da cidade. Este detalhe estrutural, presente na recuperação do Palazzo Adoldi, toma no edifício Sede do INAIL, uma expressão exterior e visível. Esta ligação flexível, matriz estrutural e arquitetónica, é atualizada e amplificada na fachada para a Calle San Simone. A fachada sistémica transpõe para o exoesqueleto a sua estrutura interna de assemblagem e fragmentação livre que permite assentamentos e ajustamentos num terreno construído sobre uma superfície líquida. É esta a força do fragmento, a maleabilidade do sistema, quebrado infinitamente e, por isso, infinitamente adaptável.

Figura 31 & 32 – Esquema de Dal Co Francesco em entrevista, Porto, 2024. (Fonte: Fotografia da autora); Detalhe de Edifício sede de INAIL em Veneza, Palazzo Adoldi, 1951-60. (Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia)

 

 

Nesta operação de segmentação progressiva, em subestruturas secundárias de betão, tijolo, pedra mármore e metal, o INAIL traduz o uso da luz e da decoração do universo bizantino.  A fachada do INAIL, desenhada como o oposto da pele contínua, como a decomposição sucessiva, em luz e sombra, como um compósito elaborado de fragmentos é a aceitação de que os elementos, em conjunto, num sistema complexo e articulado, produzem a força resistente de que Veneza é expressão. A partir dos componentes frágeis produz-se a assemblagem tectónica que restitui o edifício à cidade, diluindo-o nesta relação.

Figura 33 & 34 – Sede de INAIL em Veneza. Fachada da calle San Simeone. (Fotografia de Egle Trincanato e Giuseppe Samonà, 1956. Fonte: Archivio Progetti. Università Iuav di Venezia)

 

 

Tal como a cidade de Veneza, cuja força se expressa tecido anónimo e frágil, neste edifício, a força e resistência vem através dos seus componentes frágeis assemblados. É na sobreposição entre passado e presente, cidade e edifício, princípios formais e declinações, que a narrativa frágil encontra a espessura e a complexidade da sua arquitetura. É a carga histórica e o tecido urbano menor de Veneza que provocam a declinação das formas arquetipais, próprias das grandes correntes do século XX, e a sua apropriação crítica, contextualizada, revista.

 

 

Conclusão

A produção teórica e prática de Egle Trincanato representa uma declinação do pensamento forte defendido pela corrente modernista. A aproximação à cidade, na sua forma menor, no seu livro seminal, Venezia Minore, é escolhida como instância de resistência e transformação dos princípios genéricos que o modernismo exportou.

A força urbana do contexto veneziano, o conhecimento da malha fragmentada, real e coesa, forma a identidade da cidade e constitui o chão comum das intervenções, o tecido orgânico em constante mutação, absorvendo a diferença, numa dialética contínua entre a resiliência do passado e a mutação do presente. É neste sentido que a contaminação do contexto redefine o cânone formal, tipológico, do discurso da modernidade, abrindo fendas numa narrativa historiográfica unitária. A cidade é a realidade tangível e habitada, modeladora e transformadora do pensamento arquitetónico. A cidade é a instância maior onde a arquitetura é o fragmento, a expressão menor do todo.

Trincanato, defensora da corrente modernista, não se afasta de uma aprendizagem de quotidiano e de um registo de atenção ao tecido urbano próximo. O inquérito de Venezia Minore recorre ao anonimato dos edifícios menores e não aos edifícios protagonistas de Veneza. O registo é o do olhar, do desenho, do léxico tipológico. Venezia Minore não corresponde a uma mera experiência teórica, em contexto académico, de estabilização de um cânone tipológico, mas antes um legado operativo e contaminador da prática arquitetónica. Esta prática projetual é expressa na sede do INAIL e revela uma relação com este o conhecimento da cidade. O trabalho de Trinacanato confirma o seu compromisso com a matriz modernista, disseminada ao longo do século XX e, em simultâneo, com a cidade que a acolhe, transformando-a. No modo como procura, não a superação, ou a contrafação equívoca com o passado, o seu percurso pode ser lido como um modo de intervir e operar: o tecido urbano, na sua elasticidade, como o declinador incomum do projecto moderno, como o contexto frágil transformador do pensamento forte.

Na afirmação do lugar, Trincanato prepara um trabalho teórico que encara a arquitetura como uma atividade filosófica. Procura o alfabeto, o ábaco invisível que desenha o tecido urbano. Esta suspensão antes do projeto é a forma de mediação entre discursos: entre a filologia e os neologismos, entre o edifício e cidade. À polarização do debate sobre a intervenção urbana, património e memória, Trincanato propõe a cidade como instância de mediação.

À falência das fortes ideológicas narrativas, Trincanato contrapõe a frágil narrativa privada. À utopia modernista, radiosa, repetível, abstrata, Trinacanato contrapõe a ação crítica e a declinação do lugar, da forma menor, equilibrando o pensamento entre a tendência racionalista e a resistência do vernáculo, unindo a ação transformadora e a continuidade.

Neste caso, é o tecido menor de Veneza que constitui o seu discurso forte. A identidade oculta que permanece apesar das mutações, a totalidade coesa, a fragilidade invisível das cidades, formam um organismo forte, elástico, contínuo. Esta resiliência do fragmento frágil produz, no campo disciplinar da Arquitetura, uma constante atualização crítica das premissas e códigos do movimento moderno, diluindo-o no contexto, dilatando as suas possibilidades, fragmentando-o, declinando o seu discurso e continuando, nesta heresia frágil, a herança modernista.

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Outras Fontes

Francesco Dal Co, Entrevista realizada a 4 de julho de 2024 no Porto.

 

Notas

1. Egle Renata Trincanato nasce em 1910.  É a primeira arquitecta formada, em 1938, pela Regio Istituto Superiore di Architettura di Venezia, posteriormente Istituto Universitario di Architettura di Venezia e actualmente Università Iuav di Venezia. Em 1941 torna-se Assistente da cadeira de Disegno architettonico e rilievo dei monumenti. Fica em terceiro lugar no concurso para o Ospedale al Mare del Lido (1947) e primeiro prémio no concurso para construção de vivendas, promovido pela Comune de Venezia. Em 1947 ganha o concurso para Capo della Divisione tecnico-artistica depois de submeter um recurso contra a exclusão de candidaturas femininas. Em 1948 publica Venezia Minore. Foi nomeada diretora do Palazzo Ducale em 1954, Vice Directora da IUAV em 1974 e Presidente da Fundacione Querini Stampalia em 1990. O seu percurso académico, institucional, de prática de projecto, e de crítica da disciplina, de Trincanato, cruza-se com figuras centrais do modernismo como Giuseppe Samonà (1898–1983), com quem colaborou extensamente, ou Le Corbusier, Richard J. Neutra ou Frank Lloyd Wright. Recebe o premio Premio Nazionale Olivetti per la Critica d’arte pelo júri que inclui Giuliu Carlo Argan, Adriano Olivetti e Bruno Zevi. Na IUAV trabalhou com Giancarlo di Carlo e Aldo Rossi. Conheceu Richard Neutra, Frank Lloyd Wright e participou no CIAM VII de 1954, em Bergamo. Trabalha como assistente e colaboradora durante todo seu percurso académico e arquitectónico com o Arquitecto Giuseppe Samonà, em concursos, projectos territoriais e arquitectónicos, nomeadamente no Progetto di Quartiere INA-Casa a San Giuliano ou no Progetto di Palazzo per uffici e abitazioni INAIL.

2. Exposição Egle Renata Trincanato. Venezia: forma e rinnovamento na Fundação Querini Stampalia em 2008.

3. Vattimo, Gianni. Il Pensiero Debole. Milão, Feltrinelli Editore, 1983. Optou-se pela tradução Pensamento frágil no sentido de integrar o conceito de fragilidade no uso comum da língua portuguesa, evitando o sentido pejorativo com que a palavra débil ou fraco, como é traduzido frequentemente, está conotada. Na língua portuguesa, o conceito débil comporta uma desvalorização que não vai ao encontre do sentido desta categoria expressa tal como está expresso no texto de Vattimo. No contexto português, no jogo comum da língua, a palavra débil indica fundamentalmente uma condição física enquanto, em italiano refere-se, na maioria das vezes a um adjectivo que acompanha um nome. Procura-se ir ao encontro do que Yvette Centeno defende para a tradução de Paul Celan (Sete rosas mais tarde. Lisboa, Cotovia, 1993) onde descreve a tarefa da tradução como o agarrar da palavra por dentro, atendendo ao seu movimento, procurando manter o seu “sopro”.

4. Valori Plastici. Revista publicada em Itália entre 1918 e 1922 em oposição aos valores da vanguarda nas artes plásticas.

5. O Gruppo 7 era formado por Sebastiano Larco, Guido Frente, Carlo Rava, Adalberto Libera, Luigi igini, Gino Pollini, e Giuseppe Terragni

6. “Nosso passado e nosso presente não são incompatíveis. Não desejamos ignorar nosso legado tradicional”. “(Casa del Fascio) foi originalmente planejado ao redor de um pátio aberto, segundo o modelo do palazzo tradicional”. (FRAMPTON, 2003: 147 e 249).

7. EUR 42 – A Exposição Universal de Roma de 42, projetada na década de 30 e cancelada a sua execução com a erupção da segunda grande guerra, corresponde a um monumental conjunto urbano concebido originalmente para celebrar o vigésimo aniversário da marcha fascista sobre Roma. A sua construção foi retomada entre as décadas de 50 e 70.

8. Os filmes mencionados são Paisà (1946) da Trilogia de Guerra, Stromboli (1950) e Viagem a Italia (1954) de Rosselini, Roberto; Senso (1954) de Visconti, Luchino; e Ladri di Biciclette (1948) de de Sica, Vittorio.

9. O Congressso VII do CIAM (Congrès Internationaux d’Architecture Moderne), em Bergamo 1949, foi responsável pela grelha de urbanismo CIAM, fiel aos dogmas modernistas e aos princípios do grupo do ASCORAL (Association des Constructeurs pour la rénovation architecturale). Este Congresso decide ainda sobre a elaboração da Escola de Verão do CIAM. A segunda edição desta Escola de Verão será na IUAV em setembro de 1952 sendo a edição seguinte inaugurada por Le Corbusier. (KIM, 2006: 78; SCIMEMI, 2010: 5).

10. Frank Lloyd Wright, Proposta não construída para o Memorial Masieri, em Veneza, em 1954.