Luiz Gilberto Silva Júnior
luizjunior.04@hotmail.com
Arquitecto | Doutorando no Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa (Da/UAL), Portugal
Para citação: JÚNIOR, Luiz – Os olhos da pele: a arquitetura dos sentidos. Estudo Prévio 21. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2022, p. 78-81. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/21.01
Artigo recebido a 1 de dezembro de 2022 e aceite para publicação a 15 de dezembro de 2022.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Os Olhos da Pele: a arquitectura e os sentidos
Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos (2009) é um dos livros mais relevantes do arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa. Neste livro, o autor defende a importância dos cinco sentidos humanos nos processos de produção da arquitetura. Pallasmaa construiu uma trajetória internacionalmente reconhecida como arquiteto, com um trabalho que transita nas áreas da psicologia, teoria da arquitetura, arte e filosofia.
Em seu entendimento, Pallasmaa afirma que a arquitetura é multidimensional. Nesse sentido, o autor enfatiza a importância da dimensão sensorial, e acredita nos sentidos humanos como elementos essenciais à perceção e compreensão dos espaços em sua integralidade.
“Cada experiência vivida se dá na interface da lembrança e da intenção, percepção e fantasia, memória e desejo” (p. 24).
Além dessas vivências individuais, as coletivas também compartilham de lembranças que podem ser importantes à identidade cultural, por manterem de certa maneira representações de realidades vividas. Nesse sentido, Pallasmaa argumenta que algumas cidades permanecem meramente como imagens visuais distantes nas recordações, já outras são lembradas com toda sua vitalidade. Segundo o autor, as memórias mais marcantes das cidades são aquelas que estão acompanhadas de todos seus sons e cheiros, suas variações de temperatura, de luzes e de sombras. O autor ainda pontua que a mente humana consegue escolher entre caminhar pelas áreas mais agradáveis e significativas através das memórias percetivas vividas naquele ambiente.
O livro é dividido em duas partes, que percorrem os aspetos históricos do que Pallasmaa considera ser a supremacia da visão nos processos de conceção da arquitetura contemporânea, até uma forma de projetar mais completa e integrada, tendo os sentidos e o corpo como novo paradigma.
Partindo dessa ideia abrangente, onde o corpo é responsável por todas as experiências do mundo, Pallasmaa aproxima-se de uma discussão filosófica sobre a importância da relação entre as pessoas e o meio ambiente. Por mais abstrato que seja esse debate filosófico, ele torna-se pungente e aplicável ao processo de construção do pensamento arquitetónico. Ao desenvolver a primeira parte do livro, o autor argumenta que no processo percetivo estão envolvidas informações provenientes de todos os sentidos, e que, apesar disso, a arquitetura contemporânea leva em conta apenas um fator de perceção – a visão. Segundo Pallasmaa, pré-determinando a arquitetura como algo para a visão, os arquitetos transformam os edifícios em “produtos visuais desconectados da profundida existencial e da sinceridade” (p. 29).
Pallasmaa comenta que a visão é considerada o sentido dominante nos seres humanos, e isso está relacionado ao fato de ela proporcionar uma quantidade massiva de informações em pouco tempo. Segundo Cullen (1983: 10), a visão teria o “poder de invocar as nossas reminiscências e experiências com todo o seu corolário de emoções”. Isso, porque a visão é uma função altamente motivadora para a perceção espacial.
Para Pallasmaa a propensão da visão em detrimento aos outros sentidos, traz consequências na qualidade da arquitetura contemporânea. Para o autor, essa predileção aliena os atributos da arte e da própria arquitetura, perpetuando a falta de conexão e sensibilidade humana nos projetos arquitetónicos.
O autor acredita que as emoções de pertencimento ou isolamento, apego ou rejeição, residem dentro do indivíduo, pois o lugar, por si só, não produz essas sensações. Entretanto, ressalta que são as características de cada espaço que irão definir se as experiências serão positivas ou negativas para os usuários.
Na sua prática de ensino, Pallasmaa acredita que todos os agentes responsáveis por transformações espaciais, se devem concentrar em entender os motivos pelos quais um espaço é capaz de provocar determinadas emoções no indivíduo. Em uma forma mais prática o autor enfatiza que as características “belos e funcionais” já não bastam para propor arquitetura, assim as obras e intervenções arquitetónicas, ou urbanísticas, devem ser pensadas para evocar sensações e emoções que conectem as pessoas aos lugares.
A segunda parte do livro apresenta os principais desafios da arquitetura, na perspetiva do autor, e centra-se no que Pallasmaa chama de arquitetura sensorial. Na sua opinião, a arquitetura deve trabalhar todos os sentidos simultaneamente, reforçando a experiência existencial e o sentimento de pertencimento ao mundo, realizando assim a adaptação e a integração como tarefa fundamental, além de estabelecer um sentimento de realidade e pertencimento com os lugares.
Durante a leitura do livro, chama atenção a forma como Pallasmaa interpreta os ambientes a partir de todos os sentidos, e abre caminho para uma forma de pensar arquitetura.
Para o autor todos os sentidos, inclusive a visão, podem ser considerados como extensões do sentido tátil, definindo uma interface entre o corpo e o ambiente, interligado à noção visual da materialidade, da distância e da profundidade espacial, que seriam absolutamente impossíveis sem a cooperação da memória tátil. O toque é motivado pela consciência, sendo mais do que um sentido de contato: é um sentido de presença que leva à experiência. Tocar é, ao mesmo tempo, ser tocado por aquilo que se toca (Brun, 1991).
A visão revela o que o tato já sabe, nesse sentido é possível considerá-lo como o sentido inconsciente da visão. Pallasmaa destaca que:
“Nossos olhos acariciam superfícies, curvas e bordas distantes; é a sensação tátil inconsciente que determina a experiência. Aquilo que está distante ou perto é experimentado com a mesma intensidade” (p. 40).
Quando Pallasmaa se refere à “sensação tátil inconsciente”, pode ser feita uma relação dessa sensação com a atenção intuitiva, que é definida por Jean-François Camus (1996) como um processo que contribui para regular e modular o funcionamento de outros processos cognitivos, como a perceção, o pensamento e a memória. Essa atenção não procura estímulos ou informação, mas se define pelo consentimento pleno para realização de alguma tarefa espacial. Essas experiências geram significado ao lugar, assim como seus cheiros.
Pallasmaa argumenta que um cheiro específico nos faz entrar, de modo inconsciente, em um espaço totalmente esquecido pela memória visual. Os canais olfativos despertam memórias esquecidas e, de forma recorrente, a memória mais persistente de um espaço é o seu cheiro.
Quando aborda a perceção auditiva, Pallasmaa refere-se a esse sentido como aquele que estrutura e articula as experiências no entendimento do espaço. O som mede o espaço e a torna sua escala compreensível, e os limites do espaço são percebidos com os ouvidos. Em outras palavras, os sons possibilitam que os usuários sintam afinidade com o espaço. Nesse sentido, a visão isola, enquanto o som incorpora. A visão é um sentido direcional e o som se caracteriza como onidirecional, pois, ao fechar os olhos, é perdido o contato com o objeto, mas o mesmo não ocorre com uma fonte sonora.
Apesar dos sentidos visuais e auditivos serem considerados espaciais e temporais, as experiências visuais, em geral, são estáveis, podendo uma imagem ser mantida, enquanto a audição é temporal. Com a visão, um objeto é percebido de uma única vez. O seu tamanho, forma, disposição e distância no espaço, em paralelo a isso a audição fornece informações de movimento.
Esta abordagem experimental centra-se no encontro entre o ser humano e a arquitetura. Neste método fenomenológico não existem noções pré-concebidas, nem experiências que determinem emoção e significado, e a arquitetura atua como mediadora entre o mundo exterior e o interior, criando referencias percetivas que ajudam a compreender a realidade.
O autor possui uma maneira de escrever e narrar que permite ao leitor desenvolver individualmente as ideias, que são apontadas através de um discurso dialético e simples. Após a leitura desta obra, é possível refletir que, entre outras coisas, partindo do princípio de que só o olhar capta todo o conteúdo estético de uma obra arquitetónica, experimentamos apenas uma parte da experiência estética da arquitetura. Ou seja, através da ideia de que o mundo deve ser apreendido e revelado pelo olhar, reduzimos a arquitetura a uma mera perceção visual, incapaz de compreender e projetar obras que se relacionem de uma maneira mais intensa com seus usuários.
Outra análise possível partindo dessa leitura é de entender a natureza dos lugares em que vivemos, e como esses lugares influenciam nossas vidas, hábitos, comportamentos e experiências. Esses fatores se tornam fundamentais para a prática arquitetónica. Essas vivencias, que acontecem nos espaços despertam um senso de empatia, característica que o autor considera fundamental em profissionais envolvidos no planejamento de espaços e cidades.
Uma das grandes discussões contemporâneas é o papel social do arquiteto, pois é uma das profissões que possui maior alcance na transformação da sociedade. Esses profissionais intervêm na organização espacial, na qualidade atmosférica, no estilo de vida e habitabilidade dos espaços. Nesse sentido, entender as sutilezas e imaginar possíveis impactos que pequenas mudanças podem trazer, são posicionamentos difíceis, mas fundamentais para promover uma arquitetura centrada no ser humano.
Bibliografia
PAALLASMAA, Juhani – Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2009.
BRUN, Jean – A mão e o espírito. Rio de Janeiro: Edições 70, 1991.
CAMUS, Jean-François – La psychologie cognitive de l’attention. Paris: Armand Colin, 1996.
CULLEN, Gordon – Paisagem Urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1983.