Nuno Flores
nunodflores@gmail.com
Arquiteto. Coordenador da Iniciativa Outros Bairros do MIOTH – Ministério das Infraestruturas Ordenamento do Território e Habitação, Cabo Verde
Elaine de Pina
elaineg1092@gmail.com
Arquiteta. Gabinete técnico da Iniciativa Outros Bairros do MIOTH – Ministério das Infraestruturas Ordenamento do Território e Habitação, Cabo Verde
Erickson Fortes
forteserick@hotmail.com
Arquiteto. Gabinete técnico da Iniciativa Outros Bairros do MIOTH – Ministério das Infraestruturas Ordenamento do Território e Habitação, Cabo Verde
Para citação: FLORES, Nuno; PINA, Elaine de; FORTES, Erickson (Iniciativa Outros Bairros) – Voz(es) sem lugar, lugar(es) sem vozes. Estudo Prévio 19. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2021, p. 36-44. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/19.4
Artigo recebido a 1 de junho de 2021 e aceite para publicação a 11 de setembro de 2021.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Resumo
Enquanto equipa técnica que desenvolve a ação experimental da iniciativa Outros Bairros (IOB) procuramos construir, desde sempre, questionamentos sobre práticas arquitetónicas coletivas e participativas que possam gerar ações político – arquitetónicas capazes de se intercetar ideologicamente com os lugares onde atuamos. Recentemente, pela possibilidade de se conceber e implementar, em São Vicente – Cabo Verde, esta ação pública responsável pela reabilitação urbana de três zonas autoconstruídas no Mindelo, pudemos participar de um conjunto de ações, entre as quais Amdjer na Obra e Kubaka, que, neste documento, são analisadas através de um conjunto de (im)possibilidades que questionam o atual modelo de cidade e recusam a herança colonial do contexto em que a Iniciativa se insere.
As transformações, cumplicidades e tensões integradas com o sujeito coletivo que surge permitiram, pelas ações levadas a cabo, construir este artigo a partir das questões: como pode o arquiteto questionar o modelo urbano atual através de ações politico colaborativas no terreno da arquitetura e do urbanismo?; podem as ações coletivas em zonas autoconstruídas contribuir para o aparecimento de um sujeito coletivo que garanta o reconhecimento do modo de vida local?
Palavras-Chave: Urbanismo, arquitetura, coletivo, participação, investigação / ação.
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Voice(s) without place, place(s) of the voice
Enquadramento
“Mas a imigração rápida para São Vicente, de gente pobre, evidentemente tornou impossível o controlo da edificação bem como o standard habitacional. Em 1852 fala-se da construção desordenada que existe em São Vicente e o cirurgião da ilha propõe algumas medidas higiénicas como por exemplo cobrir com palha as habitações que precisassem e não consentir que se faça fogo “dentro das cobatas.”
(Linhas gerais da história do desenvolvimento urbano da cidade do Mindelo, 1984: 26).
Partimos para esta reflexão com uma descrição da cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde, em 1852, revendo-a, parcialmente, no momento atual das zonas autoconstruídas da cidade e direcionando a escrita para uma recusa, à partida, dos caminhos deixados pela herança colonial que, desde os primeiros anos de fundação da cidade, revelaram um jogo hierárquico na relação de poderes, até hoje perpetuado. Segundo Moassab (2014) a distinção que se faz atualmente entre partes da cidade – formal e informal – teve origem há quinhentos anos, através de obras literárias e urbanísticas que potenciaram a construção de imaginários que sugeriram a construção de uma cidade ideal.
Esta recusa como ponto de partida, torna-nos conscientes da existência de um dispositivo público de gestão do território que nos remete para a impossibilidade da utopia de uma cidade desenvolvida a partir da construção de políticas públicas que nascem a partir dos modos de vida das populações locais.
Construiremos uma análise aos constrangimentos / desafios que a arquitetura e o urbanismo encontram perante o atual modelo de cidade, no desafio de descolonizar o território, e perante o aparecimento de um sujeito coletivo que se suporta no reconhecimento social da comunidade.
Metodologicamente, a escrita apresenta a Iniciativa Outros Bairros[1] (IOB) e o lugar onde é levada a cabo a ação. Enquadra-a teoricamente deixando, assim como na prática do dia a dia da equipa, várias questões em aberto na conclusão, visto tratar-se de uma investigação-ação que é reflexiva e coletiva e realizada pelos próprios participantes, sendo suposto a compreensão das suas práticas e as situações específicas em que se desenvolvem.
Se a primeira parte, voz(es) sem lugar, por um lado, coloca a pergunta “como pode o arquiteto questionar o modelo de cidade atual através de ações político-colaborativas[2] no terreno da arquitetura e do urbanismo?”; por outro lado, dialogamos com diferentes autores que se colocam de forma crítica e análoga perante práticas atuais do pensamento da arquitetura e urbanismo que também consideramos em falência. Pisaremos o terreno da arquitetura e do urbanismo, partindo da nossa da nossa incompletude e da nossa condição de ativista / investigador / arquiteto, com o intuito de construir uma escrita que critique as três esferas da nossa condição, sendo capaz de questionar de forma objetiva e implicada as ações coletivas que se desenvolvem com índole educativo e comunitário. Por isso, trazemos aqui a atenção sobre as questões de poder e autoria relacionadas com a nossa ação quer na IOB, quer nas ações especificas aqui tratadas que acabam por estar presentes fruto, somente, da necessidade de mobilização coletiva e comunitária e da intenção assumida de pensar a arquitetura enquanto processo de consciencialização política focado no direito à cidade.
Atravessamos autores como Raquel Rolnik (2016), Bruno Latour (1988; 2012), James Scott (2000) e Ananya Roy (2005), que contribuirão para contextualizar o que atualmente se cruza com as problemáticas em análise, partindo da crítica urbana que nos posicionará criticamente perante a nossa própria prática.
Já à segunda, lugar(es) da voz, cabe perguntar: “podem as ações coletivas em zonas autoconstruídas contribuir para o aparecimento de um sujeito coletivo que garanta o reconhecimento do modo de vida local?”, contrapondo práticas que permitem pensar como ações coletivas elaboradas a partir do real / local podem estabelecer novas pontes que permitam o reconhecimento dos lugres a partir de um sujeito coletivo. Sujeito coletivo esse que se entende como um grupo de diferentes cidadãos ou movimentos capazes de construir uma voz única que assegure a possibilidade de participação coletiva.
Importa, pois, problematizar sobre as dinâmicas existentes em cada grupo ou, eventualmente, entre grupos, sabendo da existência de um sentido de pertença específico de lugar e da possibilidade do coletivo atuar enquanto fator de fortalecimento e potencia transformadora. Paralelamente, analisar as transformações dadas no próprio arquiteto e de que forma os grupos têm a capa**cidade de criar transformação na sua própria forma de atuar no terreno da arquitetura e do urbanismo.
Finalmente, abre-se espaço para pensar potências locais encontradas e construídas durante a implementação da IOB, mesmo sabendo dos constrangimentos e das (im)possibilidades do contexto e do ponto de partida ideológico que assume, à partida, iniciar as ações a partir da recusa dos caminhos deixados pela herança colonial.
Voz(es) sem lugar
Apesar da presença atual do ser humano no mundo estar, cada vez mais, localizada na cidade a palavra cidade parece, hoje em dia, polissémica, e sugere uma reflexão sobre o seu sentido.
Partimos, então, para esta escrita sem a intenção de mudar o paradigma atual de entendimento da cidade ou o seu significado, mas, refletindo na fala de um morador de Alto de Bomba[3] que, numa discussão local, nos dizia que as conversas mantidas com a equipa da IOB o tinham feito entender que politica não são só partidos, mas também uma luta diária sobre os seus direitos.
Figura 1 – Encontro com moradores (durante a implementação da Iniciativa Outros Bairros, além de encontros não programados que acontecem, realizaram-se semanalmente encontros na praça, com o fim de discutir assuntos da relação entre equipa técnica e moradores ou qualquer outra questão pertinente). Fotografia de Grace Ribeiro.
Ao longo de séculos de história a cidade ancorou-se nas três raízes princípios habitualmente usadas para sobre si se discorrer, a civitas, entendida como o grupo social que a constitui; a polis, como o lugar de onde surge a política, ou seja, uma forma de governo; e a urbis, como o lugar de onde surge a edificação e a infraestrutura que garante o funcionamento do dia a dia dos lugares. Partindo desta base gera-se uma dicotomia entre a cidade e a urbanização, sendo possível considerar a urbanização um processo que continuamente ganha forma e toma lugar, independentemente do lugar.
De autores como Castells, nos anos 80, a De Soto, até aos anos 2000, os estudos focaram-se, sobretudo, em análises de perspetiva económica, o que criou um entendimento da cidade com foco no determinismo, na produtividade, na rentabilidade e utilidade dos lugares, legitimando a segregação dos territórios das pessoas marginalizadas pela própria economia.
Não existe, nem nas cidades nem na economia, espaço formal e legal para estas populações, levando-as a ocupar territórios não estruturados e em franca expansão para garantir o seu direito à habitação e, enfim, à sobrevivência.
É nesse entendimento que, mais recentemente, Ananya Roy (2005) sugere uma nova leitura centrada em padrões filosóficos que propõe a urbanização informal, ela própria e por si só, como um processo de urbanização.
Concentramo-nos numa realidade especifica, a cidade do Mindelo, e nos constrangimentos e (im)possibilidades que, enquanto arquitetos, encontramos devido à herança cultural e à nossa formação disciplinar, marcadas por ideias elitistas sobre a civitas, que estrutura a urbis de forma excludente, e que tendem a atuar fora dela numa estrutura paternalista e fundada em princípios urbanos de um modo de vida hegemónico e individualista.
Chegados, então, ao Mindelo deparamo-nos com uma história urbana que, fundamentalmente, se pode dividir em três partes: a primeira, marcada sobretudo pelas primeiras tentativas de ocupação, no sec. XV, até à ordem régia de constituição de uma cidade; a segunda, marcada pelo seu crescimento a partir do potencial de marítimo do Porto Grande; e a terceira, desde o declínio do Porto Grande, passando pelo período pós-independência até à atualidade. Em qualquer uma destas fases Mindelo foi sempre definido e determinado de forma imposta. Como consequência à imposição de planos urbanos e a diferentes tentativas de impulsionar o seu desenvolvimento subordinado à existência de um porto comercial que, consequentemente, impulsionou o aparecimento das zonas autoconstruídas para onde os cidadãos mais pobres foram, até hoje, remetidos.
Após as tentativas de povoamento iniciais que pretendiam defender a ilha de São Vicente de ocupações de ingleses, franceses e holandês no sec. XIX, por determinações oficiais, é ordenada a construção de uma cidade de nome Mindelo. Por condições naturais adversas da ilha, São Vicente é a última a ser habitada. A cidade Mindelo, então criada, após o tempo da escravatura vê o seu desenvolvimento intrinsecamente ligado ao desenvolvimento Porto Grande e à exploração do carvão de pedra. Mais tarde, serve também como ponto de paragem estratégico para o funcionamento do cabo submarino do telégrafo internacional que acabara por tornar São Vicente, no sec. XIX, num dos polos mais importantes do sistema telegráfico mundial.
No início do sec. XX, inicia-se o declínio das atividades do porto devido à concorrência dos portos de Dakar e Canárias e à substituição dos combustíveis dos navios de carvão de pedra pelos óleos minerais, o que, mesmo com longos períodos de seca e fome, não impede o aparecimento de novas zonas.
Após a independência, em 1975, e, sobretudo, depois da abertura política, em 1990, a cidade cabo-verdiana é influenciada por uma agenda neoliberal dominada pela desestatização de uma parte considerável dos serviços urbanos que, junto a fluxos migratórios que vinham acontecendo, provocam enorme empobrecimento da população que vai habitar novas zonas autoconstruídas.
Optamos pela expressão zonas autoconstruídas, por insuficiência da designação oficialmente usada “áreas informais”, apropriando-nos de um contexto local e procurando significar a própria dimensão específica em causa. No crioulo Sampajud, entendido como crioulo de São Vicente para os da ilha de São Vicente, são vulgarmente identificadas pelos próprios moradores apenas como “zóna”, representando a parte esquecida do Mindelo que ganhou forma em diversos lugares. São, sobretudo, zonas onde a necessidade de sobrevivência levou à resistência que caracteriza o lugar, e autoconstruídas porque as construções são feitas pelos próprios cidadãos após a ocupação da terra que lhes garante o direito ao lugar. Qualquer tipo de desperdício disponível, madeiras ou chapas, são, em geral, os materiais mais usuais.
A invisibilidade que os caracteriza, marcada pela insegurança da terra e da moradia[4], pela quase inexistente relação com as entidades públicas e, sobretudo, pela falta de reconhecimento social coloca-os, segundo Rolnik (2016), numa situação de ambiguidade ou de transitoriedade permanente. A autora define estas zonas como locais “de indeterminação entre legal/ilegal, planeado / não planeado, formal/informal, dentro/fora do mercado, presença / ausência do Estado” (ROLNIK, 2016: 174) e que tais indeterminações são os mecanismos por meio dos quais se constrói a situação de permanente transitoriedade. Paralelamente, conforme se mostrou anteriormente, os moradores destas zonas, deixadas como zonas de reserva à mercê de especulação imobiliária, não existem na condição de cidadãos de pleno direito face ao aproveitamento politico eleitoral a que vulgarmente são sujeitos por representantes políticos das instituições governamentais cujo mecanismo, segundo a mesma autora, se torna “fundamental para manter desigualdade na cidade controlada pelas elites, ao mesmo tempo que reproduz mandatos políticos, constituindo vastas bases eleitorais para os partidos” (ROLNIK, 2016: 181).
Entendemos, então, que a invisibilidade das zonas se relaciona diretamente com a forma como as políticas públicas são construídas, quase sempre definidas a partir da necessidade de reprodução de empresas entretanto privadas que vendem serviços – água, luz e trabalhos de melhoramento e consolidação do espaço público – e não a partir das necessidades reais de moradia e de infraestrutura da população.
Estas políticas públicas, em geral, encontram enormes dificuldades em estabelecer um processo horizontal capaz de responder às necessidades e de se construir a partir das necessidades reais das populações, através de um planeamento flexível e aberto a alterações. Podem surgir a partir da cosmovisão do lugar, contrariando uma utopia colonialista de que se acabaria com estas zonas através da construção de edifícios habitacionais, tradicionalmente construídos por grandes construtores privados que promovem grandes processos de substituição e demolição destas zonas em todo o mundo. Além de questionáveis na sua conceção, feitas a partir do poder e moldadas a atores com interesses externos aos lugares, são igualmente questionáveis relativamente aos espaços físicos, visto que não trabalham os espaços que realmente são precisos pelas populações e não respondem às formas de morar que prevalecem. Exemplo disso é a construção de grandes conjuntos habitacionais capazes de responder à totalidade da carência do mercado habitacional, processo que teve grande aceitação em Cabo Verde em 2008 quando o governo da época promoveu, por todo país, a implementação do programa Casa Para Todos. Neste caso, além de um grande afastamento deste programa ao modelo urbano e social das zonas, a condição obrigatória de realização de concursos de conceção / construção entre empresas cabo-verdianas e portuguesas para a realização dos projetos e obras pôs em causa a construção de 6000 casas, até hoje por construir, devido à incapacidade financeira dos consórcios, aparentemente, face a constrangimentos criados pela crise económica mundial da época.
Importa salientar que inviabilidade financeira deste programa também levou a alteração da forma de acesso às casas. Hoje é feito através de contratos de rendas resolúveis, sendo que, atualmente, pelas dificuldades financeiras das pessoas mais pobres os edifícios estão na sua maioria desocupados. De igual modo, o governo atual lançou o Plano Nacional de Habitação de Cabo Verde para o horizonte 2030 (PLANAH), reconhece indicadores muito graves de más condições de vida da população. No entanto, repete antigas estratégias e sugere novamente a produção, quase exclusiva, de moradia social nova, ignorando, quase na totalidade, o peso enorme dos bairros autoconstruídos que, além de estarem visivelmente em franco crescimento, tantas melhorias requerem para que se cumpram os direitos básicos dos seus cidadãos.
A história colonial do Mindelo, sobretudo o seu crescimento social e económico alavancado no Porto Grande, pode ter potenciado um entendimento mais individualista da generalidade da população e da forma de ocupação do território que, reservando as áreas mais perto do mar às atividades de maior prestígio, deixa à mão de obra que lhe é dependente a única opção de se alojar transitoriamente nas muitas zonas que surgem ao longo da periferia da cidade. Generalizam-se, hoje em dia, territórios onde prevalecem zonas sujeitas a políticas públicas de habitação e gestão urbana que, até hoje, se desenham em função dos interesses imobiliários, bem como, em alguns casos se localizam nos lugares de melhor vista sobre a baia do Porto Grande.
Levantam-se aqui questões sobre o papel do arquiteto na construção de um processo de trabalho capaz de consciencializar para ações que potenciem o aparecimento de sujeitos coletivos representativos das zonas e das suas lutas.
Este posicionamento, pode contrariar a atual tendência de individualização e contribuir para um pensamento arquitetónico mais robusto no que respeita à construção de modelos descentralizados que partem de um processo de construção coletiva e pública que, sobretudo, permite ao arquiteto contribuir para que a arquitetura colabore na construção social. Pode, ainda, contrariar a indisponibilidade atual de recursos públicos que permitam construir processos que potenciem os modos de organização e de moradia da maioria da população, contribuindo para que se tornem mais frequentes em vez de se colocarem, como atualmente acontece, excecionais.
Os sujeitos coletivos que contribuirão, de facto, para o reconhecimento social das zonas e que se constituem tanto pelo grupo de populações que fazem os lugares, como por aqueles que se posicionam de forma a tentar superar as (im)possibilidades que suscitam a atual situação são cruciais para o entendimento da situação social. Segundo Latour (2012), este processo dá-se através da interação entre humanos e não humanos onde a noção de actante de Algirdas Greimas (2008) se entende como aquele que “articula o enunciado elementar em funções (tais como sujeito, objeto e predicado).”
Em Latour (2012) e na Teoria do Ator Rede (TAR), actante refere-se a um entendimento das classes epistemológicas modernas (sujeito / objeto, sociedade / natureza), apontando para uma releitura do conceito de social, na medida em que se opõe à noção clássica de ator social, não significando apenas a ação ser humano, mas entendendo, fundamentalmente, a possibilidade da sua ação em associação, combinando pessoas, casas, códigos postais, etc.
O diálogo com este autor permite-nos entender as zonas autoconstruídas como um organismo vivo, composto por humanos e não humanos, que tenta contrariar a invisibilidade a que está historicamente sujeita a partir das características do seu modo de vida.
Importa, finalmente, reconhecer que para o arquiteto que atua em zonas autoconstruídas é fundamental entender o porquê da sua condição de invisibilidade e de abandono para que se possa questionar, à partida, o sentido da sua ação. O trabalho em parceria e em articulação com os moradores tende à reflexão sobre o entendimento da pertença comunitária, provavelmente diferente da do arquiteto, para que se possa contrariar a repetição de modelos trazidos de outros lugares cuja estrutura organizacional não se coadunam. O princípio de que a intervenção urbanística surge a partir dos modos de vida do local, determina um processo de consciencialização e autorreconhecimento da população sobre esses modos, para que assim se forje a possibilidade de um reconhecimento exterior, nomeadamente por parte da própria equipa de arquitetos.
Figura 2 – Construção de um acesso (as obras são sempre realizadas com a participação dos moradores, contribuindo para a construção de comunidade). Fotografia de Grace Ribeiro.
A inexistência prévia de um sujeito coletivo que não necessariamente atua nos modelos de organização conhecidos deve ser fator essencial para nos suspendermos da nossa própria condição de arquiteto / ativista / investigador e de elementos externos ao lugar de forma a dar espaço ao posicionamento do coletivo e ao processo.
Este processo impõe a necessidade de nos desconstruirmos sobretudo para que o posicionamento não seja meramente técnico, mas também para que sejamos capazes de encontrar os discursos, as diferenças e as linguagens que abrem à alteridade.
Ao contrário do que frequentemente acontece a recusa do papel de arquiteto enquanto elemento capaz de atuar apenas a partir do conhecimento técnico permite trabalhar a consciencialização da sociedade a partir do direito ao lugar e potenciar outras formas de visibilidade que resistam às imposições institucionais estabelecidas.
De igual modo, potenciar a cultura como forma de contrariar o silêncio permite, igualmente, o aparecimento de uma voz capaz de ser ouvida independentemente dos constrangimentos do modelo político e organizativo que é imposto, bem como novas formas de associativismos e lugares de potência do ponto de vista da capacidade de manifestação e da mobilização.
A Iniciativa Outros Bairros, parceria entre o MIOTH e a Câmara Municipal de São Vicente, nasce em 2019, para se constituir como uma ação pública do Estado Cabo-verdiano que visa a reabilitação urbanas das áreas autoconstruídas de Cabo Verde a partir do modo de vida da população local.
Assim, a fase piloto, que funciona desde maio de 2019 e concluirá em dezembro de 2021, tem como objetivo atuar na cidade do Mindelo, Alto de Bomba, Covada de Bruxa e Frenando Pó e é executada por uma equipa de três arquitetos e cinco consultores – engenharia civil, sociologia, educação artística – para que, a partir da experiência adquirida se possam estabelecer os princípios orientadores que definirão uma futura política pública para estas zona.
Estamos, por isso, conscientes que, enquanto equipa técnica, esta experiência nos colocou sobre a necessidade e (im)possibilidade de contrariar um modelo institucional que gera políticas públicas fundadas em princípios deterministas e incapazes de entender o modelo urbano das zonas. Mais do que detentores de um conhecimento técnico a disponibilizar, enfrentamos permanentemente barreiras centradas, sobretudo, no entendimento de um processo coletivo construído através de cumplicidades construídas diariamente com os moradores. A nossa ação diluída na ação do coletivo que habita os lugares não deve criar obstáculos a um processo de consciencialização que objetiva o reconhecimento de um sujeito coletivo capaz de encontrar uma voz que permite ao arquiteto construir coletivamente ações político colaborativas que, contribuindo para a visibilidade política dos lugares, podem questionar o atual modelo de cidade.
Lugar(es) da voz
Voltando ao Mindelo, cidade que nos oferece as experiências que vivenciamos e que nos permite esta reflexão, vemo-nos forçados a enquadrar institucionalmente as ações que serão analisadas, Amdjer na Obra e Kubaka, bem como enquadrar o lugar específico onde elas acontecem, a zona de Alto de Bomba.
Importa salientar que foi precedido de um trabalho académico – No te ne kemin – realizado no M_EIA, Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura, pensado para entender o modelo urbano de Alto de Bomba, e que absorveu a mesma equipa (renovada, entretanto, devido à necessidade de moldá-la às exigências técnicas que surgiram).
Assim, a IOB contraria a habitual tendência de localização do investimento público nas áreas consolidadas da cidade e possibilita aos moradores a participação nas decisões do projeto e na construção de uma voz consciente do seu lugar. Parte, por isso, de uma discussão inicial sobre a natureza, a vivência e a pertença do lugar seguida de obras de melhoramento que constroem novos espaço públicos e se apoiam no desenvolvimento de culturais que potenciam os demais o aparecimento de um sujeito coletivo que ganha voz. A sua natureza governamental dificulta, por vezes, a afirmação desse sujeito. Se, por um lado, os recursos disponibilizados nos permitem efetivar e ser vistos como quem possibilita a realização da maioria dos processos, por outro lado, é claro que esse imaginário inibe o posicionamento coletivo perante as entidades de poder.
“M bem mora pa Olt de Bomba na 1958. Li ka tinha árvores e tinha txeu sol. Ess árvor mi é k plantal. Fka li até aoje. Tud dia um ta cuida del” [5]
Poderá fortalecer a luta contra a invisibilidade uma escuta que também considera a importância de qualquer tema enquanto elemento de afirmação, resistência no lugar e reconhecimento social. No confronto com o poder, no caso do Alto de Bomba, a resistência e crítica constrói-se, também, pela inclusão de objetos não humanos no processo que, segundo Latour (2012), consolida a ação rizomática que utiliza o espaço público para articular ações que potenciam a voz local. Para Bibia, hoje uma nova liderança no trabalho de uma das hortas comunitárias em Alto Bomba, uma árvore fortalece a luta pelo lugar, elemento escasso numa ilha onde a água é um bem raro e onde a sombra é essencial para a utilização possível do espaço público.
“Kel muro de pedra um ta fazel mi só, moda um aprende faze lá na Santo Antão.” [6]
Tal como a árvore o muro de pedra marca, na voz de Evandro, a presença de um imaginário rural e a existência de um saber fazer de uma parte considerável da população que reside nas zonas proveniente das ilhas mais rurais. Numa comunidade que se assentou num terreno com 38% de inclinação este elemento garante, ainda, a possibilidade de construção de bases para localizar casas e muros que suportam caminhos ou que constituem pequenos socalcos para pequenas plantações.
“Únic cosa kum krix foi saí de renda e um consegui. E já aoje um gastá kes oito contos da renda na compra k jam ta metid na nha casinha… na nha caaaasa de tambor. ”[7]
Apesar da ação da IOB se cingir à requalificação do espaço público do bairro, contando com a introdução de todas as infraestruturas básicas, não se descura o entendimento da habitação. Nesse sentido, o reconhecimento da casa de tambor[8] como primeiro passo do processo habitacional das zonas autoconstruídas procura mostrar, por um lado, a incapacidade do poder público de cumprir o direito constitucional à terra, e, por outro lado, reconhece que esta tipologia de habitação, independentemente de diferentes patologias físicas, representa a única possibilidade de alojamento de uma parte considerável da população habitualmente sujeita à classificação de ilegal ou clandestino e exposta a forte violência social e policial. Segundo Moassab (2013) as forças económicas e sociais são responsáveis pelo redesenho do território e influenciam de igual modo os hábitos e formas de morar.
O reconhecimento da casa de tambor consolida os laços entre moradores e equipa técnica, visto que fortalece a possibilidade do direito a morar. No entanto, partir do seu reconhecimento constrói uma enorme dificuldade na nossa relação com as entidades políticas porque confronta um imaginário de ilegal / informal já muito consolidado.
“Condé k casa de tambor ta da pa estod la dentro ta pingar el é um cosa… mané kum pode ta bem dzé? El é um cosa k só kel pessoa k ta estod dentro, ta passa kel sofrimento é k ta sabe explicar”[9]
Passamos, agora, para as estratégias utilizadas para ativar os espaços públicos, novos ou não, potenciando a cultura que em muito contribui para o aparecimento da voz do lugar, quer para o autoconhecimento local, quer para o exterior.
Partindo da fala de um morador que referenciava Kubaka como algo que lhe deu força para encontrar um caminho, perpassamos esta residência artística sobre hip-hop que surgiu a partir de um estúdio de música caseiro que existe na zona com o mesmo nome, com as seguintes premissas curatoriais:
“atividades terão um caracter colaborativo, procurando criar uma arena de negociação, debate e diálogo com os jovens hip-hoppers e ativistas mindelenses, buscando explorar áreas semânticas e questões relevantes identificadas no decurso da residência, que irão constituir a base do processo criativo. De modo similar a outros tipos de intervenções do género, as oficinas baseiam-se em discussões sobre a história e a cultura hip-hop e o papel do ativista comunitário em contextos caraterizados pela cultura de necessidades, cujo objetivo geral é a promoção do desenvolvimento de trabalhos colaborativos assentes nos princípios do hip-hop e na atuação enquanto mediador entre o poder público ou privado e a comunidade.”[10]
Figura 3 – Membros do homestudio Kubaka (participantes da residência artística kubaka, cujo objectivo se centrou na consciencialização do direito à cidade a partir do ser de Alto de Bomba). Fotografia de Ângelo Lopes.
Os questionamentos provocados relativamente ao “ser de Alto de Bomba”, a possibilidade de reativar uma cultura hip-hop que em tempos existiu na cidade e de discutir a ação da IOB aberta à participação, provocaram o aparecimento de um novo grupo de jovens em Alto de Bomba denominado de Brigada de Intervenção Política (BIP). BIP organiza colagens de cartazes nas zonas nobres do Mindelo onde além de questionar temas debatidos durante kubaka reivindica, entre outros, o direito à cidade.
No caso de Kubaka, tornou-se surpreendente o aparecimento de BIP, e revelou-se uma grande dificuldade de trabalhar em grupo. Por um lado, nem todos os músicos que participaram se conheciam, o que revelou dificuldades de diálogo. Por outro, mesmo após a residência artística que abordou a cultura hip-hop e o ser-se de Alto de Bomba, não se conseguiu que os músicos entendessem que as divergências pessoais e artísticas enriqueciam o conteúdo do material a produzir, sentindo-se, por isso, uma tendência para a homogeneização do trabalho.
As consequências de Kubaka apontam para o fortalecimento da resistência e para a construção de um sujeito coletivo que, a partir dos espaços culturais, se organiza em diversos formatos e conteúdos. No entanto, ainda a conquistar a sua afirmação tanto no que respeita à resistência ou mesmo à insurreição ocasional que, segundo SCOTT (1990), não se podem entender sem ter em conta os aspectos culturais nos quais se alimentam e adquirem sentido.
“Calcetá bo bairro é moda ta na bo casa, bo ta segur. Nós zona é moda nós casa. Se bo ta na bo casa abo ta sabe k bo ta da bo medjor. Conde no ta na ot lugar no ta fica k um gzim de medo de faze errod.”[11]
No caminho do entendimento da descolonização do nosso ser[12], realizamos Amdjer na Obra, experiência em obra que possibilitou a dez mulheres de Alto de Bomba aprenderem a calcetar a rua com cinco mulheres da ilha de São Nicolau e desconstruir o facto do sector da construção civil ser culturalmente ocupado por homens.
Figura 4 – Amdjer na Obra (grupo de calceteiras – formadoras e formandas – que constituiu a primeira formação em contexto que deu origem ao grupo de calceteiras Amdjer na Obra). Fotografia de Grace Ribeiro.
Figura 5 – Amdjer na Obra (elemento das calceteiras Amdjer na Obra durante o primeira obra de calcetamento realizada pelo grupo Amdjer na Obra). Fotografia de Grace Ribeiro.
Pudemos, então, entender a dificuldade que todos os grupos têm em, com mais ou menos tempo de existência, ou mais ou menos organização, encontrar uma união que lhe permita conquistar os desafios a que se propõem. Se, por um lado, o grupo de mulheres que participou nesta ação se juntou, realmente, para aprender a trabalhar em calcetamento, mesmo sem ser um grupo unido previamente, por outro lado conseguiu a possibilidade de se integrar posteriormente em obras de calcetamento noutro bairro. Esta experiência, além de ter exposto conflitos do grupo relacionados com a falta de definição dos interesses do coletivo, sobretudo relacionados com o valor da hora laboral negociado com o empreiteiro, permitiu a estas dez mulheres entrarem no mundo da construção civil que, como já explicado, é maioritariamente ocupado por homens.
Após uma experiência laboral[13] consequência de Amdjer na obra, apesar das fragilidades que o grupo revela, Maísa apresenta-se como a líder. Conseguimos entender que há, realmente, uma ligação ao lugar e uma expectativa de melhoria das condições físicas do lugar, da possibilidade de alternativa de vida a partir das atuais mudanças e uma intenção de tentar construir um coletivo mesmo consciente das dificuldades que encontraram após o momento de aprendizagem do ofício.
“M senti dret. No tive más próximo, más junt, no convive tud hora e não só, nos conxe más gente, no aprende ma es, nos trocá experiências. Nos senti dret em grupo”[14]
O sentimento expresso revela, ainda, que a troca de experiência que resultou da possibilidade de trabalhar como calceteiras noutra obra, possibilitou a partilha entre o grupo, bem como a troca de experiências com outras pessoas na mesma situação de fragilidade laboral (no caso, homens). A atividade de construção civil no país sustenta-se de uma enorme precariedade que se resume à possibilidade de cada operário poder trabalhar ao dia, sem qualquer vínculo laboral, e apenas quando há trabalho.[15]
Conclusão
O modelo montado na IOB é sustentado pela participação e na procura de um sujeito coletivo capaz de potenciar a discussão pública do mundo informal. Constitui uma zona de contacto que, segundo PRATT (2008), não só aproxima cidadãos e poderes públicos, como pode estabelecer encontros pós-coloniais que permitem o diálogo entre cidadãos de diferentes partes da cidade. Possibilita criar ruturas no meio político onde nos inserimos, o que nos obriga a um questionamento sobre a necessidade de um posicionamento consciente da nossa origem colonial, do nosso lugar de fala, da nossa posição controversa de funcionários do governo e da nossa necessidade de não perder um horizonte estabelecido para trabalhar com, e não para a comunidade. No entanto, apesar da proposta inicial promover uma discussão sobre o direito à cidade, o poder institucional parece manter-se algo impermeável. A falta de acesso às decisões estratégicas que estavam previstas aumenta a união e a cumplicidade no terreno, dando espaço à consolidação e ao fortalecimento da resistência do sujeito coletivo que surge.
O conhecimento redutor do município relativamente à infraestrutura deslocalizou, no início de 2020, o escritório da Iniciativa Outros Bairros das instalações da CMSV para um espaço alugado na casa de um morador do Alto de Bomba. Isto fortaleceu, também fisicamente, a razão da zona de contacto.
Olhando para a geografia cabo-verdiana, dez ilhas nas quais se organizam 24 cidades e 22 concelhos, São Vicente tem a condição especial de ter numa ilha apenas um concelho e uma cidade. Por um lado, esta situação prejudicou bastante o projeto, fruto dos interesses municipais tenderem sobretudo para a especulação imobiliária e a hotelaria. Por outro, a falta de articulação entre os dois parceiros, MIOTH e CMSV, em nada colaborou para o trabalho da equipa técnica.
A falta de financiamento revelou-se um constrangimento transversal à ação da equipa técnica. Até ao momento, não permitiu realizar as obras nas zonas de Fernando Po e Covada de Bruxa. Provocou enormes atrasos nas obras de Alto de Bomba, que ainda aguarda financiamento para a conclusão das obras de infraestrutura.
Do ponto de vista da pertença, a suspensão que recentemente provocamos permitiu refletir sobre o nosso tempo, construído a partir de uma estrutura educativa e social europeia. O Alto de Bomba, além de sujeito a uma enorme pressão fruto da sua condição de ambiguidade, constrói-se numa relação direta, desmobilizada e, desde logo, desmotivada de perspetiva de futuro que é possível idealizar.
Mais que o resultado específico de Kubaka e Amdjers na Obra, pudemos refletir que potenciar os espaços da cultura abre a possibilidade de suspendermos a nossa presença técnica e majorarmos a nossa posição política para coletivamente, numa voz só, participarmos do sujeito coletivo que garante o reconhecimento do modo de vida local.
Cabe, então, refletir se possíveis agitações já estão entendidas nos atuais espaços de poder. Apenas através da insistência e persistência de um conjunto articulado de ações se solidificarão transformações que, aparentemente, não surgem de uma ação política solitária.
Por fim, cabe concluir que a urbanização informal, mais comum no sul global, dá-se em qualquer lugar e deve encarar-se como um processo de urbanização igual a qualquer outro. Logo, será uma responsabilidade alargada de quem nela trabalha entender a sua ação como uma forma de inscrever-se politicamente na sociedade, participando da construção de uma consciência coletiva que minore as desigualdades urbanas.
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[1] A Iniciativa Outros Bairros é uma ação pública do Estado Cabo-verdiano que visa a reabilitação urbanas das áreas autoconstruídas de Cabo Verde a partir do modo de vida da população local.
[2] Entende-se como ações político-colaborativas todas as intervenções realizadas e discutidas com os moradores, a partir das quais se constroem as decisões políticas dos grupos existentes e da IOB.
[3] Alto de Bomba é o primeiro lugar de atuação da fase piloto da IOB.
[4] A insegurança da terra e da moradia refere-se, habitualmente, à impossibilidade de ter acesso a legalização camarária do lote após ocupação de terrenos públicos – das entidades de poder central ou local – ou privados.
[5] Voz de Bibia, moradora de Alto de Bomba, durante uma conversa sobre que obras se faria na frente de sua casa. “Eu vim morar para Alto de Bomba em 1958. Aqui não tinha árvores e tinha muito sol. Esta arvores eu é que plantei. Ficou aqui até hoje. Todos os dias cuido dela.”
[6] Voz de Evandro, morador de Alto de Bomba, durante uma conversa sobre que obras se fariam na frente de sua casa. “Aquele muro fiz eu mesmo, como aprendi a fazer em Santo Antão.”
[7] Voz de Virgínia, moradora de Alto de Bomba, numa entrevista sobre os primeiros três meses de trabalho da IOB: “A única coisa que eu quis foi sair da renda e já hoje gastei aqueles oito contos em compras que já estou metida na minha casinha de tambor… na minha caaaaasa de tambor.”
[8] A casa de tambor é o equivalente à uma casa de chapa ou “bidonville”. Após o corte das partes superiores de um “bidon” de óleo, endireita-se as chapas e reutiliza-se para construção das paredes da casa.
[9] Voz de Euclides, morador de Alto de Bomba, em música produzida pela residência artística kubaka: “Quando está a pingar dentro de uma casa de tambor é uma coisa… Como é que posso explicar? É uma coisa que só a pessoa que está dentro é que sabe explicar”.
[10] Independentemente de promovida pela IOB com o intuito de estimular a cultura no Alto de Bomba, Kubaka teve curadoria do sociólogo cabo-verdiano Redy Wilson Lima numa discussão permanente com equipa técnica da IOB e os moradores.
[11] Voz de Maísa, moradoras de Alto de Bomba, sobre a experiência “Amdjer na obra”: “Calceta bo zona é como estares em tua casa. A nossa zona é como a nossa casa. Se estás na tua casa já sabes que dás o teu melhor. Quando estás noutro lugar já sabes que tens medo de errar”.
[12] Refiro-me “nosso ser” pelo facto de entender que a descolonização do meu ser dará, neste caso específico, na ação conjunta de um grupo de cinco arquitetos que constituem a equipa da IOB. Na ação coletiva que se disponibiliza a participar do sujeito coletivo que surge.
[13] Após Amdjer na Obra o grupo de calceteiras foi contratado para trabalhar numa obra do Estado, a reconversão urbanística da Baia das Gatas, Mindelo.
[14] Voz de Maísa, moradora de Alto de Bomba, sobre a experiência “Amdjer na obra”: “Senti-me bem. Estivemos mais próximas, mais juntas, convivemos a toda a hora e não só, aprendemos com eles, trocamos experiências. Sentimo-nos bem em grupo”.
[15] No caso de São Vicente as pedreiras garantem o fornecimento de pedra ao Município antes de qualquer outro construtor. Assim todos, os calceteiros(as) da cidade são profissionais liberais que se limitam a trabalhar para o município.